Por Bernardo Pombo e Luiz Cláudio Amaral
Santa Luzia, MG
A área rural acessada por quatro quilômetros de estrada de terra dá um ar convidativo e sereno, quebrado pelo som das grandes trancas de ferro. A música "Aleluia" na entrada e as muitas frases remetendo a Deus e perdão recebem quem visita a Apac de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde o goleiro Bruno, hoje com 31 anos, está preso há oito meses. No regime fechado, o canto do ex-futuro camisa 1 é a cama dois da cela 18 do bloco 3. Um dos 68.810 presos do estado de Minas Gerais, Bruno cumpre pena de 22 anos e três meses pela morte de Eliza Samúdio em 2010. Mas, com a progressão por dias trabalhados, a liberdade poderá ser respirada já em 2018, segundo seus cálculos. Bruno está sem advogado no momento, mas juristas consultados pela reportagem atestaram ser possível que o goleiro consiga o regime semiaberto em 2018, como o próprio almeja.
A área rural acessada por quatro quilômetros de estrada de terra dá um ar convidativo e sereno, quebrado pelo som das grandes trancas de ferro. A música "Aleluia" na entrada e as muitas frases remetendo a Deus e perdão recebem quem visita a Apac de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde o goleiro Bruno, hoje com 31 anos, está preso há oito meses. No regime fechado, o canto do ex-futuro camisa 1 é a cama dois da cela 18 do bloco 3. Um dos 68.810 presos do estado de Minas Gerais, Bruno cumpre pena de 22 anos e três meses pela morte de Eliza Samúdio em 2010. Mas, com a progressão por dias trabalhados, a liberdade poderá ser respirada já em 2018, segundo seus cálculos. Bruno está sem advogado no momento, mas juristas consultados pela reportagem atestaram ser possível que o goleiro consiga o regime semiaberto em 2018, como o próprio almeja.
O goleiro recebeu a reportagem do GLOBOESPORTE.COM entre as suas
funções na limpeza da capela e a prova de soldador. A rotina começa às 6h, tem
três paradas para oração, refeições e horário de lazer a partir das 18h. De lá,
acompanha jogos pela televisão, com misto de saudade do Flamengo e paixão pelo
Atlético-MG, este estampado na meia que usou durante a entrevista e na calça
que sujou de terra com as defesas no treinamento também registrado pela
reportagem.
- Reconheço que eu tenho que pagar a minha dívida
com a Justiça. Tudo que aconteceu vai servir de experiência. Eu vou voltar.
Chega de sofrer, sabe? Eu sofri muito e fiz muitas pessoas sofrerem.
Do
sistema de presídio comum, onde passou cinco anos entre as penitenciárias
Nelson Hungria e Francisco Sá, sobraram traumas e lembranças ruins. Tentativa
de suicídio, uma facada que deixou marca e depressão tratada com remédios.
Agora, foco no trabalho, nos cursos e nos treinamentos na Apac (Associação de
Proteção e Assistência ao Condenado), uma ONG que administra prisões e trabalha
em conjunto com diversos estados e os respectivos tribunais
de justiça buscando "a humanização no cumprimento das penas
privativas de liberdade". O método tem inúmeros elementos, mas
principalmente a confiança no detento, que passa a ser tratado pelo nome, usa
crachá, não enverga uniformes da secretaria penitenciária e não passa pelas
privações e lotações do sistema comum.
Dados da Secretaria de Estado de Defesa Social apontam que os
presos da Apac, chamados de recuperandos, custam ao estado um terço dos presos
do sistema comum. Isso ocorre porque os próprios detentos cuidam da
alimentação, limpeza e todos os demais afazeres da cadeia. São eles que fazem o
pão e a comida, a limpeza e a pintura, a manutenção das instalações e cuidam
até da portaria, por isso a per capita por condenado é considerada baixa. Além
disso, trabalham com artesanato, confecção de tapetes, origami, aulas de
violão, coral, diversos cursos profissionalizantes, capacitação à distância e
educação em vários níveis com professores voluntários que marcam presença
diariamente entre as grades.
O trabalho diário, a disciplina e o bom tratamento com a família,
que não precisa passar por revistas como o agachamento em espelhos no caso das
mulheres, fazem com que o índice de recuperação gire em torno de 85%. Hoje no
sistema comum estima-se que mais de 70% voltam a reincidir no crime.
