Eterno Rei do Baião é o grande homenageado do especial da Globo NE.
Alcione, Elba Ramalho, Fagner e Waldonys estão entre os convidados.
Fogueira, comidas típicas, bandeirolas enfeitando o terreiro e um trio pé de serra tocando forró. Tudo isso é São João, assim como Luiz Gonzaga, o eterno Rei do Baião, sempre homenageado por todo o Nordeste, mas mais especialmente este ano, pelo seu centenário. Causos e lembranças do velho Lua foram contados por Alcione, Elba Ramalho, Margareth Menezes, Raimundo Fagner, Quinteto Violado, Waldonys, Marina Elali, Genaro e Clemilda, que se uniram para fazer uma grande festa no ‘São João do Nordeste’, programa da Globo Nordeste que vai ser exibido neste sábado (16), para todas as afiliadas da emissora na região, depois do humorístico "Zorra Total".
Considerado um dos maiores expoentes da música brasileira, Luiz Gonzaga nasceu em Exu, no Sertão de Pernambuco, e andou por todo o país cantando as dores e as alegrias do Nordeste. “Gonzaga sintetiza na música a alma nordestina. Ele é um analista da alma do Nordeste, da alegria, da força desse povo”, define o jornalista Chico Pinheiro, mestre de cerimônias do programa.
Na infância, o pai da cantora baiana Margareth Menzes comprava discos de Luiz Gonzaga e, nos dias de festa de São João, colocava a caixa de som na janela para todos ouvirem os sucessos do Rei do Baião. “Luiz Gonzaga é um dos esteios da MPB, ele e os contemporâneos dele literalmente pariram a Música Popular Brasileira. Ele conseguiu sair do Nordeste e ser conhecido no mundo inteiro cantando a terra dele”, admira Margareth.
Para a paraibana Elba Ramalho, a obra do Rei do Baião traz a essência da alma do Nordeste, traduzida em temas ainda recorrentes, como a relação do povo com o clima, marcado tanto pela seca e quanto pela chuva. “Ele é o maior ícone da nossa música. Ele era um compositor muito versátil. Eu lembro que peguei um violão e fui mostrar uma valsa que aprendi com meu pai, chamada 'Dúvidas'. Fui toda orgulhosa, toquei e aí ele virou para mim e contou que a música era dele”, lembra Elba.
Mais do que um compositor fantástico, a cantora ainda o vê como uma pessoa como poucas. “Gonzaga esteve comigo no dia mais importante da minha vida. Era 25 de junho de 1987. Ele me ligou para almoçar na casa da minha irmã, como já era tradição da gente. Eram 18h, quando minha bolsa estourou e ele me levou para o hospital. Eu lembro que ele segurou na cabeça do meu filho e o abençoou, foi um momento muito emocionante”, recorda Elba.
Sanfoneiro desde a infância, Waldonys atribui o caminho trilhado na música ao Rei do Baião, que o tirou de Fortaleza e levou para tocar no eixo Rio-São Paulo. “Aprendi muito com ele. A música de Gonzaga é atemporal. A história da seca retratada por ele ainda está aí. As dores do povo são as mesmas. 'Olha pro céu meu amor' é um hino do Nordeste, do São João, do legado que ele deixou para todos nós defendermos”, acredita o instrumentista.
Tendo convivido com Gonzaga quase como um filho e gravado dois discos, o cearense Raimundo Fagner vê no Rei do Baião a referência maior do São João no Nordeste. “A música de Gonzaga vai permanecer para sempre. Quando acabam os modismos, sempre tem Luiz Gonzaga na manga para se tocar. Eu tive uma relação de muita cumplicidade com ele, eu o adorava”, diz, com carinho, Fagner.
Conhecedor da obra de Gonzaga, Fagner lembra também da importância dos parceiros de composição do pernambucano de Exu. “Zé Dantas e Humberto Teixeira tinham consciência da situação do Nordeste e fizeram Gonzaga trilhar esse caminho, ao invés de ser só mais um tocador de sanfona. Pediram para ele ir buscar as coisas dele do Sertão, por isso é bom se atribuir aos três esse legado”, defende o cantor.
É o legado de Zé Dantas, o médico que compôs músicas como ‘Xote das Meninas’ e ‘Sabiá’, que a neta e cantora Marina Elali pretende manter. “Eu faço essas músicas do meu jeito. Em todos os meus shows, eu o homenageio, desde que eu era criança, em Natal. Sempre que posso, falo dele. Agora, estou trabalhando em um DVD em homenagem a Gonzaga e a vovô, a releitura da obra deles”, adianta Marina.
