Caça ao Voto
Os melhores jingles das eleições brasileiras (2002-2006)
Exatamente 25 anos depois de emergir no noticiário como o maior líder sindical do país, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente da República. Na terceira tentativa de chegar ao poder, Lula venceu José Serra no segundo turno com uma vantagem de quase 20 milhões de votos.
Essa foi a primeira eleição em que os jingles do candidato petista tiveram pouco parentesco com o original Lula Lá. Convencido pelo marqueteiro Duda Mendonça, Lula concorreu com um discurso menos radical e conquistou parte do grande empresariado. Nasceu o “Lulinha Paz e Amor”, como definiu Duda Mendonça.
“A imagem do Lula ‘Che Guevara’ se transformou no Lulinha Paz e Amor, de barba bem cuidada e cabelo arrumado”, explica Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos. “Dentro de ternos bem cortados e camisas sociais de grife, Lula apresentou um discurso conciliador, dizendo que iria melhorar o que estava bom.” A aliança com José Alencar (PL), megaempresário mineiro da área têxtil, convidado a ser seu candidato a vice-presidente, foi determinante. Aliados importantes de Fernando Henrique Cardoso, como Itamar Franco, Antonio Carlos Magalhães e José Sarney, além de não se empenharem na campanha do candidato tucano, declararam apoio explícito a Lula no segundo turno.
Luiz Inácio Lula da Silva
José Serra
2002
Ciro Gomes, candidato à Presidência
Aécio Neves, candidato ao governo de Minas Gerais
Jorge Viana, candidato ao governo do Acre
Roberto Requião, candidato ao governo do Paraná
Germano Rigotto, candidato ao governo do Rio Grande do Sul
Marcelo Crivella, candidato ao governo do Rio de Janeiro
Rosinha Garotinho, candidata ao governo do Rio de Janeiro
Leonel Brizola, candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro
Marcelo Alencar, candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro
Henrique Meirelles, candidato a deputado federal por Goiás
Mesmo com a imagem abalada pelo mensalão – escândalo revelado em meados de 2005 que envolveu quase toda a cúpula do governo, incluindo José Dirceu, chefe da Casa Civil, e até mesmo Duda Mendonça –, Lula conseguiu se reeleger. Como era de se esperar, o mensalão foi destacado nos jingles da oposição. O presidente venceu mesmo assim. Mais uma vez no segundo turno, venceu Geraldo Alckmin com 61% dos votos.
Na eleição de 2006, o material de campanha do PT substituiu o número 13 em vermelho pelas cores da bandeira brasileira. “O mote da campanha, ‘Lula de novo com a força do povo’, demonstrava o afastamento proposital entre o candidato e o partido”, conta Manhanelli. “Através de atitudes, palavras e comportamento, Lula reforçou a imagem de homem simples, perseguido pelas elites por ser um homem do povo.”
Embora menos marcantes que em anos anteriores, os jingles estão presentes em todas as eleições. Apesar de ser uma prática ilegal, as canções políticas nas cidades do interior do país continuam a ser paródias de músicas consagradas, “por serem facilmente assimiladas pelo povo”, afirma Manhanelli. Nas metrópoles, entretanto, os jingles hoje têm de lutar para cair no gosto dos eleitores com letras e composições originas.
2006
Lula
Geraldo Alckmin
Ana Julia Carepa, candidata ao governo do Pará
Jaques Wagner, candidato ao governo da Bahia
Paulo Souto, candidato ao governo da Bahia
Guilherme Afif Domingos, candidato ao Senado por São Paulo
Aloizio Mercadante, candidato ao Senado por São Paulo
Dimas Ramalho, candidato a deputado federal por São Paulo
Marcelo Itagiba, candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro
Branca Nunes
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Os melhores jingles das eleições brasileiras (1994-1998)
O sucesso do Plano Real e a vitória sobre a inflação garantiram a vitória de Fernando Henrique Cardoso já no primeiro turno nas eleições de 1994. Mas, segundo Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos, o ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco contou com um trunfo adicional para conquistar o Palácio do Planalto.
“Inesperadamente, o Tribunal Superior Eleitoral proibiu o uso de imagens externas na propaganda política”, recorda Manhanelli. “Lula foi o grande prejudicado.” Depois da derrota nas eleições de 1989, o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva lançou a Caravana da Cidadania, uma viagem pelo interior do Brasil planejada para conferir ao vivo o cotidiano da população. Pelas novas regras, foi vetada a veiculação das imagens gravadas nesse período.