Sem o convívio com armas e algemas por perto -
não há polícia e agentes penitenciários -, o clima é bem mais leve. A religião
é aliada na recuperação. A disciplina, o carro-chefe. Quem se atrasa para as
atividades perde benefícios como ligação para familiares e momentos de lazer,
como ver televisão. Isso tudo controlado pelo CSS, o Conselho de Sinceridade e
Solidariedade, espécie de órgão regulador administrado pelos próprios detentos.
Outra grande diferença para o sistema convencional está na taxa de ocupação. No
sistema fechado da Apac de Santa Luzia, há espaço para 120, mas atualmente há
apenas Bruno e outros 92.
Bruno está sem advogado no momento, mas
especialistas consultados pela reportagem atestaram ser possível que o goleiro
consiga o regime semiaberto em 2018, como o próprio calcula em função da
progressão de pena
- Aqui nós temos no máximo 200 presos (contando regime
fechado e semiaberto), enquanto no sistema comum chega a 2 mil, 3 mil por
complexo. Então a gente acaba sabendo qual é a dificuldade de cada um. Na Apac
todos os recuperandos fazem a segurança. Por isso que as chaves estão na mão
deles. Todos têm uma função de confiança, o porteiro, o cozinheiro, o
padeiro... Rebelião nós nunca tivemos, fuga tem, até porque nós estamos
trabalhando com ser humano, uns bem resolvidos, outros nem tanto. Mas muito
pouco perto do que acontece no sistema convencional. Ano passado, por exemplo,
não tivemos fuga. É a confiança que leva a isso tudo. Se você compartilha a
responsabilidade, eles se sentem co-gestores da situação - afirma Humberto
Andrade, diretor de segurança da Apac de Santa Luzia.
- O mais bacana é quando você esbarra com um preso em liberdade na
rua e vê o cara recuperado, trabalhando, com família forte - emenda Alexandre
Nery, um dos voluntários que trabalham sem receber na Apac.
Cada preso tem direito a visita íntima a cada 15
dias. O contato com a família por telefone se dá três vezes por semana, com
ligações de cinco minutos, tudo dentro da lei de execução penal. Nas primeiras
terças-feiras de cada mês acontece o dia do ato socializador, quando os
recuperandos ficam trancados para lembrarem do sistema comum. É neste ambiente
que Bruno tenta se recuperar do crime cometido em 2010.
- Com um erro cometido, eu fiz pessoas sofrerem.
Uma decisão meio que inconsequente, eu fiz pessoas chorarem. Eu vou lutar e vou
dar a volta por cima.
Saiba mais
sobre a APAC no vídeo abaixo:
Orientações para visitantes na Apac de Santa de Luzia, onde Bruno está
Nesta conversa com o GLOBOESPORTE.COM,
Bruno não quis transitar pelos detalhes do crime pelo qual foi condenando,
garantindo que está escrevendo um livro com a "verdadeira história".
A amizade com Macarrão é coisa do passado, e o presente aponta conformismo com
a pena.
De volta aos 90kg da época de Flamengo após
chegar a ter perdido 16kg, o goleiro relatou momentos dramáticos pelos
presídios, lembrou com saudade a época do Flamengo, mostrou mágoa com muitos
companheiros do ex-clube, contou como acompanha o futebol atualmente, garantiu
ter perdido todo o dinheiro que juntou na carreira, falou do amor pelo
Atlético-MG, disse que se inspira em Edmundo para suportar a pressão quando
voltar a jogar, afirmou que a primeira coisa que fará quando ganhar a liberdade
é pedir perdão para muitas pessoas e calculou para 2018 o ano em que conseguirá
o regime semiaberto e, consequentemente, a possibilidade de voltar aos
gramados.
Confira a entrevista:
O período
preso
- São cinco anos e nove meses recluso de
liberdade. Um tempo muito grande. Uma vida, uma história. Mas já me serve de
aprendizado. Se a pessoa pegar isso aqui como punição, é bem pior. A pessoa tem
que aceitar para sobreviver nesse lugar.
Quem é o Bruno
hoje?
- Um cara bem maduro, experiente. Um pai, um
filho, um marido. Bem mais responsável que o Bruno de seis anos atrás.
