Podem chamá-la de “Beyoncé do funk” ou de “Naldo de saia” (desde que seja uma microssaia). Só não pronunciem em voz alta “Larissa Machado”, o nome que consta na certidão de nascimento de Anitta, a nova sensação das pistas.
— Se me chamarem de Larissa vou demorar para processar a informação. Perdi o costume de responder por este nome, um nome tão comum… — diz a cantora, de 20 anos.
Ela própria escolheu Anitta como nome artístico três anos atrás, quando foi descoberta pelo DJ Batutinha na internet: de farra, a moça havia postado um vídeo no qual usava um vidro de perfume como microfone. Sua primeira música, “Eu vou ficar”, já saiu assinada por Anitta. O codinome é inspirado na protagonista da minissérie “Presença de Anita”, de 2001, estrelada por Mel Lisboa.
— Gostava muito da Anita, uma personagem que era menina e mulher ao mesmo tempo. Ela conseguia ser sexy sem ser vulgar — define Anitta, que dobrou o “T” para “agregar uma pegada mais artística”.
No palco, a pegada é outra: sensualidade. Anitta é criadora, com muito orgulho, da “dança do quadradinho”, na qual rebola com as mãos no joelho e faz quatro paradinhas enquanto mexe o quadril, desenhando no ar o tal quadradinho, imaginário, claro. O passo já rendeu releituras de outras funkeiras, como o “quadradinho de oito” (melhor não explicar o contorcionismo que ele exige).
Mas Anitta garante que tenta ser, em suas palavras, “classuda”. Ou seja: rebola até o chão mas não usa palavras de baixo calão no repertório.
— Ela tem um perfil mais domesticado, não tem compromisso com a bandeira de liberdade sexual levantada por Tati Quebra-Barraco e Valesca Popozuda, por exemplo — compara a estudante Mariana Gomes, que defende a tese de mestrado “My pussy é poder — A representação feminina através do funk no Rio de Janeiro: Identidade, feminismo e indústria cultural”, na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Para o MC Sapão, a linha do funk-família, “quase fofo”, escolhida por Anitta é o segredo do sucesso.
— É um funk gostoso de ouvir, de dançar e de cantar, que abre portas. Hoje, no gênero feminino, ela é a top do funk — ele afirma.
Um dos autores do espetáculo “Funk Brasil — 40 anos de baile”, em cartaz no Teatro Carlos Gomes, João Bernardo Caldeira observa as influências da MPB e do rock no funk de Anitta, que, segundo ele, aproxima-se do trabalho de Buchecha, Latino e até Fernanda Abreu:
— Com a crise na indústria do disco e a pulverização dos lançamentos, surgem poucas estrelas da música. O funk e o showbiz precisam de um nome como Anitta, irreverente, provocativa e cheia de atitude.
Passemos à atitude:
— Nunca fui de escrachar. Tento passar para o meu eu artístico o que é o meu eu pessoal. Acredito que uma mulher não precisa ser linda e maravilhosa para chamar atenção. Pelo meu comportamento, as pessoas acabaram acreditando que eu sou sensual — discorre Anitta, no intervalo da sessão de fotos realizada no estúdio do GLOBO, no mês passado.
De lá para cá, aconteceu coisa à beça na vida da funkeira que nasceu em Honório Gurgel e mora há menos de um ano na Barra. O clipe da música “Show das poderosas” estreou no “Fantástico”, da TV Globo, e já coleciona mais de três milhões de acessos no YouTube. Diante do sucesso, o lançamento de seu primeiro CD, que seria apenas no segundo semestre, foi adiantado para julho pela Warner. E, reflexo do sucesso, a cantora virou notícia em sites de celebridades por ter sido vista com Neymar, seu fã confesso, trancada dentro do camarim de uma boate onde se apresentou em São Paulo — e sem a presença de Bruna Marquezine, a namorada do jogador.
Anitta deu uma resposta ao ti-ti-ti pelo Facebook: “O Neymar é meu AMIGO. Ele se amarra na minha e eu me amarro na dele…. e ponto final. Graças a Deus e a vocês o meu trabalho está crescendo muito e algumas pessoas se aproveitam disso. Se continuarem inventando um bofe diferente por semana para mim, seja anônimo ou famoso, não vai ter bofe querendo parar comigo… Daí eu vou morrer solteira e difamada!”.
Mas, por ora, Anitta prefere manter o status solteira na rede social:
— Todos os meus ex-namorados estão correndo atrás de mim, e eu faço questão de pisar bem forte em cima de cada um. Eles me ligam, dizem que me amam e ainda explicam que não é porque eu sou famosa, garantem que sempre me amaram. Eu finjo que acredito… Costumo dizer que estou casada com os meus fãs.
