“Você sabe que eu governei por 20 anos e desses tirei apenas algumas certezas: (1) A América é ingovernável por nós; (2) Quem serve à causa da revolução perde tempo; (3) A única coisa a fazer na América Latina é ir embora; (4) Este país cairá infalivelmente nas mãos de massas desenfreadas e quase imperceptivelmente passará para as mãos de tiranos mesquinhos de todas as raças e cores; (5) Uma vez que formos devorados por todos os crimes e aniquilados pela ferocidade, seremos desprezados pelos europeus; (6) Se fosse possível que uma parte do mundo voltasse ao caos primitivo, essa parte seria a América na sua hora final.”
A frase acima foi dita por um líder militar do século dezoito. Em seus documentos, assinava com um desses nomes pomposos que só a aristocracia poderia proporcionar: Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar y Palacios Ponte-Andrade y Blanco. Mas ele entraria para os livros de história mais conhecido como Simón Bolívar. Quase dois séculos após sua morte, o principal representante da libertação latino americana se transformaria na maior inspiração do bolivarianismo, a doutrina política que atualmente guia alguns dos principais governos de seu continente, dentre os quais – e de forma especial – de seu próprio país de origem: a Venezuela.
Para Marx, Bolívar era covarde, folgado, egocêntrico, narcisista, inútil como estrategista militar e sempre ávido por acumular poder.
“A força criadora de mitos, característica da fantasia popular, em todas as épocas tem provado sua eficácia inventando ‘grandes homens’. O exemplo mais notável deste tipo é sem dúvida Simón Bolívar.” – Karl Marx
Marx provavelmente tiraria conclusão parecida de seu pupilo, Hugo Chávez, o inventor do bolivarianismo que, durante seus passeios e viagens enquanto presidente, sempre exigia a instalação de um quadro do líder militar em todos os lugares que se hospedava. Já falecido, Chávez foi o principal responsável por criar as bases do atual Estado venezuelano, aquilo que ele chamava pretensiosamente de socialismo do século XXI. Para Lula, graças a ele a Venezuela se transformou num exemplo do que se pode chamar de “excesso de democracia”. Mas aqui, separamos 8 fatos que mostram por que o país não passa de uma grosseira ditadura.
1) O TEATRO DOS VAMPIROS.
Winston Churchill dizia que “a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais”. Nela, cada cidadão apto a votar exerce de tempos em tempos uma corrida para definir quem é o político mais hábil para assumir o controle do país. Quem somar o maior número de apoiadores, vence a disputa no final.
A Venezuela vive uma democracia de mentirinha. O governo finge que o sistema de urnas eletrônicas é honesto, seus apoiadores fingem que quem reclama dele é golpista, parte da população finge que o governo foi eleito pela maioria. Nas últimas eleições, em 2013, não faltaram casos de denúncias da população civil, de jornalistas e da oposição, devídeos escancarando o teatrinho institucional e de estudos internacionais incriminando a fraude.
Em 14 eleições, o regime perdeu apenas uma – a do Plebiscito constitucional de 2007. Frente às constantes denúncias de manipulação, a Universidade Carlos III de Madrid, através dos analistas Raúl Jiménez, do departamento de estatísticas, e Manuel Hidalgo, do departamento de ciências sociais, publicou no ano passado o estudo Forensic Analysis of Venezuelan Elections during the Chávez Presidency (“Análise Forense das eleições venezuelanas durante a Presidência Chávez”, em tradução livre), onde o sistema eleitoral venezuelano é questionado. Não foi o primeiro estudo a chegar ao mesmo resultado. O Instituto de Altos Estudios Europeos, também de Madri, publicou outra análise, onde aponta que em 2013 aconteceu “uma série de delitos eleitorais” no país. O jornalista Emili J. Blasco narra essa história no livro Bumerán Chávez: Los fraudes que llevaron al colapso de Venezuela.
Segundo a organização austríaca Democracy Ranking Association, a Venezuela lista entre as piores democracias do mundo.
2) DIVISÃO DOS PODERES: MADURO, MADURO E MADURO.
Há poucos meses, a Assembleia Nacional da Venezuela concedeu ao presidente Nicolás Maduro poderes especiais para governar por decreto até o fim do ano. Maduro argumentou que esses poderes são necessários para que ele possa “lidar com a ameaça do governo dos Estados Unidos”.
