Rangel Alves da Costa*
Causa-me verdadeiro asco ao ver articulistas e pseudo-intelectuais expondo suas opiniões pelos jornais e sites. E quase todos, revestindo-se de paladinos de uma moralidade cívica que certamente não possuem, criticando as vaias e xingamentos proferidos pelos torcedores presentes ao estádio Itaquerão na abertura da Copa do Mundo. A vaiada e xingada não poderia ser outra: a arrogante e dissimulada presidente Dilma.
“Dilma, vá tomar no c...”. E repetiam: “Dilma, vá tomar no c...”. E tudo gritado a plenos pulmões, quase como ardoroso dever patriótico, aproveitando aquela oportunidade única de dizer que mesmo escondida e cercada por seguranças numa tribuna de honra, a presidente não estava suficientemente protegida da voz do povo na sua mais pura e real indignação.
E bastou que o povo bradasse seu direito de expressão, que a multidão soltasse seu grito de revolta, para que os sabichões da república passassem a utilizar a mídia para falar na falta de brasilidade do povo, na sua falta de educação e na sua arrogância. É como se quisessem afirmar que em nome da educação (negligenciada pela governante) ao menos naquele momento os brasileiros deveriam respeitar a presença da presidente.
A maioria dizendo que somente de um povo inculto e deseducado poderia se esperar tamanha aberração. Alguns afirmavam acerca de uma nação com povo incivilizado; outros diziam de um bando de baderneiros que não respeitam sequer sua governante maior; e ainda outros, parecendo saídos das cozinhas palacianas, diziam das injustiças praticadas contra uma governante democraticamente eleita.
Ora, a intelectualidade pode achar o que quiser, escrever o que bem entender, puxar a sardinha pro prato que desejar, mas não pode, sob qualquer argumento, afirmar que o povo agiu errado ao expressar daquela maneira sua ira, sua revolta, sua indignação. Sim, como a presidente foi eleita democraticamente pelo povo, que naquela oportunidade a escolheu achando que o seu voto seria respeitado, igualmente é democrática a manifestação popular contra a escolhida que se perdeu totalmente nos caminhos da governança.
Será que o povo gritou, vaiou, xingou, simplesmente porque deu vontade de agir assim naquele momento? Será que a presidente nada fez que merecesse ser hostilizada daquele modo? Será que o povo, sem ter alguém para voltar suas iras, simplesmente escolhe a mandatária maior da nação, ou esta faz por merecer tais atitudes? Será que o grito de revolta e de contestação é um ato de avanço civilizatório ou uma atitude bárbara de um povo ainda na idade da pedra lascada, submetido às mentiras palacianas?
Uma coisa é certa, a hostilidade perpetrada pela massa não foi gratuita nem infundada. Pelo contrário, justificada e racional. Eis que ninguém mais suporta a arrogância da presidente e sua falta de pulso para tomar decisões que sirvam mais à nação que ao seu grupelho político. A economia brasileira caindo aos pedaços e o povo tendo de suportar as mesmas desculpas e sempre no sentido de que no próximo semestre tudo vai melhorar. Até quando? A inflação sentida a cada nova compra e o governo afirmando que tudo está sob controle.
Nada contrário aos investimentos feitos para a Copa do Mundo. Mas não é comprando uma camisa nova que o resto do corpo tenha de ficar nu. Bilhões foram e estão sendo gastos e não se observa nenhuma melhoria na educação, na saúde, na vida do povo. Povo em geral, que se diga, e não apenas de uma parcela da população que, mantida analfabeta para a submissão, aplaude fervorosamente as esmolas governamentais que lhe são oferecidas. E esta certamente não xinga ou vaia a mãe de todas as vergonhosas esmolas.
Ademais, a presidente Dilma deve lançar as mãos para o alto e agradecer porque o povo ainda está muito pacífico diante de sua negligência e incoerência enquanto governante. Apupos, palavras de ordem, desfeitas, não são quase nada diante dos absurdos rotineiramente cometidos. Se o brasileiro fosse um povo de sangue quente, assim como nossos vizinhos de sangue europeu, jamais se contentaria em apenas vaiar e xingar. Medidas drásticas já teriam sido tomadas e arrogantes poderes tombados rampa abaixo.
Por isso mesmo, um “Dilma, vá tomar no c...”, não significa nada diante do estupro social que o povo brasileiro vem tendo de suportar - mas não mais calado - no seu dia a dia. Mas como dizem que depois da palavra vem a ação, aí sim haverá que se temer. Ninguém sabe o que um povo aviltado, desrespeitado e humilhado é capaz de fazer.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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