“Fiquei em uma situação publicada. Muita gente me falou que seria perigoso para mim quando eu publicasse essa história. Foi melhor voltar para a Dinamarca.” É assim, sem consistência ou provas materiais, que o jornalista dinamarquês Mikkel Keldorf Jensen explicou sua decisão de desistir de acompanhar a Copa do Mundo em território brasileiro. O post em que relata sua decepção com a corrupção e as mazelas sociais provocadas pelas obras da Copa se transformou em uma febre nas redes sociais. Na história mais forte contada por Jensen, o jornalista diz ter ficado sabendo que crianças de rua estavam sendo exterminadas em Fortaleza para que a cidade ficasse mais limpa para os estrangeiros que a visitarão durante o Mundial.
O dinamarquês diz não ter provas da forte acusação e, defendo-se da crítica mais comum que tem recebido, a de ter fugido da investigação de uma história impactante, diz que não tinha estrutura suficiente para trabalhar no caso. “Só tenho os testemunhos de pessoas que trabalham com as crianças. Mas é difícil ter uma prova de tudo isso. É muito perigoso fazer trabalhos sobre esses grupos de extermínio. Não dava para fazer uma investigação sobre isso. Eu estava sozinho no Brasil, não tinha proteção”, disse, por telefone, à Folha de S.Paulo. Jensen não possui vínculo empregatício com nenhuma empresa na Dinamarca e veio ao país no ano passado para produzir um documentário em vídeo sobre a relação entre a população brasileira e a Copa do Mundo.
Foto postada por jornalista dinamarquês (Foto: Reprodução)
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A ideia original era acompanhar a competição por aqui e, só depois do Mundial, retornar para a Europa. Planos que foram mudados depois da história que diz ter ouvido no Ceará. “Fiquei um pouco chocado quando descobri que essas coisas ruins estão acontecendo por causa da Copa e decidi mudar meu documentário. Vou lançá-lo antes da Copa e já estou negociando com televisões aqui da Dinamarca.” O jornalista conta que a decisão de não voltar ao Brasil foi influenciada por uma entrevista que fez com o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), onde ouviu sobre as ameaças de morte que o político diz ter recebido de milícias do Rio de Janeiro.
O dinamarquês nega ainda ter ligação com qualquer partido político ou movimento social. “Para falar a verdade, não sou muito de política. Muitos turistas virão ao Brasil só para ficar uma semana e verão um Brasil muito diferente do meu. Mas é importante mostrar o outro lado: o Brasil tem dois mundos bem diferentes.”
Abaixo, a íntegra do texto publicado por Mikkel Keldorf Jensen no Facebook:
“A Copa - uma grande ilusão preparada para os gringos Quase dois anos e meio atrás eu estava sonhando em cobrir a Copa do Mundo no Brasil. O melhor esporte do mundo em um país maravilhoso. Eu fiz um plano e fui estudar no Brasil, aprendi português e estava preparado para voltar. Voltei em setembro de 2013. O sonho seria cumprido. Mas hoje, dois meses antes da festa da Copa, eu decidi que não vou continuar aqui. O sonho se transformou em um pesadelo. Durante cinco meses fiquei documentando as consequências da Copa. Existem várias: remoções, Forças Armadas e PMs nas comunidades, corrupção, projetos sociais fechando. Eu descobri que todos os projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu - um gringo - e também uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar. Em março, eu estive em Fortaleza para conhecer a cidade mais violenta a receber um jogo de Copa do Mundo até hoje. Falei com algumas pessoas que me colocaram em contato com crianças da rua, e fiquei sabendo que algumas estão desaparecidas.
Muitas vezes, são mortas quando estão dormindo à noite em área com muitos turistas. Por quê? Para deixar a cidade limpa para os gringos e a imprensa internacional? Por causa de mim? Em Fortaleza eu encontrei com Allison, 13 anos, que vive nas ruas da cidade. Um cara com uma vida muito difícil. Ele não tinha nada - só um pacote de amendoins. Quando nos encontramos ele me ofereceu tudo o que tinha, ou seja, os amendoins. Esse cara, que não tem nada, ofereceu a única coisa de valor que tinha para um gringo que carregava equipamentos de filmagem no valor de R$ 10.000 e um Master Card no bolso. Inacreditável. Mas a vida dele está em perigo por causa de pessoas como eu. Ele corre o risco de se tornar a próxima vítima da limpeza que acontece na cidade de Fortaleza.
Eu não posso cobrir esse evento depois de saber que o preço da Copa não só é o mais alto da história em reais - também é um preço que eu estou convencido incluindo vidas das crianças. Hoje, vou voltar para Dinamarca e não voltarei para o Brasil. Minha presença só está contribuindo para um desagradável show do Brasil. Um show, que eu dois anos e meio atrás estava sonhando em participar, mas hoje eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para criticar e focar no preço real da Copa do Mundo do Brasil. Alguém quer dois ingressos para França x Equador no dia 25 de junho? Mikkel Jensen - Jornalista independente da Dinamarca”
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