“Essa lei surgiu como uma necessidade de ter poderes constitucionais que me permitam me mover no complexo cenário que se abriu na Venezuela”, disse.
Diosdado Cabello, presidente da Assembleia, defendeu a medida, dizendo que esse era “o momento de estar com a pátria ou com os traidores”.
Mas essa não foi a primeira vez que a Lei Habilitante foi acionada. Governar por decreto é a sina do bolivarianismo. Em 2013, quando obteve a concessão desses poderes especiais pela primeira vez, Maduro aprovou 40 leis em míseras 6 semanas – entre elas, a que fixou uma margem de lucro para as empresas e a que centralizou a distribuição de alimentos.
Hugo Chávez apelou para a lei em diversas ocasiões. Logo em 1999, atuou com poderes especiais por seis meses. Em 2000, governou sem prestar satisfação a ninguém. Aprovou 49 leis na canetada – da Reforma Agrária à legislação em torno do petróleo. Permaneceu um ano como rei. Voltou a usar a medida em 2007, por longos 18 meses. E repetiu a dose em 2010, com mais um ano e meio. Ao todo, sancionou mais de 200 decretos na canetada.
A aprovação da Lei Habilitante, usada por Hitler para obter poderes especiais em 1933, choca-se com a noção republicana de divisão de poderes, necessária para a existência da democracia. A divisão se justifica por um claro propósito – restringir o exercício de cada um desses poderes. Sem essa restrição, só há um resultado possível: ditadura. Como na Venezuela.
3) QUEM PRECISA DE OPOSIÇÃO?
Definitivamente não é uma tarefa fácil ser um oposicionista na Venezuela. Em abril, o Presidente Executivo do Fórum Penal Venezuelano, Alfredo Romero, denunciou que 89 pessoas estão presas no país por motivos políticos. Nesse exato momento, o dirigente do partido Vontade Popular, Leopoldo López, e os prefeitos Antonio Ledezma e Daniel Ceballos estão presos. Rodolfo González, preso em abril do ano passado, foi encontrado morto no último mês de março em sua cela. Sem aguentar a pressão, suicidou-se.
De acordo com Romero, apenas nesse ano 26 detidos já foram libertados. Eles, no entanto, saem muitas vezes em liberdade condicional, onde juntam-se a um grupo de 2.006 réus libertados por motivos políticos, que precisam se apresentar com regularidade nos tribunais e, em muitos casos, estão proibidos de sair do país. Na Venezuela, pelo menos 5 pessoas permanecem presas há meses por difundir mensagens em redes sociais que os serviços de inteligência consideraram desestabilizadoras.
Há mais de 20 dias, Leopoldo López, um dos principais políticos de oposição no país, preso no início do ano passado, mantém uma greve de fome com o objetivo de forçar o governo a soltar todos os presos políticos. Ceballos acompanhou López na empreitada, mas encerrou a greve de fome após 20 dias.
Para o Programa Venezuelano de Educação-Ação sobre Direitos Humanos (Provea), a Venezuela é “a única responsável pela integridade física e a vida de cada um dos presos”. Uma comitiva de senadores brasileiros viajou até o país para conversar com López, Ledesma e Ceballos. Sem sucesso: foram impedidos por manifestantes governistas de seguirem o caminho e forçados a retornar ao Brasil.
A organização internacional Human Rights Watch exigiu a libertação imediata de López, declarando: “A prisão de Leopoldo López é uma violação atroz de um dos princípios mais básicos do devido processo legal: não se pode prender alguém sem provas ligando-o ao crime”.
López não é o primeiro político com abrangência nacional a sofrer nas mãos do governo. No ano passado, a deputada oposicionista María Corina Machado teve seu mandato cassado após comparecer a uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) para falar sobre a situação do país.
Quem precisa de oposição quando você é uma ditadura?
4) É A HORA E A VEZ DA VIOLÊNCIA REVOLUCIONÁRIA.
Com o caos institucional, social e econômico tomando conta do país, a população foi às ruas no início do ano passado. O governo reagiu com forte repressão. No total, 43 pessoas morreram e mais de 560 ficaram feridas. Uma tragédia que logo se espalhou de inúmeras formas em todo país.
A Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a ONU condenaram os ataques. O Partido dos Trabalhadores, na contramão das principais organizações internacionais, prestou apoio ao governo de Maduro através de nota oficial e condenou o uso de “grupos violentos como instrumento de luta política” e “ações midiáticas” que, segundo a nota, estariam sendo estimulados pela oposição com o objetivo de “desestabilizar a ordem democrática”.
5) LIBERDADE DE EXPR#&@*%
Durante os protestos do ano passado, diversos veículos de comunicação relataram casos de censura. A CNN declarou que se sentia ameaçada, após equipamentos de seus correspondentes terem sido destruídos por forças do governo. Maduro ameaçou tirar a emissora do país. O canal a cabo colombiano NTN24 teve o direito de transmissão na Venezuela revogado porque, de acordo com o governo, sua linha editorial era golpista. A emissora lamentou o fato, acusando o governo de realizar “uma violação dos direitos que os cidadãos têm de se informarem”. Maduro denunciou também a Agence France-Presse por manipulação de informação. Além disso, o Twitter divulgou que o governo estava censurando a publicação de imagens na rede social.
O caso de amor entre o bolivarianismo e a censura são antigos. Segundo a ONG Repórteres Sem Fronteira, o país teve nos últimos anos a pior queda do continente no ranking de liberdade de imprensa no mundo, classificado como “difícil”. O país também ocupa a última posição no continente no ranking de liberdade na internet.
E a censura é institucional. Em 2013, poucos meses após a morte de Hugo Chávez, Maduro criou o Centro Estratégico de Segurança e Proteção da Pátria (Cesspa), que na prática proíbe a divulgação de qualquer informação que o governo considere de interesse estratégico para a segurança nacional. No mesmo ano, o jornalista americano Jim Wyss, do Miami Herald, foi detido pelas autoridades por fazer uma reportagem sobre a crise econômica e a escassez de produtos básico no país. Os problemas com a falta de papel, aliás, já levaram ao fechamento de dezenas de jornais nos últimos meses.
Ao longo dos anos, o chavismo tirou diversas emissoras de televisão e de rádio do ar. O canal privado Globovisión foi a última emissora abertamente não ligada ao governo a permanecer ativa, antes de ser negociada diante da pressão política.
6) OS CÃES DE GUARDA DO REGIME LATEM E A CARAVANA DA DESESPERANÇA PASSA.
No regime venezuelano há um poder paralelo que funciona na ilegalidade a serviço da revolução. São os coletivos.
Os coletivos são grupos paramilitares urbanos, armados por Chávez durante seu mandato, que apoiam o Partido Socialista Unido da Venezuela e a revolução bolivariana e se tornaram conhecidos mundialmente após atacarem manifestantes anti-Maduro a pedido do governo durante os protestos do ano passado. Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em fevereiro, quando o coletivo Tupamaros abriu fogo contra estudantes.
Durante as últimas eleições presidenciais, a Reuters resumiu os coletivos como “uma parte fundamental da máquina eleitoral do governo”, que intimidam eleitores e adversários do partido. A organização The Carter Center disse que, durante as eleições, os centros de votação foram tomados por um “clima de intimidação” quando “grupos de motociclistas associados ao partido do governo” foram vistos em seus arredores.
O advogado criminalista Marble García afirma que “os coletivos tem sua força no controle territorial, alargando seus domínios sobre os vizinhos e as lojas em suas áreas de atuação.” Segundo o analista, em muitos casos esses grupos têm a aprovação das comunidades, uma vez que incentivam as atividades sociais e culturais, e combatem o tráfico de drogas e o crime. Em troca, as pessoas aceitam que eles atuem como policiais, promotores e juízes.
São as milícias legitimadas pelo regime, que atuam em todo país como um poder paralelo, embora, em muitos casos, reconhecidos de forma oficial – o Tupamaros, por exemplo, tem mais de 7 mil membros na folha de pagamento do governo.
7) E O DITADOR SE FEZ CARNE E HABITOU ENTRE NÓS.
Como toda ditadura, a Venezuela alimenta constantemente o personalismo: o rosto de Chávez é a imagem da pátria. Foi assim na União Soviética de Stálin, na China de Mao Tsé-Tung, na Romênia de Ceausescu, na Alemanha de Hitler, na Coreia dos Kim, no Camboja de Pol Pot. Absolutamente tudo gira em torno de Chávez.