De camisa azul, Bruno no pátio do regime fechado da Apac
Traumas do cárcere
- Quando você chega no sistema convencional, você é muito
maltratado pelos agentes penitenciários, pela direção, mas o que dói mais é
você receber a sua visita, a sua mãe, a sua esposa, e essas pessoas chegarem
chorando. Isso me doía mais, ver o sofrimento da minha família.
Tentativa
de suicídio
- Quando você vai para uma cadeia de segurança máxima, vai para um
lugar chamado COC (Centro de Observação Criminalística). Um lugar de observação
durante 15 dias. Mas eu fiquei 10 meses nesse lugar. Na Nelson Hungria, eu
sempre fui muito perseguido e maltratado. Os agentes penitenciários faziam
muita covardia. A pressão era muito grande. Eu cheguei ao ponto de perder o
equilíbrio, acabei tentando o suicídio amarrando um lençol na grade e me
joguei. Acabou que Deus botou a mão naquele momento ali e não permitiu que eu
tirasse a minha própria vida. Quando eu saltei da ventana, o lençol partiu.
Impressionante. Foi um dos momentos mais difíceis da minha caminhada.
Dificuldade para dormir e o uso de remédios
- Eu tive a infelicidade de me deparar com a depressão. Eu tentava
dormir, virava para um lado, para o outro, o sono não vinha. Eu tentei procurar
uma saída nos remédios. Isso é muito comum nos presídios. Me fez muito mal.
Quando a minha família chegava era nítido como eu estava abatido. Minha mãe se
deparava com aquela situação e chorava muito.
Trabalho dentro da cadeia no
sistema comum
São cinco anos e sete meses recluso de
liberdade. Um tempo muito grande. Uma vida. Mas já me serve de aprendizado. Se
pegar isso aqui como punição, é bem pior. Tem que aceitar para sobreviver"
No sistema comum, aprendi várias profissões. A primeira foi
trabalhar na faxina. Não é muito legal, não, mas era o que tinha para fazer.
Mas eu sabia que era a oportunidade para reduzir a minha pena. Trabalhei na
lavanderia, depois fui para a turma da capina, um serviço bem árduo e pesado.
Mesmo assim era muito oprimido. Você está fazendo a sua função e os agentes
penitenciários ficam em cima de você com fuzil na mão, te oprimindo. Se você
para um pouco para descansar o cara já acha que você vai fugir. E isso dentro
de um presídio de segurança máxima.
Relação com outros presos e
facada
Bruno mostra marca da facada (Fotos: Bernardo
Pombo e Luiz Cláudio Amaral)
- Mente vazia é a oficina do diabo. Eu preferia, mesmo com toda a
dificuldade, estar trabalhando do que estar dentro de uma cela. Fui condenado
pela justiça por um crime no qual a justiça acredita que eu tenha participação.
No sistema comum, o meu relacionamento com outros presos, no início, foi um mar
de rosas. Fiquei quatro anos no pavilhão de trabalho da Nelson Hungria. Passei
seis meses na Francisco Sá e depois voltei para Nelson Hungria, aí sim eu fui
para o convívio, no pavilhão 12, com outros presos. Quando lá cheguei os presos
me olharam com outros olhos. Um dia o Bruno foi amado por muita gente, agora
era odiado por muitos. Devido à irresponsabilidade de algumas pessoas em
programas sensacionalistas, eu fui agredido por terem divulgado inverdades falando
que eu era de um grupo de extermínio (um programa
de TV relacionou Bruno ao grupo de Bola, ex-policial civil e também condenado
pela morte de Eliza Samúdio). Não foi uma coisa muito legal de ser
dita no pavilhão que eu estava. Os caras não queriam nem saber. Para eles,
tirar a vida de alguém lá tanto faz. É a mesma coisa de tirar a vida de um
animal. Num banho de sol, fui agredido. Foi um corte no braço, mas graças a
Deus pegou de raspão. Consegui superar essa situação e vir para
Apac.
Cartas de fãs
- Na Nelson Hungria, nos dois primeiros anos, eu recebia mais de
cem cartas por semana. Com o passar do tempo, vai caindo. E hoje, depois de
quase seis anos, eu ainda recebo cartas de algumas pessoas. São atitudes como
essa que nos fortalecem. Na situação que eu me encontro, a pessoa dar uma
palavra de carinho mesmo sem saber se você é inocente ou não, fiquei muito
feliz. São pessoas assim que nos motivam a dar a volta por cima.
