Na rua Maria Joaquina (foto), no Brás, placas de 'aluga-se' e lojas vazias revelam a crise enfrentada pelos fabricantes de roupas
O que as fábricas da Vale, em Corumbá, da Petrobrás, em Caraguatatuba e da Honda, em Sumaré, têm a ver com as confecções do Brás, bairro da região centro-leste de São Paulo?
À primeira vista, a resposta seria negativa. Sucede que as demissões ocorridas nessas companhias atingiram em cheio algumas das mais tradicionais confecções do Brás, como a Rikwil, especializada em moda jovem.
As dispensas afastaram a clientela das lojas nestas três cidades, que, por sua vez, cortaram as compras das confecções.
Com 25 anos no mercado, a situação da Rikwill é emblemática do que ocorre com as cerca de 5.000 confecções do Brás, nas quais lojistas de todo o país se abastecem..
“As demissões estão provocando um forte efeito em nosso setor”, afirma Richard Narchi, sócio-proprietário da Rikwil.
E não é somente a crise que faz isso. Em Ubatuba, segundo Narchi, os lojistas afirmam que o que têm tirado os clientes das lojas são os altos reajustes do IPTU e da energia elétrica.
Quando orçamento doméstico dos moradores de Ubatuba aperta, os clientes desaparecem e os lojistas abandonam o Brás. É o chamado efeito dominó.
Outubro, tradicionalmente, é um dos meses mais aquecidos para as confecções em geral. É a época em que os comerciantes de todo o país vão atrás de artigos de verão para abastecer as lojas para o final do ano. Mas o que se observa hoje são lojas vazias e abarrotadas de mercadorias.
O semblante preocupado dos vendedores e as placas de ‘aluga-se’ espalhadas pelas ruas do bairro atestam o clima recessivo.
Em apenas um trecho da rua Maria Joaquina, uma das mais tradicionais da região, o Diário do Comércio contou dez placas de ‘aluga-se”, na sexta-feira passada (16/10).
Na Clarevidência Jeans Wear, confecção que opera há sete anos, os funcionários estimam queda de até 70% nas vendas neste ano em comparação com o ano passado.
“Nesta época, as vendas costumavam bombar. Neste ano, o lojista está vindo aqui só para repor o pouco que vendeu”, afirma Caio Jr., gerente da loja.
Os comerciantes, diz ele, voltaram a correr atrás de preço, uma situação que não se via nos últimos anos, quando a qualidade das peças era o mais importante para o cliente.
Clientes do Rio, de Minas e do Sul do Brasil, que costumavam frequentar a loja a cada 15 dias, diz Caio Jr., agora aparecem a cada dois meses. O que a confecção mais vende hoje são peças de R$ 30.
Com 46 anos, a Dinho`s Jeans, informa que o lojista mudou os hábitos de compra.
“Se ele costumava comprar 1.000 peças para o Natal, agora compra 200. Se comprava dez modelos, agora compra três, e só trabalha com reposição”, afirma Fauze Yunes, sócio-proprietário da confecção.
Essa é a situação vivida por boa parte das confecções do Brás visitadas pela reportagem do DC.
FALTA DE CONFIANÇA
A insegurança em relação ao desempenho da economia e da política brasileira é o principal motivo da retração do setor de confecção.
“O mercado está parado. O lojista não está comprando. Ou a empresa tem capital de giro para suportar este momento ou, simplesmente, fecha as portas”, diz Ronald Masijah, presidente do Sindivestuário, e sócio-diretor da Darling, uma das mais tradicionais marcas de lingerie do país.
De janeiro até setembro, segundo levantamento do sindicato, 1.732 confecções fecharam as portas no país, das quais 353 baseadas em São Paulo, causando 11.600 demissões em São Paulo e 38.700 dispensas no Brasil.
O Sindivestuário estima que, até o final do ano, cerca de 24 mil pessoas devem perder o emprego no setor em São Paulo.
No levantamento anterior do sindicato, até abril passado, eram 150 empresas. Desde então, portanto, mais 203 confecções paulistas entraram para a lista de empresas que sucumbiram com a crise.
Em vez de comprar novas mercadorias, os lojistas, estão tentando desovar estoques antigos.
As que estão em pior situação financeira, segundo afirma Masijah, são as que produzem roupas de moda. As empresas mais focadas em peças básicas, como as fabricantes de lingeries, ainda têm a chance de guardar as mercadorias para vender em 2016.
“As lojas estão às moscas em pleno final de ano. Os vendedores estão encostados no balcão”, diz o presidente do Sindivestuário.
De fato, na última sexta-feira (16/10), os balconistas mais treinados estavam postados junto à calçada, tentando convencer potenciais clientes a ver peças em promoção.
ACOMODAÇÃO IMOBILIÁRIA
Além da crise, o que tem feito muitas confecções fechar as portas, de acordo com os empresários, é o alto preço dos aluguéis.
O que está havendo nas regiões de comércio de São Paulo, dizem eles, é “uma acomodação do mercado imobiliário”. Isso significa a troca de pontos com locações mais caras por mais baratas.
Essa seria também uma razão, além da crise, da proliferação de placas de ‘aluga-se’ por toda a cidade.
Na rua Maria Joaquina, por exemplo, era comum, até pouco tempo atrás, um comerciante ter de pagar luva para estabelecer um ponto comercial.
Com a crise, a luva não só deixou de existir como, no início do ano, 28 pontos comerciais estavam fechados por falta de clientes.
“Uma parte dos imóveis voltou a ser ocupada recentemente, mas com preços bem mais baixos de locação”, afirma Jean Makdissi Jr., conselheiro da Alobrás, associação que reúne os confeccionistas e lojistas do bairro.
Essa troca de pontos comerciais criou oportunidade para alguns confeccionistas.
A Rush, confecção especializada na linha surf, acaba de abrir as portas na rua Maria Joaquina, local que sempre cobiçou.
“Não dá para baixar a cabeça. Nós acreditamos no país. A crise que o Brasil vive é política”, afirma o gerente Edson Paulino.
No dia da inauguração, na última quarta-feira (14/10), a empresa conseguiu vender cerca de R$ 2.500. Isso foi possível, diz Paulino, porque a confecção chamou clientes de outra loja que possuí pertinho dali, a Litoral Surf.
“Estamos ligando e mandando mensagem para os clientes o tempo todo”, diz.
Uma das confecções mais tradicionais do Bom Retiro, a Controvento, especializada em roupas clássicas femininas, tem utilizado fortemente o WhatsApp para atrair a clientela.
“O WhatsApp se tornou uma importante ferramenta de vendas”, afirma Stéfanos Anastassiadis, diretor comercial da confecção.
Os pedidos que os lojistas faziam nesta época do ano para vendas para o Natal, diz ele, estão sendo postergados. “Eles estão aguardando uma mudança na economia.”
A esperança dos donos de confecções é que, com o dólar na casa dos R$ 4, a importação de produtos da China diminua e os lojistas voltem a comprar das confecções nacionais.
Por enquanto, isso ainda não foi sentido no polo de confecção do Brás.
POR FÁTIMA FERNANDES
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