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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

CRÔNICA: O SUICÍDIO DO PERU DE NATAL


Rangel Alves da Costa*


Os jornais estamparam nas manchetes: “Na antevéspera do natal, e o suicídio do peru”; “Fez o último gluglu e tirou a própria vida”; “Peru de Natal antecipa seu fim de forma trágica”. Fiquei estupefato com a notícia. Mas como os relatos eram contraditórios, logo procurei investigar o fato por conta própria.
A primeira coisa que fiquei sabendo foi que não havia sido aberto qualquer inquérito acerca do trágico incidente. A delegacia responsável adiou o início das investigações e, segundo apurei, tudo porque nessa época do ano ocorrem muitos casos similares, e numa sequência de fatos que o jargão policialesco denomina Síndrome do Peru Desgostoso.
Também fiquei sabendo que os registros acabam sendo arquivados, principalmente quando constatado que não houve auxílio de terceiro na ocorrência do sinistro. E também porque suicídio não é crime, e muito mais quando cometido por peru desgostoso pela iminência de seu fim através de outras mãos.
Segundo apurei, os registros de perus que tiram a própria vida às vésperas do natal são em números alarmantes. Fiquei sabendo de um que deixou riscado no chão uma mensagem bem explícita nesse sentido: Prefiro morrer de véspera, de forma desatinada e pelas próprias mãos, a ser servido de pernas abertas numa bandeja a pessoas que parecem nunca terem visto comida à sua frente.
Já outro grugulejou a noite inteira até a primeira luz do alvorecer do dia que seria abatido. E o seu canto, depois decifrado por um velho da região, era um longo e doloroso lamento dizendo que as pessoas só se lembram da existência do peru, só lhe dão alimento e comida, cuidam de sua engorda, quando desejam se fartar de sua carne. E cuidam e mimam, alisam o pelo e sentem o peso, para depois, traiçoeiramente, passar a lâmina afiada no seu pescoço.
E os relatos não são muito diferentes com relação a este peru que mais recentemente tomou a drástica e extrema decisão de cometer suicídio. Só que este, de modo frio e estrategicamente concebido, fez todo um planejamento para praticar o infortúnio. Parece mesmo que tinha plena consciência da ação e da trágica consequência, mas ainda assim tudo fez para não dar nada errado.
Era um peru normal, grande, vistoso, e até gorducho. Sempre alegre, ciscava de canto a outro sem parar e, diferentemente dos demais, seu gluglu era compassado e com som melódico. Desse modo, logo se vê que não se tratava de ave com qualquer problema neurológico ou distúrbio psicológico. Mas se manteve assim só até a primeira metade de dezembro. E após o dia vinte em diante já estava completamente diferente.
E irreconhecível, porém apenas intimamente, vez que ninguém percebia o verdadeiro turbilhão que se escondia nas suas entranhas. Quanto mais percebia os preparativos do natal, os comentários sobre as festanças e comilanças, mais se mortificava por dentro. Parou de fazer gluglu, de ciscar, e daí em diante começou a planejar como fugir daquele infortúnio que certamente se abateria sobre seu pescoço.
Então resolveu se matar. Tiraria a própria vida, mas não daria o gosto de ter alguém segurando o seu pescoço com faca faminta por sangue. E também sabia dos procedimentos desumanos utilizados quando antecedia a morte de qualquer ave natalina. Com a desculpa de amaciamento da carne, ao invés de água colocavam aguardente ou outra bebida destilada para que bebesse. Ou mesmo abriam o bico e empurravam doses e mais doses goela adentro.
Quando viu uma garrafa de vodka sendo colocada mais adiante, então fechou os olhos e chorou por dentro. Fez o gluglu mais triste que poderia existir e se fingiu de adormecido. Mas sabia que a bebida só lhe seria oferecida na manhã do dia seguinte, horas antes de ser mortalmente ferida. Então esperou anoitecer e se esforçou o máximo para fazer a garrafa cair dentro de uma lata.
A garrafa quebrou e a vodka permaneceu no fundo da vasilha. E depois o peru fez a festa de despedida. Sorveu a bebida toda em menos de meia hora. E já estava completamente embriagado quando escolheu o pedaço mais pontiagudo de vidro para engolir. Instantes depois e já podia ser avistado desfalecido, sufocado, ferido, com a garganta tomada pelo vidro.
Ao amanhecer já estava completamente roxo, imprestável para a suculência da mesa. Mas um prato cheio para o jornalismo sensacionalista. E foi assim que eu soube da desdita do peru de natal. História triste, porém verdadeira como a do Papai Noel.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

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Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém...
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