Manhanelli compara essa restrição à instituição da Lei Falcão, em 1974. Diante do crescimento da oposição, o regime militar limitou os comerciais políticos a uma foto do candidato ao lado do número. Fernando Henrique venceu com 54% dos votos.
Segundo colocado, com 27% dos votos, Lula teve de contentar-se com título de dono dos jingles mais originais. Todos, de certa forma, tinham parentesco com o clássico Lula Lá:
“Lula Lá é o último dos jingles inesquecíveis”, acredita Manhanelli, que há 36 anos coleciona filmes, jingles, objetos e documentos relacionados à briga pelo voto. Professor de marketing político e especialista no assunto, Manhanelli emprestou parte desse acervo para que o site de VEJA pudesse ajudar a divulgar parte da história política do país.
1994
Dante de Oliveira, candidato ao governo de Mato Grosso
Marcelo Alencar, candidato ao governo do Rio de Janeiro
Ronaldo Caiado, candidato ao governo de Goiás
Paulo Maluf, candidato ao governo de São Paulo
Francisco Rossi, candidato ao governo de São Paulo
Mário Covas, candidato ao governo de São Paulo
Afanásio Jazadji, candidato a deputado estadual por São Paulo
1998
Com a aprovação da emenda que instituiu a reeleição, FHC e Lula disputam novamente a Presidência. Mais uma vez FHC foi reeleito no primeiro turno -- conquistou 53% dos votos.
Fernando Henrique Cardoso
Lula
Miguel Arraes, candidato à reeleição ao governo de Pernambuco
Orestes Quércia, candidato ao governo de São Paulo
Eduardo Suplicy, candidato ao Senado por São Paulo
Ao enfrentar Paulo Maluf no segundo turno, o governador paulista Mario Covas – que era candidato à reeleição e terminou a primeira etapa em desvantagem –, resolveu trocar a discussão de programas administrativos pela comparação do histórico de cada um. “Eu acho que o telespectador quer discutir caráter”, disse, durante um dos debates mais intensos da história do país. “Você quer saber como nós nos comportamos historicamente, como nós somos como pessoa. Que tipo de caráter e de antecedência a gente tem.” Covas venceu com quase 10 milhões de votos.
Branca Nunes
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Entre o parlamentarismo e a monarquia, o Brasil resolveu continuar presidencialista
Mais de 100 anos depois da Proclamação da República, os brasileiros foram novamente confrontados com a ideia de restaurar a monarquia. Em 21 de abril de 1993, depois de uma campanha com direito a jingles, comerciais na TV e horário eleitoral gratuito, as cédulas apresentavam duas opções sucessivas. Primeira: monarquia ou república. Segunda: presidencialismo ou parlamentarismo.
A tentativa de ressurreição do regime imperial partiu do deputado federal paulista Antônio Henrique Bittencourt da Cunha Bueno. Monarquista de berço, filho de Antônio Sílvio Cunha Bueno, um dos cardeais do PSD em São Paulo, Henrique Cunha Bueno decidiu, durante a Assembléia Nacional Constituinte, propor a realização de um plebiscito para dar ao povo a possibilidade de escolher a forma e o sistema de governo que preferiam. Seu principal argumento era que, durante o reinado de Pedro II, o Brasil vivera o período de maior estabilidade. Surpreendentemente a emenda que propunha o plebiscito foi aprovada.
Em maio de 1992, o parlamentar fundou o Movimento Parlamentarista Monárquico (MPM) ao lado de dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança, um dos pretendentes ao trono, pertencente a uma das duas linhagens que reivindicam a coroa brasileira. “Em termos de militância, só nós e os petistas”, dizia o chefe dos monarquistas, que levou a turma para as ruas sob o slogan “Vote no Rei”.
Monarquia
Parlamentarismo
Presidencialismo
A república foi a forma de governo escolhida por 66% dos mais de 67 milhões de brasileiros que compareceram às urnas (contra 10% que optaram pela monarquia). O sistema presidencialista conseguiu 55% dos votos, enquanto o parlamentarismo ficou com 24%.