Como acompanha futebol?
Goleiro deu entrevista com meia do Galo (Fotos:
Bernardo Pombo e Luiz Cláudio Amaral)
- Eu vejo jogos. Sou atleticano. Mas acompanho pouco. Na Nelson
Hungria, não assistia. Quando via o Flamengo sofrendo, naquela cela escura e
fria, eu pensava "poxa, poderia estar ajudando os companheiros e por causa
de um deslize meu eu me encontro aqui afastado dos gramados". Aquilo me
doía muito, sofria muito. Só fui voltar a ver jogos com mais frequência aqui na
Apac. Seleção brasileira eu também não acompanho desde 2010 porque todo mundo
sabe que em 2010 eu poderia estar lá. Se falava muito dentro da CBF que meu
nome estava na pré-lista. E devido a uma irresponsabilidade minha, o Dunga
estava assistindo ao jogo contra o Avaí. Eu tinha autoconfiança, fui tentar
driblar o rapaz e o cara quase tomou a bola. Tive que chutar para fora. E por
causa daquele lance me custou muito caro e eu acabei não indo para a Copa de
2010. E a meta era chegar na de 2014 aqui no Brasil. Mas devido ao que
aconteceu comigo fiquei fora. Vejo os jogos do Atlético Mineiro, acompanho. Mas
não consigo ver jogos do Flamengo porque eu poderia estar ali. É até difícil de
falar porque é muito forte, mas devido ao que aconteceu comigo não posso estar
presente.
Bruno torcedor
Vejo os jogos do Atlético Mineiro,
acompanho. Mas não consigo ver jogos do Flamengo porque eu poderia estar ali. É
até difícil de falar porque é muito forte, mas devido ao que aconteceu comigo
não posso estar presente".
- Agora eu posso cornetar, né? A vantagem é essa. Mas quando
alguém falha, fura, eu tento explicar pros caras aqui que é o cansaço, que é
psicológico, que são frações de segundos, mas os caras não perdoam. O Bruno
torcedor é bem mais tranquilo.
Flamengo
- Não guardo mágoa do Flamengo, pelo contrário, agradeço muito ao
Flamengo por ter me ajudado a chegar além. Eu achava que só de ter me
profissionalizado eu já tinha alcançado meu objetivo. A torcida do Flamengo é
diferenciada. Quando entrei no Maracanã pela primeira vez... aquele frio na
barriga de jogar em time grande eu senti do primeiro ao último jogo. Eu sinto
muita saudade de entrar no Maracanã e ver aquele mar de pessoas. Até das
cobranças eu sinto falta. Eu vivi um momento muito marcante.
- Essa pergunta é difícil de responder. Eu tinha
muitos jogadores daquele grupo como meus amigos, mas para muitos eu não passava
de um colega de trabalho. Tem pessoas que marcaram a minha vida e demonstraram
lealdade. O Adriano me ajudou muito, nunca deixou de ser amigo de verdade,
sempre demonstrou preocupação. O Sheik foi um cara que demonstrou carinho. O
Fábio Luciano.. aprendi muito com ele sobre liderar uma equipe. A gente ajudava
o companheiro que tava para baixo, estendia a mão. O Álvaro é amigo. O Juan,
lateral-esquerdo baixinho, é um cara fenomenal. O Zé Roberto era show de bola.
O Marcelo Lomba... Essas pessoas sempre ficaram preocupadas comigo. São pessoas
que eu sinto saudade. Eu não sei se terei um dia a oportunidade de
reencontrá-los, mas são pessoas que vou guardar com muito carinho no meu
pensamento e no coração. Mas as pessoas que eu mais sinto falta são as pessoas
que eu aprendi a ter como minha família, a pessoa que dobra a roupa, a tia da
lavanderia, o cara que cortava a grama do campo, o Gigante, um dos preparadores
físicos, um cara que só dava boas ideias. Eu sei que muitas pessoas ficaram
preocupadas comigo, mas eu quero dizer para essas pessoas que eu estou bem, que
eu estou feliz, independente de estar na situação que eu me encontro hoje. Eu
estou feliz, com objetivo de vida, com metas a seguir. Voltei a ter esperança e
vou lutar até o fim.
