Rangel Alves da Costa*
Nem precisa muito pensar para logo constatar, quanta diferença há entre a cidade de cá e o sertão que fica lá. Um aconchega e afaga, o outro faz arrepiar.
É como a diferença entre a buzina e o canto do sabiá, entre o trânsito violento e o leve caminhar, entre o desconhecido e o compadre a prosear.
Enquanto a cidade é indiferente, o sertão é envolvente. O da cidade passa e não fala, o sertanejo nunca cala. Enquanto a cidade embrutece, o sertão reza uma prece.
A cidade se desconhece, o sertão em tudo se reconhece. O sertão ama o seu jeito de ser, de sentir e conviver. Na cidade tanto faz, é tudo um nada ter.
Enquanto a cidade se levanta de janela fechada, o sertão todo festeja o canto doce da alvorada. A cidade vai correndo apressada e o sertão vai caminhando pelo barro da estrada.
Pelo asfalto da cidade percorre a arrogância e a maldade, pelo chão de terra e poeira uma elegância nos pés da humildade.
Enquanto a cidade se esconde em muro e guarita, o sertão sai do escuro para a paisagem mais bonita. Enquanto um silencia, o outro encantado grita.
A mesa da cidade é sortida de porção e etiqueta, enquanto a mesa sertaneja de qualquer coisa é feita. Rejeita a taça e o talher, com a mão mesmo ela se ajeita.
Com cardápios, frios e entradas, sobremesa e iguarias, assim a cidade mata a fome. No sertão é diferente, pois o que tiver logo some, desde a perna de preá ao prato que não tem nome.
O café do sertanejo sai do fogão de lenha perfumando pelo ar. O que na cidade existe mal serve para tomar, pois não tem aquele aroma que faz o lábio enamorar.
O queijo de fazenda, a manteiga de quintal, o doce de leite, um sabor tão sertanejo. E o que se tem na cidade é a massa como queijo, manteiga que é um sobejo e doce sem mais desejo.
E vai a bela sertaneja com seu vestido de chita, mulher singela e tão bonita. Duvido que a da cidade, por mais que se encha de fita, tenha a beleza igual daquela que ao coração palpita.
E vai o menino sertanejo correndo no descampado, sem pressa para crescer, brincando por todo lugar. E cadê o da cidade, vivendo quase enjaulado, sem nem criança poder ser e sem bola de gude jogar?
E vai a mulher sertaneja estender a roupa no varal, aguar a planta, cantar sua canção de paz. E cadê a da cidade, sem ao menos ter quintal, sem manhã que se levanta, no dia inteiro um tanto faz?
Sertão de lua, cidade de rua. Cidade de sol, sertão de arrebol. Sertão de paisagem, cidade miragem. Cidade de fogo e ferro, sertão de mugido e de berro. Sertão de rio e riacho, cidade que tudo procuro e nada acho.
Cidade tão desumana, sertão onde a paz ainda emana. Sertão de bom dia e boa tarde, cidade com olhar de maldade. Cidade que some ao virar a esquina, sertão onde o encontro é a sina. Sertão de cadeira na calçada, cidade de porta fechada.
O da cidade de terno engomado, o do sertão no seu ofício encourado. Doutor de caneta dourada, e o doutor da vida alimentando o mundo na enxada. Enquanto um não canta nem a alegria, o outro aboia contente a vida que a tudo irradia.
Noites sertanejas de mais terna poesia. Lua imensa que encanta e contagia. Brisa que sopra em suave melodia. Na cidade, toda noite é dia, triste retrato, medonha fotografia. Lua escondida em véu de melancolia.
Um é meu sertão, a outra é minha cidade. Conhecendo os dois na palma da mão, sei onde está meu coração e onde tenho de suportar a minha saudade.
Poeta e cronista
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