Pouco mais de três décadas antes, o país viveu sua única experiência parlamentarista. Em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Presidência da República, oito meses depois da posse. Certo de que as Forças Armadas e o Congresso não aceitariam a posse do vice-presidente João Goulart, acusado de simpatizar com o comunismo, Jânio esperou uma viagem de Jango à China para consumar a insensatez e voltar ao poder nos braços do povo. Parte do plano deu certo: os militares não engoliram o vice com facilidade. Liderada por Leonel Brizola, casado com uma irmã do Jango, a oposição exigiu o cumprimento da Constituição, que previa a posse do vice. Na tentativa de encontrar uma solução para a crise, o Congresso aprovou em caráter de “urgência urgentíssima” o parlamentarismo. O regime durou pouco mais de um ano.
O país festeja a ressureição da democracia
O entusiasmo provocado pela restauração da escolha direta do presidente da República transformou as eleições de 1989 nas mais movimentadas da história. Quase 55% dos eleitores não exerciam esse direito há quase 30 anos, outros 45% nunca tinham votado. Todas as tendências políticas estavam representadas.
“As eleições de 1989 foram marcadas pelo uso pleno da televisão nas campanhas eleitorais”, conta Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos. “Isso era a grande arma dos candidatos desconhecidos, que não faziam parte do círculo tradicional”. Manhanelli lembra que, ao contrário do que acontece hoje, não eram proibidas cenas externas nas inserções de 30 segundo fora do horário eleitoral gratuito nem os efeitos especiais.
No livro Marketing Político, do Comício à Internet, Manhanelli conta que naquele ano “foram usados todos os recursos disponíveis de imagem e som na produção dos programas eleitorais, levando inclusive mensagens e imagens fantásticas através das mesas de efeitos em 3D. É o show se consagrando nas eleições da TV”.
Alguns jingles lançados em 89 fizeram tanto sucesso que ainda são usados. É o caso do clássicoEy, ey, Eymael, um democrata cristão, de José Maria Eymael. “A música era tão ruim que pegou”, brinca Paulo Garfunkel, compositor de jingles políticos há mais de 20 anos e um dos criadores da letra da música que Marina Silva levou para a campanha deste ano.
O primeiro turno de 89 foi disputado por 24candidatos. Os jingles e clipes de grande parte deles ainda povoam as lembranças de quem tem mais de 30 anos.
A candidatura de Lula, grande novidade do Brasil redemocratizado, mobilizou artistas como Gilberto Gil, Milton Nascimento e Djavan, que se juntaram na gravação do Lula lá. “É o maior clássico desde o começo do regime militar”, acredita Jean Garfunkel, irmão e parceiro profissional de Paulo.
Embora a televisão tenha dominado a paisagem eleitoral de 1989, o rádio era a única forma de alcançar 20% da população que só tinham acesso a esse veículo. Ainda assim, o publicitário Fábio Ciaccia, num dos textos do livro Marketing Político, do Comício à Internet, observa que apenas Fernando Collor, Leonel Brizola, Guilherme Afif Domingos e Lula investiram na propaganda radiofônica. “Durante toda a história”, escreveu Ciaccia, “os políticos apresentaram dificuldade para entender a importância do rádio. Não viram que era o melhor meio de atingir os analfabetos”.
O duelo no segundo turno entre Lula e Collor se estendeu aos clipes exibidos na televisão. Lula mostrava uma multidão de celebridades cantando o seu jingle. Collor replicava com uma mensagem que atribuía ao povo brasileiro o papel de verdadeiro artista.
Carlos Manhanelli recorda que a derrota de Lula é atribuída a três fatores, dois deles intimamente ligados à televisão. O primeiro foi o programa no horário eleitoral de Collor em que Mirian Cordeiro, ex-namorada de Lula, o acusava de ter tentado forçar o aborto da filha Lurian:
O segundo motivo foi a onda de rumores vinculando o PT aos seqüestradores do empresário Abílio Diniz. O terceiro, a edição do último debate entre os candidatos apresentada pelo Jornal Nacional, amplamente favorável a Collor.
Eleito com 49% dos votos, Collor foi afastado do cargo dois anos depois, acusado de envolvimento com um vasto esquema de corrupção articulado pelo ex-tesoureiro de sua campanha, Paulo César Farias. Mais uma vez, a mobilização do povo nas ruas foi fundamental para a aprovação do processo de impeachment.
