O crack consumido na cidade de São Paulo contém substâncias que agravam ainda mais os riscos à saúde associados à droga. Um estudo feito por pesquisadores da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), em parceria com o Centro de Referência para Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, concluiu que adulterantes extremamente nocivos estão presentes no organismo da grande maioria dos usuários.
O estudo coletou fios de cabelo de 100 usuários de crack atendidos pelo Cratod. Essas amostras foram testadas para a presença de adulterantes que já tinham sido identificados em estudos feitos com usuários de drogas em outros países.
A cocaína estava presente em 98% das amostras (o crack é uma forma de apresentação da cocaína, em pedra). Os adulterantes encontrados foram lidocaína (em 92% das amostras), fenacetina (69%), levamisol (31%), benzocaína (19%), procaína (5%) e hidroxizina (2%).
“A cocaína por si só já traz riscos, especialmente cardiovasculares, cerebrais e ligados à violência no ambiente onde se dá o uso, principalmente o crack. Essas substâncias adulterantes, sabidamente tóxicas, expõem os usuários a mais fatores de risco ainda”, diz o psiquiatra Marcelo Ribeiro, diretor do Cratod e um dos coordenadores do estudo. Os adulterantes são acrescentados à droga para diminuir seu custo e aumentar seu poder de dependência.
Câncer, necrose e baixa imunidade
Caso consumidos em grande quantidade, os adulterantes identificados pelos pesquisadores podem provocar problemas como câncer, necrose, problemas renais e diminuição da imunidade.
Caso consumidos em grande quantidade, os adulterantes identificados pelos pesquisadores podem provocar problemas como câncer, necrose, problemas renais e diminuição da imunidade.
O levamisol, por exemplo, está associado à diminuição dos glóbulos brancos, o que compromete muito a imunidade do indivíduo. Há estudos que associam a substância ao aumento de risco de câncer e de necrose, principalmente no nariz e na orelha, devido a problemas de vascularização. O levamisol é um vermífugo que, na medicina, é usado em doses únicas. Os efeitos nocivos aparecem quando o uso é frequente.
Já a exposição constante à fenacetina, um analgésico e anti-inflamatório cuja comercialização é proibida no Brasil, está associada a problemas nos rins, como insuficiência renal, nefrite e até câncer.
O psiquiatra especialista em dependência química Ronaldo Laranjeira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da SPDM, diz que sempre se soube que havia adulterantes na cocaína, mas não havia uma compreensão sobre os danos que eles poderiam trazer à saúde.
“Quando os americanos vieram falar sobre isso para nós há dois anos e começamos a ver a literatura internacional, fomos nos dando conta do impacto na saúde. No Brasil, há 2,8 milhões de pessoas usando cocaína que estão expostas regularmente a essas substâncias associadas a todos esses problemas”, diz o especialista, que também é um dos coordenadores do estudo.
Segundo ele, a identificação dos adulterantes no organismo dos usuários foi o primeiro passo. O próximo passo é verificar qual é realmente o impacto dos adulterantes na saúde dos usuários. “Ninguém sabe qual o papel deles na mortalidade ou nas doenças que ocorrem nessa população.”
Ele observa que é preciso distinguir os problemas de saúde ocasionados pela cocaína pura e pelas substâncias adicionadas à droga. O uso crônico da cocaína está associado a problemas cerebrais e cardiovasculares. “O usuário crônico vai ficar mais impulsivo, ansioso, vai ter dificuldade de memória, sem falar em problemas sociais decorrentes do uso. Os adulterantes vão levar a problemas de saúde mais específicos.” Para Laranjeira, é importante que os usuários tenham consciência dos riscos a que estão se submetendo ao consumir as drogas adulteradas.
“Se você pegar a realidade na cracolândia, estão todos em situação de rua, muitos deles são desnutridos, têm cuidados de higiene precários. Eles já têm propensão a ter doenças pela própria situação em que se encontram. Os adulterantes vêm a agravar ainda mais essa situação.”
Droga no fio de cabelo
Ribeiro explica que os testes foram feitos nos fios de cabelo dos usuários porque essas amostras indicam a presença de substâncias consumidas nos últimos meses. Caso os testes fossem feitos em amostras de sangue, por exemplo, eles indicariam apenas o consumo nos últimos cinco dias.
Ribeiro explica que os testes foram feitos nos fios de cabelo dos usuários porque essas amostras indicam a presença de substâncias consumidas nos últimos meses. Caso os testes fossem feitos em amostras de sangue, por exemplo, eles indicariam apenas o consumo nos últimos cinco dias.
“O cabelo é formado dentro de pequenos folículos ricamente vascularizados no couro cabeludo. As substâncias presentes no sangue que chegam a essa região acabam impregnando o fio e passam a ser parte integrante dele”, explica o especialista.
Mariana LenharoDo G1, em São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário