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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

JAGUNÇO NA MOITA

Rangel Alves da Costa*


Jagunço, o astuto matador dos sertões, não saía por aí para eliminar qualquer um e em qualquer lugar. Nesse aspecto se diferenciava muito do pistoleiro de mando ou do assassino de aluguel. Enquanto este podia dar cabo do desafeto do mandante assim que o encontrasse, com aquele era diferente. Havia toda uma estratégia de jagunçagem.
Enquanto o pistoleiro acabava com a vida do cabra defronte à sua porta, pelas ruas, bodegas ou em qualquer lugar que fosse possível atirar, o jagunço de verdade obedecia a um verdadeiro ritual. E o ritual da jagunçagem, ainda que resumido a poucos procedimentos, tornava-se muito mais planejado que qualquer outro que tencionasse covardemente matar.
O jagunço tinha de saber o dia certo, o lugar certo e a hora certa de apertar o gatilho. Mas nada modificava se a futura vítima não aparecesse no dia ou momento esperado. Não havia qualquer problema porque ele ali permanecia até levar a efeito seu plano de morte. Noutra hora ou noutro dia, assim que despontasse adiante estaria sob a mira de seu cano faminto por sangue.
Chegar mansamente pelos fundos da mataria, furtivo feito bicho do mato, se acocorando a todo passo ou se arrastando por cima de pedras e espinhos, tudo isso fazia parte do planejado. Do mesmo modo o posicionamento correto à espera de sua presa e o mirar em local que não desse chance de sobrevivência ao escolhido para a defuntez. Contudo, o que mais afligia o jagunço era encontrar-se consigo mesmo naquele tufo de mato escolhido.
Dizia-se homem de sorte quando chegava ao local da tocaia e em pouco tempo já dava o problema por resolvido, pois logo o cabra já estirado no chão à espera dos urubus. Mas tudo mudava quando o tempo começava a se alongar mais que o planejado. Eis que o jagunço começava a ter consciência de si mesmo, de raciocinar sobre sua ação, de dialogar algumas verdades que preferia jamais viessem à mente.
O jagunço, mesmo simbolizando a covardia, a insensatez e a frieza mais abjeta, se via num verdadeiro dilema naqueles instantes que antecediam o apertar o gatilho. Precisava não pensar em nada, não ter tempo de refletir, apenas agir. Por isso que quanto mais rapidamente desse conta do seu intento melhor, eis que sem tempo de mirar-se perante o espelho da consciência e indagar acerca daquela ação tão covarde e desumana.
Por mais que tentasse fugir dos labirintos do pensamento, procurasse evitar fazer questionamentos próprios, impossível não começar o martírio sem estar logo mirando a vítima passando adiante, pela vereda da morte. Era humano mesmo não querendo ser, se indagava mesmo querendo calar por dentro, e sofria exatamente porque também se reconhecia como um verme, uma pessoa cujo ofício na vida era exatamente matar outros seres humanos. E de forma cega, ardilosa, covarde, simplesmente porque assim seu patrão desejou.
Quanto mais o tempo passava mais surgiam as indagações, mais os questionamentos atormentavam: Estava agindo corretamente daquela maneira, esperando apenas o instante de tirar a vida de alguém que não era seu inimigo, não lhe tinha feito mal algum, não sabia verdadeiramente quem era e se tinha filhos e esposa para sustentar? Valia a pena viver sob as ordens de um patrão cujo poder era mantido e aumentado a custa da vida até de inocentes, de pessoas tornadas inimigas apenas porque não queriam se ajoelhar perante o poder e o mando?
E as questões mais contundentes: Vale a pena matar por tão pouco, uma ninharia, um quase nada? Por que esperar aqui tanto tempo apenas para ter o prazer de ver uma pessoa caindo e sangrando feito uma coisa ruim que não merece viver? Por que tirar assim, desfazer assim, uma vida que talvez venha fazendo planos de grandes realizações? Por que matar, e simplesmente matar?
Mas os pensamentos eram repentinamente cortados pelo som ouvido adiante ou a visão de um vulto se aproximando. É a pessoa esperada, só pode ser. Eis o cavalo, o chapéu na cabeça do sujeito, a sua passagem certeira por aquele lugar. Haverá mais tempo para pensar e voltar atrás no intento, ou agora já é tarde demais e apertar o gatilho será a consequência lógica desse percurso atroz?
De repente e um tiro. Apenas um. E um corpo estirado. Mas não na estrada, e sim dentro do mato, no meio da moita. A mão da consciência em redemoinho fez com que o jagunço virasse a arma para o próprio peito. E atirasse para fazer mais uma vítima. A de si próprio, como o do mais perverso dos destinos.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém...
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