Foi interpretando as músicas de Gonzaga e de seus parceiros que os pernambucanos do Quinteto Violado definiram sua sonoridade. “Nosso encontro, logo no início da carreira, com Luiz Gonzaga foi muito importante. Fizemos o circuito universitário, viajando o interior de São Paulo, com ele e Dominguinhos. Aprendemos muito com eles”, conta Marcelo Melo, um dos fundadores do grupo.
Porém, uma das maiores lembranças do Rei do Baião foi uma viagem de carro do Recifeaté Natal. “Ele me contou a vida toda dele, os problemas que passava. Foi uma pena que não tinha um gravador. Ele fez um verdadeiro desabafo, foi um momento indescritível. Luiz Gonzaga era uma dessas pessoas predestinadas”, acredita Marcelo..
Vinda do Maranhão, onde o São João é bumba meu boi, tambor de crioula, além do forró e quadrilha, Alcione mostrou que não é só de samba que entende. “A gente já cresceu ouvindo Luiz Gonzaga. Ele foi uma das vozes do Nordeste e ainda era um pacificador. Eu o admiro muito por ter conseguido pacificar Exu, onde tinha briga de família. Ninguém era mais simpático que Gonzaga”, conta a Marrom.
Aos 75 anos, a cantora e compositora alagoana Clemilda se lembra com carinho de quando conviveu com Luiz Gonzaga, os dois morando no Rio de Janeiro. Quem a vê no palco, cantando as músicas que marcaram seus mais de 40 anos de carreira e também as canções do Rei do Baião, não imagina que ela precisou de ajuda para subir ali. “Todo forrozeiro que se preze tem que cantar música de Gonzaga. Ele tinha um jeito bem caipira, sertanejo mesmo, a gente almoçava junto vez por outra. A música dele é como ele, imortal”, acredita a cantora.
Assim como todo forrozeiro tem que tocar Gonzaga, todos eles acabam se conhecendo, de um jeito ou de outro. “Uma das primeiras músicas que aprendi a tocar foi 'Saudade Propiá', que Clemilda gravou. Eu aprendi a tocar com músicas dela e hoje estou aqui, com ela. Cresci ouvindo ela, Gonzaga, Marinês... E tive a honra de tocar com eles”, conta o sanfoneiro Genaro.
Do Rei do Baião, a lembrança mais marcante para o músico vem de um show em Barro, no Ceará. Na época, Genaro fazia parte do Trio Nordestino e ia em uma caminhote F1000, enviada pelo ‘dono da festa’. Gonzaga logo perguntou por que tinham deixado o banco da frente para ele. “Explicamos que tínhamos deixado o lugar para ele ir mais confortável. Gonzaga era muito esperto, muito vivo. Tinha o pensamento muito rápido. 'Vocês esquecem que quem vai na frente, abre a porteira', disse ele. Então a gente disse que abriria as porteiras”, lembra, bem humorado.
Quem também contribuiu com o clima descontraído do programa foi o humorista piauiense João Cláudio, de Piripiri. “Esse programa é uma grande reunião de amigos. Eu me lembro da Marina [Elali] ainda criança! Fazia muito tempo que não via o Gennaro. Fiquei até surpreso de ter sido convidado, eu não sou famoso nem onde eu nasci”, diz João Cláudio - ele exemplifica a falta de fama com uma história sobre um grupo de amigos que, vindo de São Paulo, chegou procurando por ele em Piripiri, mas ninguém sabia informar onde o músico morava.
Com um dom para imitar as pessoas, João Cláudio faz o Rei do Baião parecer vivo no palco do São João do Nordeste. Basta fechar os olhos, porque até a voz é parecida. “Onde quer que Luiz Gonzaga esteja, deve estar muito feliz. Na verdade, ele nunca esteve tão vivo quanto agora. Foi ele quem deu o modelo de festa que conhecemos, padronizou a melodia que hoje a gente chama de forró”, defende o humorista.
Mais do que padronizar uma melodia, Gonzaga deixou os moldes de uma ‘família’ para os músicos que seguem seus passos. “Forró é parceria, é um lutando pela causa do outro. Gonzaga é uma inspiração para todos os brasileiros que querem cantar a alma e a cultura do povo. A obra é grandiosa, mas simples, daquelas que tocam o coração das pessoas”, finaliza o sanfoneiro pernambucano Cezzinha Thomaz, um dos mais promissores músicos nascidos e criados no rastro da sanfona de Gonzagão.
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