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Fernando Henrique Cardoso caiu da cadeira
A campanha das Diretas Já, os políticos cassados durante o regime autoritário, e sobretudo o PMDB – antigo Movimento Democrático Nacional (MDB), partido de oposição à ditadura militar. Esses e outros símbolos da resistência democrática foram as grandes armas usadas pelos candidatos que disputaram prefeituras e governos nos anos que se seguiram à vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.
Dante de Oliveira, candidato à prefeitura de Cuiabá em 1985, por exemplo, transformou em estandarte a emenda que propunha o restabelecimento das eleições diretas e que foi batizada com o seu próprio nome.
No Rio de Janeiro, o jingle de Marcelo Alencar evocava a cassação do seu mandato de deputado pela ditadura:
Na disputa pelo governo estadual, o baiano Waldir Pires e o paulista Orestes Quércia repetiram incontáveis vezes a sigla PMDB nas letras das músicas de campanha.
Um dos capítulos que marcaram as primeiras eleições pós-ditadura ocorreu em São Paulo. Favorita em todas as pesquisas de intenção de voto, a candidatura de Fernando Henrique começou a degringolar. Seus jingles adaptavam músicas como Vai Passar, de Chico Buarque,Baile dos Passarinhos e Parabéns a Você:
Jânio Quadros, que acusava o adversário de conhecer mais intimamente os subúrbios de Paris do que a periferia de São Paulo, explorou à exaustão uma resposta infeliz do sociólogo durante um debate na TV. O jornalista Boris Casoy perguntou-lhe se acreditava em Deus. Desconcertado, Fernando Henrique balbuciou que, conforme o combinado, a pergunta não seria feita. Em seguida, gaguejou uma resposta suficientemente confusa para que Jânio o acusasse de ateu. Nessas eleições, Jânio usou e abusou de regravações dos jingles que o levaram à vitória nas eleições presidenciais de 1960.
A disputa atingiu seu ponto culminante no dia da votação. De manhã, a Folha chegou às bancas estampando na primeira página a foto de Fernando Henrique sentado na cadeira de prefeito. O que foi considerado uma atitude de “arrogância” extrema, não passou de um equívoco resultante de uma atitude gentil do candidato.
Atendendo a um pedido de Veja, Fernando Henrique se deixou fotografar com o compromisso de que a foto só seria publicada caso fosse eleito. Enquanto a imagem era produzida, repórteres daFolha e do Estadão que esperavam na ante-sala reivindicaram o mesmo direito. Todos se comprometeram com o embargo. A Folha não cumpriu o acordo.
Eleito com 4% de votos a mais que Fernando Henrique, Jânio não perdeu a chance. Ao entrar no novo gabinete, desinfetou a cadeira que passaria a ocupar.
Branca Nunes
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O povo voltou às ruas
“Esta foi a última eleição indireta da história do Brasil”.
A frase, dita por Tancredo Neves em 15 de janeiro de 1985, fez parte do discurso da vitória no Colégio Eleitoral e marcou o fim de uma campanha política que mobilizou o Brasil em favor da candidatura de um presidente que não seria eleito pelo voto popular. Nove meses depois de a emenda das Diretas Já ter sido derrotada no Congresso, o clamor das multidões foi canalizado para a campanha Tancredo Já.
Grandes comícios, passeatas, cartazes, camisetas adesivos, bottons, jingles… A eleição de 1985 fez com que os brasileiros voltassem a sentir o sabor de uma eleição presidencial.
“A eleição do Tancredo é um dos dois maiores exemplos do poder do marketing político”, afirma Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos. Como as eleições foram indiretas, as estratégias de marketing precisaram ser adaptadas. “Foi preciso convencer a população a pressionar o Colégio Eleitoral para que seus membros votassem no Tancredo. Era uma estrutura triangular”, explica.
Com a derrota no Colégio, a ditadura militar começou a ser derrubada. Tancredo foi eleito com 480 votos, contra 180 dados ao segundo colocado, Paulo Maluf. O processo de transição e abertura política iniciado na eleição de 1974 atingiu ali seu ponto culminante.
Na véspera da posse, Tancredo é internado no Hospital de Base de Brasília:
José Sarney, vice-presidente, tomou posse em 15 de março de 1985, tornando-se o primeiro presidente civil a assumir a Presidência depois de quase 21 anos de autoritarismo. Tancredo morreu em 21 de abril, 24 dias antes de a Emenda Constitucional nº 25 restabelecer as eleições diretas para presidente da República.
