O produtor rural Humberto Miranda Oliveira, de Miguel Calmon (235 quilômetros de Serrinha),
já perdeu mais de 20% do seu rebanho. Parte da culpa é da pior seca que a Bahia
já viu nos últimos 50 anos.
Para se manter em um ambiente hostil como esse, o produtor rural simplifica a solução
encontrada: “É uma vaca comendo a outra. Todo mês, temos que vender duas
ou três vacas para sustentar o restante do rebanho”.
Em uma tentativa de chamar a atenção para a situação, a Federação da
Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb) marcou para a próxima terça-feira (26),
em Salvador, uma reunião com mais de 40 sindicatos rurais de todo o estado.
Também presidente do Sindicato Rural de Miguel Calmon, Oliveira lembra que são
os médios e pequenos produtores que estão sofrendo mais.
“Nos pequenos povoados dos arredores de Miguel Calmon temos as viúvas dos
maridos vivos”, relata. Isso porque os pequenos produtores, que tinham entre
15 e 20 cabeças de gado, ou tiveram que vender seus animais ou os viram morrer.
O resultado é que os homens do campo estão deixando a família na Bahia e indo cortar
cana em São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
“Os pequenos produtores rurais que ainda estão aqui estão endividados e sem seu patrimônio original. É como se você tivesse perdido o seu carro e seu apartamento”, exemplifica Oliveira
sobre a perda de um patrimônio de toda a vida.
O presidente da Faeb, João Martins da Silva, dá outro exemplo do cenário da seca na Bahia. Segundo ele, os médios produtores estão virando pequenos e os pequenos estão
desaparecendo. “Seus animais morreram e eles foram liquidados. Não tivemos o amparo de ninguém. Nem do governo federal, nem do estado”, acrescenta Silva sobre os
pequenos produtores.
Burocracia - Sobre empréstimos oferecidos pelo governo, Silva diz que a burocracia é grande e, quando eles são concedidos, o gado ou a safra já não resistiu. “Se você me perguntar se eu acredito que a reunião irá resolver algo, eu acredito que não. Mas precisamos fazer esses produtores exporem seus problemas”, desabafa.
A seca está atingindo agora seu grau máximo, porque as chuvas esperadas até
o fim deste mês ainda não vieram.
Na carta divulgada ontem chamando a sociedade para o encontro,
a Faeb questionou as promessas políticas: “Em 2012, quando a situação já era bastante
grave, foram anunciadas várias medidas emergenciais, com obras como
barragens subterrâneas, poços e implantação de reservas estratégicas de alimentos.
Em nome dos produtores do semiárido baiano, questionamos: onde estão esses poços?
Quantas barragens foram construídas? Quantas pessoas foram beneficiadas?
Onde estão essas obras emergenciais? O que está sendo feito de concreto?”.
Ainda não há estimativa dos prejuízos, mas Silva exemplifica que o gado antes
vendido por R$ 1.800 está saindo por R$ 600, um terço, portanto.
Governo - Segundo o secretário da Agricultura, Pecuária, Irrigação e Reforma
Agrária do estado (Seagri), Eduardo Salles, muito foi feito,
mas “nunca vai ser suficiente em função da dimensão da seca”.
Segun do ele, o governo estendeu de 6 mil pessoas atendidas pelo
seguro-safra, em 2006, para 220 mil pessoas atendidas no último ano.
O seguro é de R$ 1.520 e ofertado ao agricultor que perde toda a produção.
Salles também lembrou que o governo ganhou R$ 22 milhões para a construção de barragens subterrâneas. Agora, estariam na fase de comprar as retroescavadeiras para cada município construir a sua própria barragem. “Estamos com recursos para a doação de 40 mil ovinos
e caprinos. Só não fizemos essa doação ainda porque sabemos que, nas condições atuais,
os animais morreriam de fome”, comentou. O secretário prometeu estar presente na
reunião para discutir com os produtores. A Casa Civil do governo do estado, responsável
pelas ações emergenciais, não comentou o assunto.
Prejuízos - O produtor de leite José Rocha Pires Veloso, de Jacobina,
viu sua produção cair de mil litros por dia para 300 litros e não consegue
visualizar uma estratégia para sair dessa situação.
“Não acredito em nenhuma atitude efetiva. Só mesmo se vier a chuva. Só uns 10 anos para reavermos o que perdemos nessa seca. Acredito que já estamos em uma situação de
calamidade”, diz. Dos seus 12 funcionários, hoje só sobraram três.
No último balanço, publicado no dia 9 de março, o governo decretou Situação
de Emergência em 214 municípios por causa da seca. (Correio)
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