Bruno diz que contrato com o Montes Claros já não vale
mais (Fotos: Bernardo Pombo e Luiz Cláudio Amaral)
Adriano
- Falaram que eu teria proibido a entrada do
Adriano na Nelson Hungria. Mas não foi assim. Ele queria me visitar, mas sendo
uma pessoa pública não seria bom para ele. Eu pedi que chegasse essa informação
nele para não deixá-lo ir lá. Quando falaram que ele iria me visitar, houve uma
movimentação muito grande lá na Nelson Hungria. O Adriano é meu eterno amigo.
Mágoa
- A Patrícia Amorim proibiu o meu nome de ser
mencionado dentro da Gávea, mas aquele grupo não precisava falar meu nome na
imprensa. Daquele grupo eu queria ter recebido só uma carta. Independente se
fosse uma crítica, mas eu faria daquilo ali algo positivo. As pessoas
esqueceram do Bruno.
Longe dos gramados há quase seis anos, Bruno treina reposição
de bola (Fotos: Bernardo Pombo e Luiz Cláudio Amaral)
Quase ida para
Europa
- Poucas pessoas sabem que naquele momento eu já
estava praticamente com pré-contrato assinado com o Milan, já tinha aceitado
sair do Flamengo devido a Patrícia Amorim ter mandado o meu treinador de
goleiro embora (Robertinho).
Sem dinheiro
- Muitos acham que eu ainda tenho dinheiro. Mas
devido aos anos recluso e aos problemas que tive nessa caminhada, perdi tudo.
Não tenho vergonha nenhuma de assumir. Tudo que eu tinha conquistado num
período de cinco anos de carreira, nesses seis anos eu perdi. O que sobrou é a
vontade de dar a volta por cima, de vencer, de lutar, de reconquistar. Falando
da parte financeira, talvez eu não chegue onde cheguei um dia. Mas que eu possa
ter o suficiente para cuidar da minha família.
Voltar a jogar
Reconheço que eu tenho
que pagar a minha dívida com a justiça. Quando eu conseguir o semiaberto
eu vou correr atrás do tempo perdido. Tudo o que aconteceu vai servir de
experiência. Eu vou voltar. Chega de sofrer, sabe? Eu acho que sofri muito e
fiz muitas pessoas sofrerem. Mas está na hora de fazer essas pessoas
felizes".
- Se eu tivesse ficado no sistema comum, eu teria
encerrado a minha carreira. Mas depois que eu vim para a Apac, onde tenho
condição de estar treinando, de estar trabalhando, aprendendo novas
profissões... Depois que eu vim para cá eu voltei a ter esperança. Acendeu uma
luz no fim do túnel. Reconheço que eu tenho que pagar a minha dívida com a
justiça. Existem muitas coisas para acontecer nesse processo. Mas quando eu
conseguir o semiaberto eu vou correr atrás do tempo perdido. Tudo o que
aconteceu vai servir de experiência. Eu vou voltar. Chega de sofrer, sabe? Eu
acho que sofri muito e fiz muitas pessoas sofrerem. Mas está na hora de fazer
essas pessoas felizes. Quando eu fui preso, eu não fui preso sozinho. Eu trouxe
a minha família para dentro da cadeia. Um erro cometido, eu fiz todas essas
pessoas sofrerem. Uma decisão meio que inconsequente, eu fiz essas pessoas
chorarem. Eu vou lutar e vou dar a volta por cima.
Clubes
interessados e fim do acordo com o Montes Claros
- Eu brinco que hoje eu posso ter proposta do
Real Madrid, do Barcelona, mas enquanto eu não quitar parte da dívida com a
justiça, nada disso vale. Eu quero viver com os pés no chão, com a realidade.
Lógico que a pessoa tem que sonhar. E eu sonho alto. O meu contrato com o
Montes Claros deixou de ser contrato a partir do dia que eles não cumpriram com
o que estava no contrato. Não foi concedido (o semiaberto para voltar a jogar)
porque eu me encontro no regime fechado. Não deu certo e eu acabei voltando. Os
advogados já falaram que o contrato já não serve para mais nada.
Bruno calcula saída do regime fechado em 2018
Vai sair quando?