O segundo maior exemplo de marketing político citado por Manhanelli é a eleição de Fernando Collor. Mas esta só viria a assombrar o Brasil quatro anos depois.
Branca Nunes
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Eleições sob censura
Restritas a dois partidos e constantemente ameaçadas pelas vontades armadas dos quartéis, as eleições no Brasil aconteceram durante quase todo o regime militar. Embora não pudessem eleger o presidente da República, os brasileiros continuaram a escolher pelo voto direto governadores, senadores, deputados, prefeitos e vereadores.
A primeira eleição legislativa depois do golpe aconteceu em 15 de novembro de 1966, pouco depois da decretação do Ato Institucional número 2 (AI-2), que extinguiu os 13 partidos legais existentes e na prática instituiu o bipartidarismo. Foram formados a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Nenhuma das legendas criadas pela reforma partidária de 1966 incluía no nome a palavra “partido”.
Embora timidamente, os candidatos animaram-se a criar jingles e fazer campanha de rua. Foi o caso de Dinarte Mariz, candidato ao governo do Rio Grande do Norte.
Depois da avassaladora derrota sofrida em 1970 pelo MDB, que chegou a discutir a hipótese da autodissolução, o regime militar afrouxou as amarras eleitorais em 1974. “O governo acreditava que o chamado ‘milagre brasileiro’ seria suficiente para conquistar a maioria dos votos e permitiu programas eleitorais ao vivo na televisão”, conta Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos. “O resultado foi uma derrota humilhante do governo.”
Orestes Quércia, um dos 16 senadores eleitos pelo MDB na ocasião, debita aos programas televisivos a vitória. Começou a campanha com apenas 5% das intenções de voto, contra 75% do ex-governador Carvalho Pinto. Na edição de 25 de setembro de 1974, uma reportagem publicada por VEJA descreveu o clima da época: “Uma campanha eleitoral para a renovação do Senado da República, da Câmara Federal e das Assembléias Legislativas inundou o país com slogans, cartazes, jingles, foguetes, refrigerantes e discursos sobre assuntos como a revogação do AI-5, os problemas da agricultura e da pecuária, o combate à inflação e o endividamento externo”. O MDB conquistou 59% dos votos e praticamente duplicou a bancada na Câmara, além de eleger quase o triplo do número de senadores arenistas.
Diante do crescimento gigantesco da oposição – ainda menosprezado por setores do governo – o presidente Ernesto Geisel declarou: “Não podemos tapar o sol com a peneira”. As apurações de 1974 resultaram na Lei Falcão, que impôs severos limites à propaganda política no rádio e na televisão. Na TV, só podia aparecer uma foto do candidato ao lado do número, enquanto uma voz em off narrava um breve currículo. No rádio, o locutor dizia somente o nome e o número do candidato.
Em 1982, o fim da Lei Falcão permitiu que as eleições para governador, senador e deputados voltassem a desfrutar das várias possibilidades do marketing político.
Com a restauração do pluripartidarismo, cinco partidos disputaram a preferência do eleitorado: o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o Partido Democrático Social (PDS), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Fundado por Tancredo Neves e Magalhães Pinto, o Partido Popular (PP), que reunia dissidentes da Arena e moderados do MDB, desistiu de concorrer e seus filiados se uniram ao PMDB.
Franco Montoro venceu Reynaldo de Barros e Jânio Quadros na disputa pelo governo de São Paulo. Candidato pelo PTB, um partido fraco, o Homem da Vassoura conseguiu provar que mantinha boa parte da força política, principalmente entre os eleitores mais jovens. Três anos depois, seria eleito prefeito de São Paulo.
Era o início do uso maciço da TV na política, que atingiria o auge dois anos depois com a campanha das Diretas Já. Houve gigantescos comícios em todas as capitais. Na Candelária, no Rio de janeiro, e no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, reuniram mais de 500 mil pessoas. A Rede Globo, que tentou ignorar o movimento, acabou sendo obrigada a cobrir intensamente as manifestações populares que exigiam a volta de eleições diretas para presidente da República.
A Emenda Dante de Oliveira, que refletia a vontade da maioria dos brasileiros, não foi aprovada. Com 298 votos a favor, 65 contra e 3 abstenções – 112 deputados estavam ausentes no dia da votação – não foi levada à apreciação do Senado. Faltaram 22 votos.
