“O Brasil se aproxima da Rússia em casos de doping”, manchete de um famoso e respeitado portal americano de natação. Quanto mais tentamos acreditar que a situação melhora por aqui e apontamos dedo para outros países com casos graves de irregularidades no uso de substâncias proibidas, mais mascaramos nossos próprios erros e a gravidade da nossa própria situação.
A maior conquista da história da natação brasileira está à sombra do que há de pior no esporte. Com o traço de diurético encontrado no exame de João Gomes Jr., representante da seleção nacional no Mundial de Doha, no Catar, em dezembro do ano passado, o título da competição está em xeque. Apesar de ter sido apenas reserva em três revezamentos do grupo no evento, sendo substituído pelo grande campeão Felipe França nas finais, o nadador pode comprometer a conquista de três medalhas de ouro do país, o que derrubaria o Brasil do inédito ouro para a quarta colocação.
O doping ainda não foi comprovado, um novo teste será feito com outra amostra de urina de João, mas o prognóstico não é favorável. A presença de diurético é considerada digna de punição pela Wada (Agência Mundial Antidoping) porque, no caso da natação, a substância pode ser consumida para mascarar o uso de outras substâncias que melhoram o desempenho esportivo. Foi caso idêntico ao de Cesar Cielo, Henrique Barbosa, Nicholas Santos e Vinicius Waked, em 2011. Mas a defesa está longe de ser igual. Na ocasião, os três receberam apenas uma advertência, escapando de punição severa. Mas a defesa dos atletas atuou fortemente, assim como a CBDA nos bastidores, para provar que houve uma contaminação por culpa da farmácia de manipulação nos suplementos dos nadadores. A Fina (Federação internacional de Natação) reprovou a decisão da punição na época, de exames com resultados adversos feitos em uma competição nacional, recorreu no CAS (corte arbitral do esporte), e acabou perdendo. Desta vez, com a mesma alegação da defesa que inocentou Cielo & cia, o exame foi feito em um torneio organizado pela FINA. Que não vai permitir que o resultado final seja de impunidade para o atleta brasileiro.
Se a Confederação Brasileira deve, em seu papel, defender com unhas e dentes o nadador cuja punição tirará sua grande glória, os espectadores devem gritar por justiça e punições exemplares diante de tal ausência de ética esportiva. Se comprovado o doping de João, que sua punição seja severa dentro da lei que rege o esporte. A WADA colocou seu novo código mundial antidoping em vigor em 1º de janeiro deste ano, de uma intensidade tão cruel quanto, talvez, necessária para que a lição seja aprendida. Uma punição máxima agora tira um atleta de atuação por todo um ciclo olímpico: quatro anos. O dobro do código anterior. No caso de doping acidental por substâncias mascarantes como um diurético, a pena comum é de seis meses de suspensão. Tal punição já seria suficiente para tirar as medalhas de João – e do Brasil.
De acordo com um levantamento (bastante confiável) do Coach Alexandre Pussieldi, são no total 31 casos de doping na história da natação brasileira. E 21 deles de 2009 até hoje. Números escandalosos, que fazem barulho ainda por outra situação que levanta suspeitas de que a CBDA não faz o seu maior esforço para combater o problema no Brasil: em nenhum deles os atletas foram pegos em testes surpresa. Sempre em competições oficiais. Os nadadores brasileiros que se dopam têm o hábito de apenas usar substâncias proibidas às vésperas ou durante competições, ou a fiscalização não é feita como deveria ser no país?
Neste espaço já foi abordado anteriormente o tema do doping, lembrando a chocante história de um atleta infantil (13-14 anos) pego em exame antidoping. A ação do COB está focada especialmente no trabalho de conscientização do problema. Realmente, a chance de um atleta ter um resultado adverso em um exame por desconhecimento é grande. Remédios comuns, como uma simples Neosaldina para dor de cabeça, possuem substâncias proibidas pela cartilha da WADA. Um atleta mal orientado pode consumir, sem intenção, uma delas. E por isso a explicação e o alerta para que os atletas de ponta do país saibam que tipo de produto enfiam goela abaixo são de vital importância. Mas é de uma ingenuidade imprópria crer que o doping que corre nas veias de muitos atletas, por todo o mundo, é em grande parte sem intenção de melhorar seu desempenho.
Os casos cada vez mais escancarados de doping na Rússia são uma mancha para o esporte mundial (o documentário do jornalista alemão sobre a “indústria do doping” russo é uma boa recomendação para quem se interessa pelo assunto). E saber que o mundo está começando a olhar para a sede dos próximos Jogos Olímpicos como um país que se aproxima disso deveria ser, no mínimo, uma vergonha para as nossas autoridades esportivas.
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