- A realidade, com a progressão de regime, pelas
contas que eu faço, é lá para 2018. Lógico que tem muita coisa para acontecer
no processo. Apelação para redução de pena, alguma coisa assim. O que a justiça
achar que é justo, é isso mesmo. Pés no chão, cabeça erguida e bola para
frente.
Treinamento
dentro da cadeia
- A Apac te dá as condições, desde que você
cumpra os seus deveres. Ela te dá as condições para crescer. E como eu era um
atleta profissional de futebol, eu preciso cuidar da ferramenta. Por isso tenho
a oportunidade de fazer um trabalho físico. E com isso inseri outras pessoas.
Além de estar cuidando da saúde da rapaziada, ao mesmo tempo me motiva. Porque
treinar a parte física, algo que o atleta não gosta de fazer, sozinho, com o
passar do tempo, vai diminuindo a vontade. Mas é isso aí, vivendo um dia de cada
vez.
O Bruno
preparador físico
- Eu cobro para os recuperandos aqui sempre
estarem evoluindo. Não é só um treinamento físico para o Bruno. Existem outros
recuperandos treinando. Quando eu vejo um resultado, como um recuperando que
perde 19 quilos e fica satisfeito com seu corpo, isso é gratificante. Não é só
uma questão estética, é uma questão de saúde.
Bruno treina e comanda atividade física ao lado de outros presos
Futebol na prisão
- Eu jogo na linha para manter a parte física e
trabalhar a parte técnica. Sempre fui um goleiro técnico, com capacidade de
sair jogando com a bola nos pés. A gente estava invicto, o Pep Guardiola (é
como chama o Tarcísio, um dos companheiros de cela e treinador da equipe) estava
bem, mas veio um time com uma panela e meteram uma sacolada na gente aqui
dentro. Mas queremos revanche. Não pode perder em casa, não.
O dia em que
tomou um frango na cadeia
- Faz parte. O cara foi chutar lá do meio de
campo, eu fui pegar a bola e ela passou no meio do cotovelo, que tava meio
aberto. Passou debaixo da perna e não ficou muito bom pra mim, não. Os caras me
zoaram muito, pegaram muito no meu pé. Mas eu levei na boa.
Entrada do regime fechado da Apac Santa Luzia, onde Bruno está preso
Pressão pelo crime quando voltar ao futebol
- Se eu falar para você que eu tô pronto, eu vou
estar mentindo. Mas tenho que me preparar a cada dia. Tem pessoas que me
inspiram, que eu pego como exemplo. Tudo que aconteceu na vida do Edmundo, do
Belo, do Guilherme, do Alexandre Pires. Essas pessoas me motivam. Conseguiram
dar a volta por cima. Muitos diziam "a carreira acabou". Mas souberam
lidar com essa situação. O Edmundo, teve um Flamengo x Vasco no Maracanã que
após ele perder um pênalti que eu defendi, eu vi que ele estava bem cabisbaixo,
com a moral baixa, e a torcida do Flamengo começou a pegar no pé. Eu vi que ele
estava exausto psicologicamente. Naquele momento, eu abracei ele, falei
"levanta essa cabeça". Da mesma forma que um dia eu cheguei perto de
um Edmundo, um ídolo que precisava de um incentivo, eu quero acreditar que num
momento difícil que eu vou passar, tenho certeza que certas pessoas podem me
motivar, para trazer uma palavra de força.
Goleiro Bruno diz que, hoje, não estaria pronto para voltar ao futebol
Bruno pai e a família
- Até isso a Apac me devolveu. Além de ter me
devolvido a dignidade, o respeito, me trazido confiança, me devolveu o direito de
eu ver as minhas filhas, a Bruna Vitória e a Maria Eduarda. Eu não vejo o
Bruninho não é porque eu não quero. É porque eu não posso. O sistema comum me
tirou o direito de eu ver as minhas filhas. Fiquei três anos sem vê-las. Fiquei
dois anos sem ver a minha mãe. A Apac restituiu a minha família. Minha família
hoje é a Ingrid, minha esposa guerreira, a minha mãe, que mesmo com todos os
problemas de saúde vem me visitar, minhas filhas, meus tios. Eu incluo o meu
sogro, o pai da Ingrid. Desde o primeiro dia ele falou: "eu tô deixando
minha família namorar não é com o goleiro do Flamengo. É com o Bruno. Não pisa
na bola, não". E eu pisei. Mas ele me deu uma nova oportunidade e depois
que aconteceu tudo isso comigo, ele abraçou a causa, independente se eu estava
certo ou errado.