Branca Nunes
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Dos sonhos de JK às vassouras de Jânio
Uma das mais extraordinárias peças de propaganda política nasceu do acaso. Em 4 de abril de 1955, Juscelino Kubitschek, ex-governador de Minas Gerais e candidato à Presidência, desembarcou em Jataí, no interior de Goiás, avisando que, caso fosse eleito, cumpriria integralmente a Constituição. Acabou saindo de lá comprometido com a construção de Brasília.
A ideia começou a tomar forma quando Antonio Soares Neto, um corretor de seguros de 29 anos, indagou se, “conforme determinado nas Disposições Transitórias da Constituição”, JK mudaria a capital para o interior do país. Depois de refletir alguns segundos, o candidato endossou uma das mais fascinantes aventuras de todos os tempos: “Cumprirei na íntegra a Constituição. Durante o meu quinquênio, farei a mudança da sede do governo e construirei a nova capital”.
Começavam os 50 anos em 5 de JK:
Os adversários de Juscelino eram Juarez Távora, da UDN, e Adhemar de Barros, do PSP:
Com 35% dos votos, o presidente Bossa Nova – um de seus codinomes mais conhecidos – foi eleito 290 comícios e 1.215 discursos depois.
Restrita às ondas do rádio em 1955, a campanha política alcançou a televisão cinco anos mais tarde. Na campanha de Jânio Quadros em 1960 foi ao ar o primeiro comercial eleitoral da história do Brasil:
“Ainda havia poucos televisores no país, mas eram suficientes para atingir os formadores de opinião”, conta Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos. “Foi o primeiro uso racional da TV no processo eleitoral brasileiro”. Um ano antes, em 1959, Jânio havia assumido, a convite de Paulo Machado de Carvalho, na época dono da TV Record, um programa de entrevistas onde seus convidados tratavam dos problemas nacionais. Com o jeito de falar também peculiaríssimo – o sotaque juntava o acento de Mato Grosso, onde nasceu, do Paraná, onde se criou, e de São Paulo, onde amadureceu politicamente – Jânio ampliou com os telespectadores a multidão de devotos.
Treze anos depois de eleito suplente de vereador, o ex-prefeito, ex-governador e ex-deputado Jânio Quadros candidatou-se à Presidência. Os adversários eram o general Henrique Teixeira Lott, que garantiu a posse do presidente Juscelino Kubitscheck e foi o ministro da Guerra do seu governo, e Adhemar de Barros, com quem Jânio reprisou nacionalmente a disputa regional que se desenrolava em São Paulo desde o começo dos anos 50.
O emblema de Lott, estampado em flâmulas, bottons e cartazes, era a espada. O de Adhemar, o trevo. Jânio usou a vassoura, que simbolizava o combate à corrupção. Foi essa a origem de “Varre, varre, vassourinha, um dos mais conhecidos jingles da história política nacional, e de outras trilhas memoráveis:
Lançado pelo inexpressivo Partido Trabalhista Nacional (PTN), a candidatura de Jânio recebeu o apoio da União Democrática Nacional (UDN). Logo virou mania nacional aquele político de estilo estranhíssimo, com cabelos desgrenhados, caspa no paletó, gesticulação elétrica e que devorava sanduíches de mortadela durante os comícios. Ao perceber o franco favoritismo de Jânio, João Goulart, candidato a vice-presidente na chapa de Lott, incentivou o movimento JanJan, que pregava o voto em Jânio para presidente e em Jango para vice (naquela época os dois cargos eram escolhidos separadamente).
Milton Campos, um político mineiro extremamente correto e vice oficial de Jânio, não recebeu praticamente nenhuma ajuda do companheiro de chapa.
As táticas de marketing da campanha de 1960 incluíam a transformação de acusações e apelidos pejorativos em trunfos eleitorais dos alvejados. Os adversários de Adhemar de Barros, por exemplo, mencionavam sistematicamente a “caixinha do Adhemar”, expressão que indicava a fortuna particular acumulada com o desvio de dinheiro público. O ex-governador de São Paulo inverteu a acusação com um jingle:
No âmbito regional, a técnica foi usada por Aluísio Alves, candidato ao governo do Rio Grande do Norte pelo PSD. O jingle surgiu depois que um de seus adversários o chamou de “cigano”.