A cantora faz a linha “romântica prática”. Homem que abre a porta do carro? Nem pensar.
— Acho brega. E fico irritada. Parece que eu tenho 40 anos!
Entre flores e uma caixa de bombons, ela fica com os bombons.
— Se o cara me mandar flores, jogo no lixo. Bombom até gosto, mas engorda. Gosto mesmo é que me mande uma mensagem de texto ou poste uma foto legal no Instagram!
Católica, Anitta começou a cantar ainda pequena no altar da Igreja Santa Luzia, acompanhada do avô no violão:
— Desde muito novinha gostava de ouvir música, não só da igreja, mas do Roberto Carlos e da Xuxa. Também comecei a fazer aulas de dança de salão cedo, numa ONG em Honório Gurgel.
Ela estudou em colégio particular até que o pai, que era dono de uma loja de bateria para carros, faliu.
— Aos 11 anos, fui para uma escola pública e continuei fazendo cursos de inglês baratinhos, que minha mãe pagava com o dinheiro que ganhava fazendo bolsas de couro para lojas como Pontapé, Cantão e Enjoy — conta ela.
Aluna aplicada, Anitta terminou os estudos na escola federal Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) e, para conseguir o diploma de técnica em Administração, inscreveu-se no processo de estágio da multinacional Vale. Eram cinco mil candidatos e cinco vagas. Ela passou, aos 16 anos:
— Como eu não tinha dinheiro para comprar blusa de botão, calça social, bolsa e sapato, fui trabalhar como vendedora de loja e consegui R$ 800 para fazer meu enxoval de executiva.
A poucos dias de começar o estágio, Anitta botou o tal vídeo no YouTube. Durante o ano de 2010 inteiro, ela se dividiu entre os afazeres de estagiária na multinacional e os primeiros shows.
— Quando acabou o estágio, a empresa queria me efetivar. Cheguei a ir assinar o contrato, mas acabei desistindo porque eu queria muito ser cantora. Foi uma decisão difícil: ganhava R$ 600 no estágio, tinha vale-transporte, tíquete-refeição e ajudava nas despesas de casa. Não podia dar errado.
Hoje, o cachê de Anitta é R$ 60 mil — no caso do show completo, com 18 bailarinos no palco, troca de figurino, mudança de cenário. Os ares de superprodução começaram a fazer parte da rotina de Anitta ano passado, quando ela trocou a Furacão 2000, de Rômulo Costa, pelo escritório da empresária Kamilla Fialho. A transição dos contratos, porém, virou briga na Justiça — embalada por alguns barracos públicos. Em agosto, as duas partes entraram em acordo.
— Paguei R$ 260 mil de multa à Furacão 2000, e não me arrependo. Foi um dos melhores investimentos que fiz na vida — afirma Kamilla Fialho.
O primeiro trabalho de Anitta sob a batuta de Kamilla foi o clipe “Meiga e abusada”, que teve cenas gravadas no quarto de um hotel cinco estrelas em Las Vegas. Na fita, a cantora faz caras e bocas dentro de uma banheira de espuma com uma taça de champanhe na mão (“mas não bebi um gole de champanhe, só gosto de Ice”, ela explica). O último clipe, “Show das poderosas”, foi gravado em preto e branco, nas instalações de um teatro na Barra.
— Estamos cuidando muito da Anitta, que agora faz coaching para manter o pé no chão, terapia para cuidar do passado e tem personal stylist para fazer bonito em cena — conta Kamilla.
A rotina é incrementada por malhação diária para manter a boa forma exibida nos palcos, aulas de canto e de dança e visitas frequentes ao consultório de uma fonoaudióloga. As atividades são encaixadas nos poucos intervalos de sua apertada agenda: Anitta faz uma média de 30 apresentações por mês. O repertório dos shows é composto pelas únicas seis músicas de seu currículo — “Eu vou ficar”, “Proposta”, “Fica só olhando”, “Menina má”, “Meiga e abusada” e “Show das poderosas” — e sucessos de Jorge Ben, Kelly Key, Ivete Sangalo, Rihanna e, claro, Beyoncé. O hit “Show das poderosas” (“Prepara/ Que agora é a hora/ Do show das poderosas/ Que descem/ Rebolam /Afrontam as fogosas/ Só as que incomodam”), que é tocado até em festas de casamento, é uma composição própria:
— A letra da música foi inspirada em uma menina que ficava incomodada quando eu chegava nas festas. Quando eu dançava, então, ela me olhava de cara feia. Imagina como ela está agora?
O Globo
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