Em um dia comum de trabalho, o escocês Mel Young foi parado pelo motorista ao entrar no ônibus. "Ei, você lembra de mim?", disse o homem. Mel conta que se esforçou pra recordar do rosto do homem, em vão. "Eu fui um sem-teto e joguei bola com você. Hoje minha vida mudou. Eu tenho um trabalho e vou me casar", disse o motorista. Mel conta que ficou tão entusiasmado com a história que o papo gerou um pequeno congestionamento na rua - e protestos dos passageiros. "Esses simples momentos fazem tudo valer a pena. É por isso que eu trabalho", contou.
O escocês de 61 anos é um dos fundadores da Copa do Mundo dos Sem-Teto, entidade que promove jogos de futebol para pessoas sem moradia há 11 anos. A próxima competição ocorre a partir deste domingo (19) em Santiago, no Chile, e envolve 63 times de 49 países - masculino e feminino. Ao contrário da última Copa do Mundo da Fifa, nessa o Brasil é campeão. "Vocês podem jogar com a Alemanha e ganhar, pode ser uma vingança", brincou Mel, em entrevista ao G1 por telefone.
Mel começou a trabalhar com pessoas sem-teto em 1993. Ele conta que foi durante uma conferência sobre o tema na Cidade do Cabo, em 2001, que teve a ideia do campeonato com um colega. "Estávamos conversando sobre como estávamos em um evento [sobre sem-teto] em que não havia sem-teto, e como poderíamos fazê-los viver o que estávamos vivendo e inspirá-los. Nós dois sabíamos do poder do futebol e tivemos a ideia de montar um time. Montamos uma competição que ocorreu em 2003, na Áustria. Só íamos fazer uma, mas deu tão certo que virou permanente."
Segundo Mel, uma pesquisa feita logo após a primeira edição do campeonato mostrou que 80% dos jogadores mudaram suas vidas de alguma forma, deixaram as drogas ou conseguiram um emprego. A torcida também cumpre um papel importante no sucesso da copa, diz o organizador. "As pessoas estão acostumadas a passar longe dos mendigos nas ruas e ali, aquelas mesmas pessoas estavam sendo aplaudidas e dando autógrafos. O estereótipo do sem-teto foi mudado."
Os times têm oito jogadores, um treinador e um coordenador. Os custos da viagem são pagos por meio de patrocínio e os custos do evento são bancados pelo país-sede. Cada sem-teto pode participar apenas uma vez e a definição de quem pode participar é feita de acordo com a classificação de cada país. "Não é que eles estavam na rua ontem. Eles todos estão inscritos em programas de recuperação, de coleta de lixo, treinamentos etc. [...] Então quando eles vêm ao campeonato, isso já é o fim do processo. Muitos voltam como treinadores, alguns viram voluntários e viram exemplos para os outros do que pode ser conquistado. Há um ex-jogador que virou empresário que tem 20 funcionários."
Segundo Mel, nunca houve confrontos ou problemas causados pelos participantes. "Eles são exemplares. Se comportam de forma exemplar. São um exemplo para o mundo de como os humanos podem se comportar juntos. É como a ONU deveria ser."
A diferença cultural e linguística não é um problema, diz Mel. "Os jogadores se respeitam. Eles não falam a mesma língua, mas jogam o mesmo jogo. Funciona totalmente. Temos tradutores também, mas é uma dinâmica especial, acho que porque todos vêm do mesmo lugar, são todos excluídos, existe o mesmo sentimento."
A melhor coisa do jogo, para Mel, é "ver os sem-teto mudarem". "É isso que me motiva, me faz levantarem da cama de manhã", diz ele.
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