Com a ausência de compositores profissionais, a trilha sonora da campanha ficava por conta de músicos e cantores famosos da época. É o caso desses dois jingles de Jango, cantados por Elizeth Cardoso e Ivon Curi:
Embora Lott fosse o candidato oficial do governo, JK pouco se empenhou na campanha. Conjugado com o carisma incomparável de Jânio Quadros, essas circunstâncias ajudam a entender mais um caso de esquizofrenia eleitoral dos brasileiros. Apaixonados por Juscelino, risonho e conciliador, elegeram Jânio Quadros, brigão e carrancudo. Lott terminou a eleição em segundo lugar e Adhemar em terceiro. João Goulart foi o vice.
Eleito com 48% dos votos sem necessitar da ajuda dos grandes partidos, Jânio Quadros descobriu tarde demais que era impossível governar sem a maioria no Congresso. Em 21 de agosto de 1961, oito meses depois da posse, o homem da vassoura renunciou ao cargo com a esperança de retornar ao poder pela aclamação popular. O país recuperou-se rapidamente do choque proporcionado pelo ato insano e passou a tratar da posse do vice-presidente.
Com duas décadas de atraso, a televisão foi a grande novidade da campanha de 1960 no Brasil – Franklin Roosevelt, candidato à Presidência dos EUA, já havia feito o primeiro discurso que acoplava imagem à voz em 1939.
Assim como aconteceu com o rádio, interceptado pela decretação do Estado Novo quando começava a ser usado de maneira racional nas campanhas políticas, a TV também tropeçaria em leis autoritárias. Em 1964, a ditadura militar resolveu impedir o uso intensivo da televisão. A proibição vigorou por 20 anos.
Branca Nunes
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Getúlio Vargas cumpriu a promessa feita a Wainer: “Eu voltarei como líder de massas”
A trajetória que levou Getúlio Vargas de volta ao poder “como líder de massas” começou oficialmente em 12 de agosto de 1950 no Rio de Janeiro e, durante 51 dias, percorreu todo o Brasil. Decidida a ignorar os passos do ex-ditador, a grande imprensa não enviou repórteres para acompanhar a empreitada. O único jornalista que registrou a campanha foi Samuel Wainer, dosDiários Associados.
“Depois do comício de abertura no Rio, voamos para Manaus”, descreve Wainer no seu livro de memórias. “No aeroporto, a polícia teve de dispersar o povo para permitir que o avião encontrasse espaço na pista de pouso. Durante o comício, o palanque sacudia, abraçado pela multidão. Eram camponeses com pés de Portinari, brasileiros descalços, gente humilde, homens sem posses que vinham saudar o ‘Pai dos Pobres’. As multidões não portavam cartazes, não bradavam palavras de ordem, não exibiam consciência política. Eram, apenas, getulistas. ‘Getúlio!’, uivavam centenas de milhares de pessoas, em todas as capitais, em todos os Estados”.
Esses comícios amazônicos eram habilmente registrados pelos correligionários de Getúlio Vargas. As imagens em movimento – veiculadas nos cinejornais – começavam a fazer parte da propaganda política:
“A intenção das filmagens era focalizar o presidente através da cena tomada do alto da arquibancada dando a impressão de esmagamento do líder pela massa, fazendo com que Vargas diminuísse frente aos que o aplaudiam”, escreve Karla Cristina de Castro Amaral, no livro Getúlio Vargas – o criador de ilusões. “Outra câmera, posta no carro fazia a junção da manifestação fervorosa na arquibancada com a gesticulação da cabeça e braços de Vargas”. É o começo do uso de imagens manipuladas em benefício de um candidato.
Enquanto Getúlio protagonizava esses novos lances da propaganda eleitoral, o brigadeiro Eduardo Gomes, seu principal adversário, continuava restrito aos jingles:
Embora a televisão já existisse nessa época – as primeiras imagens foram transmitidas no Brasil em abril de 1950 e mostravam uma apresentação do padre-cantor Frei Mojica – havia apenas 7 mil aparelhos no país, todos concentrados no eixo Rio-São Paulo. “A estreia do uso eleitoral da TV aconteceu no dia 10 de setembro de 1950, quando a TV Tupi, ainda em fase experimental, passou um filme onde Getúlio Vargas falava sobre sua volta à vida pública”, conta Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos. “Quase ninguém assistiu. O preço de um aparelho era três vezes maior que a mais sofisticada radiola e um pouco mais barato que um carro”.