Em época eleitoral, ele virou santo. Foi assim que Maduro o tratou, ao afirmou que um rosto seu apareceu num túnel de metrô em Caracas.
“Olhem a figura, um rosto. Esta foto foi feita pelos trabalhadores, os operários. Quem está neste rosto? Um olhar (…) É o olhar da pátria que está em todos os lados (…) Os trabalhadores estão ali, trabalhando e lhes aparece uma imagem na parede e, assim como apareceu, desapareceu. Chávez está em todas as partes.”
Antes disso, Maduro já havia o comparado a Cristo. Primeiro, disse que “se há um homem que passou por esta Terra e que tenha mérito suficiente para que o Cristo Redentor lhe desse um assento ao seu lado, este foi o nosso redentor e libertador do século XXI, o comandante Hugo Chávez”, depois que “Cristo Redentor fez-se carne, fez-se nervo, fez-se verdade em Chávez”. No meio disso tudo, afirmou que Chávez lhe apareceu como um passarinho.
Quando o Papa Francisco foi eleito, Maduro se pronunciou que essa era obra de Chávez.
“Nós sabemos que nosso comandante ascendeu até essas alturas (o céu), está frente a frente com Cristo. Alguma coisa influenciou para que fosse escolhido um Papa sul-americano, alguma mão nova chegou e Cristo lhe disse: chegou a hora da América do Sul. Assim acreditamos. A qualquer momento (Chávez) convocará uma constituinte no céu para mudar a Igreja no mundo e que seja o povo, o puro povo de Cristo que governe o mundo.”
No ano passado, Chávez virou oração, pai-nosso, deus.
A criação do mito é o tempero indispensável da ditadura.
8) O SOCIALISMO DO SÉCULO XXI DE SEMPRE.
Filas acachapantes, pobreza, inflação, escassez de produtos básicos. Na Venezuela, o forte controle político se traduz num colossal controle econômico, e o resultado não poderia ser diferente: crise. Hoje, o Bolívar venezuelano vale literalmente mais como papel higiênico do que como dinheiro. Não por acaso, segundo uma pesquisa realizada pela Datincorp, a metade dos venezuelanos já assumem que querem abandonar o país e outros 11% dizem que o faria se tivessem possibilidade de fazê-lo.
O terrorismo proporcionado pela revolução socialista afeta todo mundo, mas em especial os comerciantes.
De acordo com estimativas realizadas por pesquisadores econômicos de diversas universidades do país, a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza para o ano de 2015 será de 55%, o que é o mesmo que dizer que 18 dos 30 milhões de venezuelanos estarão nessa condição até o final do ano, devido à queda no rendimento, à inflação e a escassez de alimentos. Esse número era de 45% quando Chávez assumiu.
Segundo o informe anual da ONG Provea, a respeito da falta de medicamentos, houve um aumento de 15% em 2011 para 60% em 2015, em Caracas, e 70% no restante do país. Entre 2008 e dezembro de 2014, a inflação já acumula 727,74% apenas na cesta básica. Em 12 anos, a inflação geral é de 1.706,51% e a de alimentos chegou a 3.911,74%. Segundo analistas, a Venezuela está à beira de uma hiperinflação, o que poderia causar o completo caos social.
De acordo com o Centro de Documentação e Análise Social (Cendas), são necessários 7 salários mínimos para comprar uma cesta básica, o equivalente a mais de 37 mil bolívares. Mas isso não diz tudo: 60% dos produtos básicos estão em falta no país. Em maio deste ano, o salário mínimo aumentou em 30% e passou para 7.412 bolívares. O impacto foi imperceptível no bolso do trabalhador venezuelano. Nas ruas, um quilo de carne pode custar até 1.500 bolívares, uma embalagem com oito absorventes femininos não sai por menos de 1.368 bolívares e um frasco de shampoo custa 800 bolívares. Como a loucura é a sina das ditaduras, no entanto, para encher um tanque com 42 litros de combustível paga-se 3,40 bolívares, quase a metade do preço de uma bala.
Sem eleições claras, sem divisão de poderes republicanos, sem oposição, sem liberdade de expressão, sem liberdade de imprensa, sem isonomia, sem economia de mercado, sem democracia. Não resta dúvida: ao contrário do que disse Lula, há excesso de ditadura na Venezuela.
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