A menos de um ano da eleição que escolherá presidente, governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais, parlamentares e juristas se dividem quanto à aplicação da lei da minirreforma eleitoral, sancionada no último dia 12 pela presidente Dilma Roussef
O chamado princípio da anualidade, previsto na Constituição Federal, prevê que uma lei que altere o processo eleitoral não pode ser aplicada em uma eleição no período de um ano após entrar em vigência. Como a legislação começou a vigorar neste mês, não poderia, em tese, produzir efeitos na eleição de 2014 – somente na de 2016.
Mas deputados e senadores aprovaram a lei sob o argumento de que as alterações previstas na minirreforma – cujo principal objetivo é reduzir os gastos de campanha – não alteram pontos como o funcionamento das eleições, o modelo de financiamento de campanha ou a forma de votar e, portanto, não estariam sujeitas à regra da anualidade.
Juristas ouvidos pelo G1, porém, defendem que, mesmo sem mudanças significativas, a regra só deve valer a partir das eleições municipais de 2016.
O deputado Danilo Forte (PMDB-CE) afirmou que, no começo do próximo ano, partidos deverão formalizar uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para obter uma definição sobre a aplicabilidade das novas regras já na eleição de 2014.
O projeto da minirreforma eleitoral foi proposto em agosto pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado. Na ocasião, um grupo de trabalho na Câmara já discutia uma reforma política mais ampla.
No Senado, a intenção era que o texto de Jucá tratasse de pontos menos polêmicos e pudesse ser aprovado até 5 de outubro, para assegurar a validade da matéria nas próximas eleições. Apesar de o Congresso ter concluído a votação da matéria em novembro e a sanção ter ocorrido em dezembro, parlamentares afirmam acreditar na validade em 2014.
“A reforma vale para 2014 porque, na proposta original, existiam algumas mudanças de data que necessitavam ter o princípio da anualidade. Acontece que, na Câmara, isso foi retirado exatamente porque foi votado depois de um ano. Então, deixamos só regras normativas de despesas, cláusulas que não criam incongruência com o princípio da anualidade, exatamente para que pudesse valer este ano que vem”, disse Jucá.
O texto busca garantir a redução de gastos das campanhas eleitorais com medidas como a limitação do número de cabos eleitorais. Também ficam restritos a 10% da receita da campanha os gastos dos partidos com alimentação e, com combustível, a 20%. Fica proibido o “envelopamento de carros” com adesivos. O Congresso também aprovou proibir o uso de bonecos, pinturas em muro, placas, faixas, cartazes e bandeiras em bens particulares, mas a presidente Dilma Russeff vetou esse trecho.
Vice-líder do PMDB na Câmara e membro do grupo que discutiu a reforma política, o deputado Danilo Forte (PMDB-CE) disse que os partidos deverão se articular no início do próximo ano para questionar junto ao TSE se as novas regras valerão para 2014.
“Essas medidas da minirreforma que visam reduzir gastos não têm impacto de mudança com relação à norma mais rígida que interfira no processo eleitoral. Até porque todo ano o TSE tem o costume de normatizar condutas no processo eleitoral. Com certeza, vão ser feitas as consultas, as mais variadas possíveis, para saber se vale. O TSE não pode ignorar o que foi aprovado pelo Congresso”, disse Forte.
O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), outro membro do grupo de trabalho que discutiu a reforma política na Câmara, também acredita que as novas regras são válidas para 2014.
“Essa minirreforma, do jeito que está, altera pouca coisa. São pequenos ajustes na reforma eleitoral, que aperfeiçoam. Acho que pode valer para 2014, sim”, declarou o parlamentar.
Na semana em que o texto foi aprovado no Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o autor da proposta, Romero Jucá, se reuniram com a então presidente do TSE, Cármen Lúcia para tratar do assunto.
Calheiros defendeu a validade já para 2014. “Como trata de propaganda eleitoral, a expectativa nossa é que tenhamos a sua implantação já na próxima eleição. Isso significa reduzir despesa e, como todos sabem, a eleição no Brasil é das mais caras do mundo”, disse o senador na ocasião.
Juristas discordam
Para o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, “não existe a possibilidade” de as novas regras valerem no ano que vem.
Para o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, “não existe a possibilidade” de as novas regras valerem no ano que vem.
“Acima da lei da minirreforma está a Constituição, que é categórica ao afirmar que a lei que altera o processamento das eleições entra em vigor imediatamente mas não se aplica na eleição que ocorra até um ano após. [Querer aplicar em 2014] é uma visão simplesmente política, não é visão jurídica”, disse.
O ex-ministro do TSE, José Eduardo Alckmin defende que a nova lei só pode ser aplicada nas eleições de 2016, mas acredita que o tema ainda pode gerar divergências no Judiciário.
“Esse assunto é um pouco polêmico. Eu acho que toda alteração deve ser feita até um ano antes da eleição. Mas no passado essa regra sofreu interpretações diferentes pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”, afirmou.
Em 2006, o STF considerou que valia para as eleições daquele ano a minirreforma eleitoral sancionada por lei meses antes. A lei proibia, por exemplo, a distribuição de brindes por candidatos e a realização de showmícios. Já em 2011, o Supremo decidiu que não deveria ter aplicada nas eleições do ano anterior a Lei da Ficha Limpa, que barra a candidatura de políticos condenados por decisões de colegiados e que entrou em vigor em junho de 2010.
Para Marco Aurélio Mello, é “inquestionável” que o Congresso deveria ter agido com antecedência ao votar a minirreforma.
“Se queremos realmente corrigir rumos, vamos atuar com antecedência. Por que o Congresso apenas deliberou a minirreforma agora? Eles sabiam que, fazendo com menos de um ano das eleições, ela não seria aplicada. Não há no contexto esta possibilidade. Tiveram tempo suficiente para deliberar a respeito”, disse o presidente do TSE.
O advogado especialista em direito eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral do TSE Flávio Brito acredita que aplicar a lei no próximo ano é um “absurdo”.
“Quando falamos da constitucionalidade sobre essa minirreforma, vemos que o posicionamento dos que defendem aplicação imediata se encontra equivocado, porque a Constituição prevê o princípio da anualidade. Aplicar legislação neste momento é um absurdo”, disse.
Para alguns parlamentares, porém, a aplicação da regra em 2014 poderá gerar insegurança jurídica ao pleito. O senador Pedro Taques (PDT-MT), autor de uma das emendas que limitava a contratação de cabos eleitorais, disse que os candidatos que se sentirem prejudicados pela nova lei poderão levar a questão à Justiça.
“Penso que terá muita insegurança jurídica caso essas mudanças sejam aplicadas já no próximo pleito”, disse Taques.
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