O rádio ainda era a grande ferramenta para comunicar-se com o povo e Getúlio soube dominá-la como nenhum outro político. Daí a quantidade incalculável de jingles, que iam das marchinhas carnavalescas às marchas militares:
Ao fim de dois meses de campanha, Getúlio conquistou quase 50% dos votos. Voltou ao poder nos braços do povo no dia 31 de janeiro de 1951:
O país mais uma vez escutou a voz inconfundível de Getúlio Vargas, sempre endereçada aos seus maiores eleitores – os “trabalhadores do Brasil” –, e o sotaque que sublinhava o “L” à maneira gaúcha.
Em agosto de 1954, as mesmas emissoras de rádio que o candidato transformara em trunfo eleitoral divulgaram a tragédia incomparável: o maior líder popular da história se suicidara com um tiro no coração. O jornal Última Hora – último reduto governista na imprensa – precisou apenas incorporar a frase “o presidente cumpriu a palavra” à manchete publicada na véspera: “Só morto sairei do Catete”.
O retrato do velho começa a percorrer o caminho de volta às paredes do Brasil
“E se o senhor viesse a ser candidato? – perguntei”.
“Eu não sei… – começou Vargas. – Mas pode dizer uma coisa: eu voltarei. Eu voltarei, mas não como líder de partidos e, sim, como líder de massas.”
“Eu não sei… – começou Vargas. – Mas pode dizer uma coisa: eu voltarei. Eu voltarei, mas não como líder de partidos e, sim, como líder de massas.”
O diálogo, reproduzido no livro de memórias do jornalista Samuel Wainer, ocorreu em 1949 e descreve o momento em que Getúlio Vargas usou a primeira pessoa para endossar o aviso espalhado desde 1945 por muros de centenas de cidades do Brasil: Ele Voltará.
Em dezembro de 1945, Vargas fora eleito senador por dois estados e deputado por nove (naquela época, havia a possibilidade de se candidatar por mais de um estado e a mais de um cargo). Em 1947, convencido de que a oposição parlamentar tentaria desmoralizá-lo no Congresso, exilou-se voluntariamente em sua estância em São Borja e manteve distância da imprensa.
A reportagem assinada por Samuel Wainer foi ampliada pelos jornais da cadeia Diários Associados e pelas emissoras de rádio – o veículo mais influente da época: “O melhor programa noticioso do país era O Grande Jornal Falado Tupi, que começava às cinco da manhã e terminava às sete”, conta Wainer no livro Minha Razão de Viver. “Naquele dia, sucessivas vezes, repetiu-se uma gravação com a frase que se tornaria famosa: ‘Eu voltarei como líder de massas’. A gravação fora feita pelo locutor Silvino Neto, pai do humorista Paulo Silvino, que imitava à perfeição a voz de Getúlio. O presidente Eurico Dutra, que costumava acordar bem cedo, levou um susto enorme: ele pensou que a voz era a do próprio Getúlio”.
Em 9 de agosto de 1950, Vargas deixou a estância de Itu, na fronteira com o Uruguai, para começar a campanha pelo Brasil:
Além do rádio, já utilizado intensivamente pelos políticos, Vargas transformou o cinema em instrumento eleitoral. “Com os vídeos em forma de documentários, Getúlio reconstruía a história de seu próprio passado e divulgava seu programa de governo”, informa um dos textos do livro Marketing Político – do comício à internet, assinado pelos jornalistas Daniela Rocha e Lincon Franco. O cinejornal – noticioso apresentado antes dos filmes –, foi a grande carta na manga do candidato.
A imagem de “Pai dos Pobres” e “Salvador da Pátria”, foi sendo desenhada conscientemente antes mesmo do surgimento do marketing político, que nascerá somente em 1954, na campanha de Celso Azevedo para a prefeitura de Belo Horizonte. “O que existia até então era a simples propaganda dos candidatos”, explica Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Políticos. “Só em 1954 surge o marketing político, ou seja, a ciência que estuda o mercado para adaptar um produto aos anseios daquele meio”. Mesmo que ditadas pelo instinto, a frase “é preciso conhecer os pequenos para conhecer-lhes as aspirações” – retirada do cinejornal reproduzido acima – mostra que Vargas já sabia disso.
Os jingles de Vargas dominavam as rádios:
E o retrato do velho começava a percorrer o caminho de volta às paredes do Brasil.
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