Rangel Alves da Costa*
Ora, que não se imagine qualquer tipo de brincadeira maldosa com o craque Neymar, covardemente acometido de violência futebolística que o afastou da Copa do Mundo. A entrada brutal de Zuñiga foi mesmo de esquarteja touro, e tão desmedida foi que as consequências são dramáticas, principalmente para o torcedor brasileiro.
Mas talvez por mera coincidência, no mesmo instante que o jogador colombiano desferia a pancada em Neymar, lá pelas distâncias do mundo, nas brenhas mais escondidas do sertão nordestino, um jegue também desferia um violento coice em Miguelim, um zé-ninguém na terra dos desvalidos.
Logo após o fato acontecido com Neymar, as manchetes cuidaram de afirmar que o craque estava fora da copa por ter sofrido uma grave lesão na terceira vértebra lombar da coluna. E ainda outras diziam que o atleta teve uma lesão benigna no processo transversal da terceira vértebra. Com Miguelim não foi diferente, só que ao invés de uma joelhada, o que recebeu foi um coice, e de um jegue.
Neymar foi prontamente atendido pelo departamento médico da seleção. Do gramado saiu de maca para uma ambulância, que rapidamente seguiu para um hospital devidamente preparado para atender qualquer situação de maior gravidade que acometesse os atletas.
A ambulância que o levou até o hospital estava equipada com o que de mais moderno há na medicina de atendimento emergencial, com computadores, máquinas para respiração e controle dos batimentos cardíacos; enfim, uma tecnologia de pronto socorro de primeiro mundo. Do mesmo modo no setor hospitalar de atendimento, onde a tomografia computadorizada para verificação da lesão foi realizada em poucos instantes.
Além desse acolhimento rápido, eficiente, verdadeiramente no padrão FIFA, havia uma equipe médica especializada que logo chegou ao preciso diagnóstico. Desse modo, pouco depois do acontecido e o craque brasileiro já havia sido diagnosticado com lesão numa das vértebras da coluna, cuidadosamente medicado e iniciando os primeiros procedimentos de recuperação.
Por sua vez, após receber o coice e ficar estatelado no chão por uns dois minutos, sem fôlego para respirar e sem forças para gritar, Miguelim teve sua sorte jogada no relincho dado pelo próprio jegue agressor. Ouvindo o relincho, a esposa pressentiu o pior e correu naquela direção.
Após ser abanado pela mulher, o raquítico buscou forças para levantar, mas não conseguiu. Disse que estava com o espinhaço sem aguentar e que talvez a violência do animal lhe tivesse tirado algum osso do lugar. O jeito que teve foi ser colocado numa rede velha de dormir e carregado por dois amigos até o posto de saúde, numa distância de cerca de três quilômetros.
Com o sangue esfriado, agora a dor se mostrava insuportável em Miguelim. Mesmo sofrendo, o cabra rangia os dentes para não gritar. Choro nem pensar, ainda que qualquer outro lacrimejasse uma poça inteira. Assim chegou ao posto médico para não ser atendido.
E não foi atendido porque não havia médico nem enfermeiro. A atendente afirmou que nem cama havia para ele ficar melhor acomodado esperando ajuda. Também não tinha remédio ou comprimido de dor. E logo avisou que podia ficar ali esperando quanto tempo quisesse, mas tinha certeza que nem médico apareceria nem havia nada que desse jeito por ali.
Neymar, cercado por médicos, tendo à disposição atendimento de primeira qualidade, não demorou muito e arrumou as malas para ir se tratar em sua mansão no Guarujá. Uma aeronave foi especialmente fretada para conduzi-lo ao lar. E quanto a Miguelim...
Miguelim continua sofrendo de não acabar mais. Agora está entrevado em casa, em cima de uma cama dura, recebendo apenas um remédio preparado por sua esposa, à base de mastruço pisado com leite. Ainda sente como se seu espinhaço tivesse sido esbagaçado pelo coice do jegue. Mas fazer o que, se é pobre e não pode contar com médico, medicamento, absolutamente nada.
A essa hora Neymar está sendo paparicado por médicos, medicado, recebendo comidinha na boca. E também por essa hora Miguelim geme feito um condenado na sua cama de vara dura. Sua mulher lhe preparou uma papa d’água, mas nem isso o cabra aguenta engolir sem sentir dor.
Mas eis a vida. Nenhuma crítica ao poder e à riqueza de Neymar. Mas toda crítica do mundo ao que se faz com pessoas pobres iguais a Miguelim. Na desvalia do mundo, no abandono total: sem hospital, sem médico, sem medicação, sem nada que lhe resguarde a saúde e a vida. Triste que seja assim, mas é Brasil.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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