Presos da Apac de Santa Luzia fazem artesanato e pintura
(Fotos: Bernardo Pombo e Luiz Cláudio Amaral)
A ida para
Apac
- No sistema comum, quando eu já estava a ponto
de me entregar, Deus usou o Humberto Andrade (um dos diretores da Apac de Santa
Luzia) para me resgatar naquele lixão. O sistema convencional é isso, um lixão,
um depósito de gente. Na Apac, a pessoa consegue mudar de vida. Deixei de ser
tratado como um número. Me devolveram meu nome. Deixei de usar um uniforme
vermelho da Suapi (Subsecretaria de Administração Prisional) e voltei a usar a
roupa que eu gosto. Na Apac você não pode raspar a cabeça. Tem que manter um
corte de cabelo, a barba bem feita. Aqui a pessoa tem que querer mudar. O
presidente Gustavo Salazar, o vice-presidente Hilton. Todos me trataram muito
bem. E sem falar nos recuperados, pessoas que me ajudaram muito, como o Ivo
Marcos, o Tarcísio, que me ensinou muita coisa, as regras e a disciplina daqui,
e o Alonso, que é um cara sensacional. Tenho certeza que com ajuda dessas
pessoas vou sair daqui uma pessoa bem melhor. Aqui você vê resultado. No
sistema comum, uma pessoa entra um ladrão de galinha e sai um megatraficante.
Na Apac, se mata o criminoso e recupera o homem.
Na Apac de Santa Luzia, presos precisam cumprir normas
de limpeza
Primeira coisa
a fazer quando ganhar a liberdade
- A primeira coisa que eu vou fazer é pedir
perdão para todas aquelas pessoas que eu devo perdão. Eu devo muita satisfação
para muita gente. Mas é pedir um perdão verdadeiro, do coração mesmo. É a
primeira coisa que vou fazer quando chegar lá fora.
Onde vai
morar?
- Com certeza quero voltar para o Rio. A minha
esposa mora lá. Assim que ganhar a minha liberdade quero ir para lá. Nem que
seja para passar um tempo. Depois começar a colocar a minha vida em ordem. Aí
sim pensar o que eu quero para minha vida.
Escrevendo um livro
(No livro vai contar) O
que realmente aconteceu, a verdadeira história que quase ninguém sabe
- Quando aqui cheguei, tive a oportunidade de
conhecer um menino chamado Bruno Carlos. Ele falou: "Poxa, Bruno, por que
você não faz um livro? Eu até comecei a fazer esse livro na Nelson Hungria, mas
era tanta porrada, um dia a dia tão pesado, que acabou que toda vez que tinha
uma geral na minha cela eles rasgavam tudo. Eu perdi o material e isso me
desanimou. Mas quando aqui cheguei, nós iniciamos esse livro, começamos a
escrever. E tá saindo. É um livro que vai surpreender muita gente. Vou falar
sobre tudo. Sobre a infância do Bruno, como o Bruno profissionalizou no
Atlético, a minha saída do Atlético, o que realmente aconteceu já que ficou um
clima ruim e a torcida até hoje não sabe por quê eu saí. A minha ida para o
Corinthians e o que aconteceu lá, o tempo que eu passei no Flamengo, os
bastidores, o que acontecia no dia a dia, festas. Posso acrescentar alguma
coisa do fato que aconteceu comigo, o que realmente aconteceu, a verdadeira
história que quase ninguém sabe. Mas eu não posso fazer um livro sem um final
feliz. Eu não posso fazer um livro e simplesmente terminar dentro da cadeia.
Todo livro tem que ter um final feliz, e eu estou esperando esse final
acontecer na minha vida.
Goleiro usa calça do Galo no treinamento
Bruno trabalha a parte física em circuito montado por ele
mesmo
Bruno treina diariamente a parte física
Bruno orienta os outros presos no trabalho físico na Santa
Luzia
Goleiro repete as atividades da época de jogador
Goleiro Bruno na Apac de Santa Luzia
Bruno nas cobranças de falta: quatro gols na carreira
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