Rangel Alves da Costa*
Há poucos dias minha prima Lena enviou-me uma cajuína. Não só o refrigerante como também uma rapadura na palha. E tudo vindo de Juazeiro do Norte, na romaria que anualmente faz para alimentar sua fé. Lembranças singelas e cativantes demais, e com significado especial.
Sei que a rapadura ainda pode ser encontrada em qualquer feira nordestina, mas certamente sem a simbologia de uma que chega embrulhada na palha e vinda diretamente das terras do Padre Padim Ciço, verdadeiro santo nordestino. E a cajuína merecedora de atenção especial, vez que esse tipo de refrigerante está rareando cada vez mais nas mercearias e botequins sertanejos.
Verdade que a cajuína de fabricação moderna, em garrafa pet e rótulo bonito. Contudo, me fez relembrar outras cajuínas ou tubaínas que tanto apreciei noutros doces e distantes momentos da vida. Estas eram de fabricação quase artesanal, engarrafadas em vidro, com tampa de alumínio. O preço era acessível a qualquer um, bastando escolher o sabor, geralmente entre o guaraná ou tutti-fruti.
Também conhecida como refrigerante de pobre, a cajuína não podia faltar nas prateleiras e geladeiras dos armazéns e bares interioranos. Num tempo ainda de raridade de geladeira pelos sertões, ainda assim a velha cajuína estava disponível para ser levada para o regabofe ou para ser servida ali mesmo no balcão, e como companhia inseparável do biscoito ou bolachão de pacote.
Quando não era a cajuína era a mariola fazendo companhia ao tareco, ao biscoito de prateleira, ao pão adormecido de muitas noites. A goiabada, prima rica da mariola, e que por muito tempo chegava enlatada às vendas, era iguaria com preço mais elevado, inacessível à maioria. E por isso mesmo consumida aos poucos, cuidadosamente. Uma delícia com um pedacinho de queijo. O doce era geralmente servido em pequenas fatias após o almoço, mas principalmente oferecido como sobremesa aos visitantes.
Hoje se tem como brega sobremesa de goiaba, porém duvido que alguém negue seu sabor ou rejeite uma fatia. Conheci pessoas que a apreciavam tanto a ponto de manter escondida uma lata dentro do armário e até devidamente embrulhada debaixo do colchão. Por isso mesmo que jamais perdeu seu status de gula socializadora. Naqueles idos, a primeira encomenda que um ricaço fazia ao chegar era um quarto de goiabada cascão com queijo derretido por cima. E comia de se acabar.
Qualquer novidade que surgisse na feira de antigamente fazia sucesso. Num tempo sem energia elétrica, com o gelado esquentando na mão de muita gente, chegar por aqueles rincões carregando barras de gelo encaixotadas e depois raspá-las miudinho para vender misturado ao ki-suco de diversos sabores, era coisa que não dava para tanta meninada em fila.
O picolé só apareceu depois, com a chegada da energia elétrica e das primeiras geladeiras. E era picolé de forma, segundo o sabor escolhido, com pessoas levando copos e perguntando pela janela se ainda havia picolé para vender. Mas nada comparado ao sucesso alcançado pelo famoso peito de véia, principalmente de coco. Colocava-se o leite ou ki-suco num saquinho e depois congelava para vender. Saía do congelador endurecido, mas depois de mordido num canto e colocado na boca começava a amolecer. Daí o nome peito de véia. E que ainda continua sendo chupado em diversas localidades interioranas.
O quebra-queixo era outra especialidade das feiras interioranas. Aquele tabuleiro com cocada dura, liguenta, pedaços trabalhosamente cortados e servidos em papel de seda, era verdadeira festa ao olhar de todo mundo. Contudo, a meninada preferia os pirulitos de mel em canudinhos e vendidos na tábua. Era doce de todo dia e que, ao lado da cocada e do arroz doce, podia ser encontrado nas janelas sertanejas.
Relembro com saudade e água na boca os pirulitos de Dona Luisinha e também a cocada de doce de frade de Dona Cecília. E com uma recordação especial ao arroz doce de Baíta. Todo mundo dizia que era aguado, mas ninguém resistia. Bastava chegar o entardecer e os copos com canela por cima chegavam aos apreciadores nas calçadas. Incomparável também a cocada branca de Dona Quininha, colocada ali na janela, com pano branco por cima, silenciosamente chamando para as delícias da vida.
Mas na minha meninice eu sempre aguardava ansioso por alguém que passasse oferecendo a mais deliciosa das frutas. Por onde anda araçá, por onde anda minha pequenina e doce fruta? Pelo sumiço do sertão, temo em não mais beijar sua boca.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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