Daniel Silveira e Miriane Oliveira
redacao@correio24horas.com.br
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Quando os pais se separam, os filhos ficam com a mãe, certo? Nem sempre. Embora ainda em minoria, é cada vez maior o número de casos em que a criança vai morar com o pai, após o divórcio. Na Bahia, em dois anos, entre 2009 e 2011, o número de homens com a guarda dos filhos cresceu quase 60%. Passou de 257 casos para 407.
O cartunista Luís Augusto, cheio de dengo com o filho, Ben, que inspirou um novo personagem e um livro: ‘É a história de nosso encontro’
Ser (ainda) exceção à regra não é fácil. Filha mais velha do empresário Edvaldo Monteiro da Silva, 47, Erica, 18, se emociona ao contar que a decisão mais difícil que tomou na vida foi escolher ficar com ele, logo após a separação dos pais, quando tinha 14 anos. Beatriz, sua irmã, na época com 12 anos, fez a mesma escolha. “No início foi complicado para todos nós, porque elas ficaram muito abaladas com a separação”, diz Edvaldo. Segundo ele, só depois que as duas compreenderam que o divórcio era definitivo, as coisas começaram a melhorar.
Após muitas conversas com os pais, as meninas fizeram a escolha. A guarda foi concedida ao pai, em juízo. Ao contrário do que acontece em muitos casos, Edvaldo não estipulou dias específicos para as visitas da mãe, deixando as meninas com liberdade para vê-la quando quisessem. Érica e Beatriz nunca se arrependeram da decisão. “Às vezes desanda, mas, como toda família, a gente se acerta depois de uma conversa e fica tudo bem”, diz. “Amor aqui é o que não falta”.
Um dos desenhos do livro de Luís Augusto, mostrando cena do cotidiano com o filho, Ben
Novos papéis
Para o advogado de família Igor Holanda Tinôco, a redução do número de mulheres que se dedicam exclusivamente ao lar contribuiu para o aumento dos pedidos de guarda pelos pais. “Há quatro ou cinco décadas, era muito difícil encontrar uma mulher economicamente independente e inserida no mercado de trabalho, o que hoje é o mais comum”, diz.
Os cuidados com as crianças, muitas vezes, provocam mudanças na relação dos homens com o trabalho. Edvaldo conta que, antes da separação, estava sempre muito ocupado com os negócios. Quando passou a cuidar sozinho das filhas, precisou ajustar seus horários para estar mais perto delas. Faz questão, por exemplo, de levá-las e ir buscá-las em festas. Cerca de um ano após a separação, começou a namorar. O romance não foi muito bem visto pelas filhas.
Hoje, quase quatro anos depois, as meninas têm uma relação tranquila com a namorada do pai. Ele frisa que sempre prezou pela discrição. “Nunca dormi fora de casa e decidi não casar novamente, enquanto elas estiverem morando comigo”.
Sem preconceito
Para começar a formar uma família, nem sempre são necessárias duas pessoas. Desde que se deu conta de sua homossexualidade, o cartunista Luís Augusto, 42, soube que a adoção seria a maneira pela qual se tornaria pai. Jamais pensou em recorrer a uma barriga de aluguel, como os personagens Niko (Thiago Fragoso) e Eron (Marcelo Antony).
“Nunca tive a vaidade de colocar uma cópia genética de mim no mundo”, diz Augusto. Quando foi buscar seu filho, o menino tinha apenas dois meses de idade. Ganhou o nome de Ben, que significa “filho” em hebraico. “Toda vez que chamarem por ele, quero que lembre que tem um pai que o ama muito”.
Luís conta que, desde que se tornou pai, passou a se preocupar mais com as despesas, pensando no futuro do filho, e com a saúde. “Quando a gente é pai tem a sensação que perdeu o direito de morrer”, diz, emocionado.
Luís relata ainda que, durante o processo de adoção, nunca foi questionado sobre sua opção sexual, seja pela assistente social, a psicóloga ou o juiz. “Não importa a sexualidade do adotante, o que importa é se vai haver amor no lar que receberá a criança”, afirma Walter Ribeiro, juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude de Salvador.
Ser pai é... Ben inspirou um novo personagem do cartunista, que escreveu um livro com o nome dele. “Ser pai é ter a oportunidade de construir a melhor amizade que pode existir”, diz, orgulhoso.
Casais homoafetivos, muitas vezes, preferem declarar-se solteiros, durante o processo de habilitação para a adoção, como forma de fugir do preconceito. Não foi essa a intenção do administrador hospitalar Marcos Gonçalves, 48, e de seu ex-companheiro. Mesmo assim, apenas um deles entrou com o pedido de adoção de Sofia, hoje com 7 anos.
Marcos já tinha um filho, de um casamento anterior, com uma mulher. O menino hoje tem 15 anos. A menina chegou à vida dele e do ex-parceiro com apenas dois dias de nascida. Com o fim do relacionamento, o “dindo”, como é chamado pela criança, passou a ser pai em tempo integral. “Não abro mão de fazer a vitamina dela de manhã, que toma ainda quase dormindo”, conta sorrindo. “Ela é igualzinha a mim, questionadora, gosta de saber das coisas...”.
Rede familiar
As rotinas de Luís, Edvaldo e Marcos com seus filhos são como as das famílias tradicionais. Todos eles contam com ajuda, principalmente dos parentes, para cuidar das crianças. Luís, por exemplo, só planeja saídas para diversão quando sabe que terá a ajuda dos avós ou do outro pai de Ben para tomar conta do garoto enquanto estiver fora.
Edvaldo lembra que precisou recorrer a sua própria mãe e às irmãs quando suas meninas vieram com questões ligadas a sexo. “Eu sou meio tímido para falar dessas coisas. Como minha família toda mora aqui no bairro, todo mundo conversa com elas”.
Em 2011, 151 homens, em Salvador, ficaram com a guarda dos filhos
Embora faça parte de um grupo crescente de homens que ficam com a guarda dos filhos, o empresário Edvaldo Monteiro da Silva é uma exceção. O último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito em 2011, mostra que, naquele ano, foram decididos, no Brasil, 148.367 casos de guarda dos filhos. Apenas 7.913 maridos obtiveram o direito de ficar com os rebentos. A concessão às mulheres somou 130.032.
Na Bahia, o total de guardas concedidas foi de 8.555. Dessas, 407 para homens. Só em Salvador, 151 ex-maridos obtiveram o direito de ficar com os filhos, de um total de 2.826 decisões.
O cartunista Luís Augusto também entra nas estatísticas como uma raridade. De acordo com dados da 1ª Vara da Infância e da Juventude de Salvador, entre 2009 e maio de 2013, 190 pessoas foram consideradas habilitadas para adoção, na capital baiana. Dessas, apenas nove eram homens solteiros. Eles representam cerca de um quinto do total de mulheres sozinhas consideradas prontas para adotar uma criança: 46.
Luís Augusto espera que sua experiência sirva para estimular outros homens solteiros a adotar. E a fazer do Dia dos Pais uma data ainda mais especial. Tanto que planeja lançar um livro com o personagem inspirado em seu filho, Ben. “É a história da gente, de nossa família, de nosso encontro”.
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