A exatamente um mês da comemoração nacional pela Queda da Bastilha, episódio central da Revolução Francesa em 1789, a nação que se orgulha do lema "liberdade, igualdade e fraternidade" tem três desafios para conduzir a organização da Eurocopa num ambiente agradável para jogadores e torcedores: a convulsão social no país, as ameaças de ataque terroristas e o risco de novos confrontos entre torcedores como foi registrado em Marselha na semana passada, entre ingleses e russos.
Bandeira da França pintada em protesto contra as reformas trabalhistas: "Camisa oficial Euro 2016: Fabricação € 5,85. Preço de venda € 85. Salário do trabalhador € 0,65. Escravagismo moderno" (Foto: BORIS HORVAT / AFP)
Uma greve geral nesta terça-feira, combinada com manifestações contra as propostas de mudanças nas leis trabalhistas, nas ruas de Paris, Nantes, Rennes, Tolouse, Bordeaux, Marselha, entre outras cidades, esquentou o clima no país-sede. Isso menos de 24 horas depois do assassinato do chefe de polícia de Magnanville, subúrbio da capital, morto a facadas, assim como sua mulher. O filho do casal sobreviveu ao ataque transmitido ao vivo por uma rede social e definido como terrorista, parte da estratégia do grupo terrorista Estado Islâmico, o Isis. Posteriormente, foi encontrada na casa do criminoso uma lista de possíveis alvos, com personalidades famosas, como jornalistas e rappers, assim como outros agentes de segurança. Diante do cenário na França, a Uefa responde que está tudo sob controle.
- Em relação às greves, não houve qualquer interrupção significativa até agora. A proteção e a segurança de todos os participantes da Eurocopa 2016 são nossas prioridades - comunicou a Uefa em resposta aos questionamentos da reportagem sobre a influência dos problemas na organização do torneio.
Em meio à Euro, manifestantes mascarados protestam contra as reformas trabalhistas (Foto: ALAIN JOCARD / AFP)
QUESTÃO RUSSA
Fora de campo, ainda há um problema diplomático para as autoridades francesas resolverem. Multados pela Uefa e com um aviso prévio de eliminação da Eurocopa em caso de reincidência de tumultos com seus torcedores dentro dos estádios, os russos reagiram. Em Lille, onde a seleção enfrenta a Eslováquia na quarta-feira, às 13h (de Brasília), o atacante Dzyuba questionou as acusações, principalmente da mídia inglesa, de que só os seus compatriotas são culpados pelas brigas em Marselha.
Torcedor com camisa escrita "Russos não se rendem" é levado preso (Foto: REUTERS/Eric Gaillard)
Enquanto isso, o ativista de extrema-direita russo Alexander Shprygin, ligado aos hooligans de seu país e que teria credencial da delegação russa, disparou reclamações em sua conta no Twitter por causa da operação da polícia francesa que deteve preventivamente um ônibus com torcedores que passavam por Cannes a caminho de Lille. De acordo com a agência de notícias Reuters, ele disse que as forças de segurança estão tentando desfazer os erros de três dias atrás.
Torcedor russo é levado por carro da polícia, em Cannes (Foto: REUTERS/Eric Gaillard)
- Eles pararam nosso ônibus e mandaram todos saírem, em busca de armas e drogas, checando os documentos. Eles estão fazendo a deportação de duas mulheres que nada têm a ver com tudo isso. Chamamos o cônsul e estamos nos recusando a sair do ônibus - escreveu, antes da intervenção oficial para negociar com as autoridades locais, e reclamou mais em seguida. - Nós somos o grupo oficial de torcedores russos! Isso é um circo! Estão os chefes de fã clubes no nosso ônibus! Todos estão sendo deportados! Ninguém que participou da violência em Marselha foi detida. Mas agora estão deportando todos os torcedores russos em três dias.
A pouco mais de 40 quilômetros de Lille, está Lens, local da próxima partida da Inglaterra, contra País de Gales, no dia seguinte, quarta-feira, às 13h (de Brasília). Apesar da proximidade, a Uefa diz no comunicado enviado à reportagem que "não há uma lista de jogos com risco maior para divulgar".
FATOR INGLÊS
Notificados num primeiro momento pela confusão em Marselha, os ingleses não foram multados pelo Comitê Disciplinar da Uefa (CEDB), tampouco levaram o aviso prévio de eliminação em relação ao comportamento de seus torcedores nas próximas partidas. Questionada sobre a diferenciação no tratamento, a Uefa apenas reenviou os comunicados oficiais divulgados logo depois das brigas, onde se lê que o "comportamento inaceitável de chamados torcedores das seleções de Inglaterra e Rússia não têm lugar no futebol, um esporte que devemos proteger e defender". Nos documentos, ameaçava as federações com a eliminação em caso de reincidência e exigia que orientassem seus fãs a serem responsáveis e respeitosos.
De acordo com o comunicado desta terça-feira, a sanção se restringe a brigas dentro do estádio. Logo, conclui-se que o Comitê de Disciplina da Uefa (CEDB) julgou que os ingleses não tiveram culpa pela confusão dentro do estádio Velódrome durante a partida entre as seleções. A medida foi interpretada pelos russos como favorecimento aos ingleses. Nesta terça-feira, os torcedores da ilha, junto com os também britânicos de País de Gales, brigaram com russos em bares de Lille.
Torcedores ingleses durante briga em bar, em Lille, na última terça-feira (Foto: REUTERS/Pascal Rossignol)
Na segunda-feira, o técnico Roy Hodgson e o atacante Rooney gravaram mensagens fazendo apelo aos torcedores ingleses para que não se metam em confusões.
- Eu gostaria de pedir aos torcedores para, por favor, não viajar se não têm ingressos. E para torcedores com ingressos, mantenham-se seguros, sejam sensíveis e continuem com grande apoio - disse Rooney em vídeo divulgado pela Associação de Futebol (FA) de seu país, mesma postura adotada pelo técnico russo Leonid Slutski na segunda e na entrevista coletiva desta terça.
BAIXO ASTRAL
Schurrle durante aquecimento na estreia
da Alemanha: "Queremos jogar futebol"
(Foto: REUTERS/Pascal Rossignol)
da Alemanha: "Queremos jogar futebol"
(Foto: REUTERS/Pascal Rossignol)
Como um gás lacrimogênio atirado pela polícia para dispersar confusões como as que enfrentam os franceses durante a organização da Eurocopa, o clima de lamentação pelos problemas com a violência começa a atingir outras seleções.
- Não é disso que precisamos, não é o que queremos. Queremos jogar futebol, queremos os torcedores no estádio, queremos que os torcedores queiram ir para o estádio. Não queremos violência e coisas do tipo. Espero que eles saibam disso agora e que sejam amistosos no próximo jogo - disse o atacante alemão Schürlle ao sair da vitória sobre a Ucrânia, no último domingo.
Antes mesmo de estrear, na segunda-feira, o veterano atacante irlandês Robbie Keane se mostrou desanimado e decepcionado com a situação.
- Se custar um lugar no torneio, isso é decepcionante, obviamente, porque você trabalha tão duro para chegar lá como uma equipe, uma nação. E, então, você vê algo como isso. Não é bom de ver. Você deixa todo mundo de baixo astral. Tem apenas alguns poucos que sempre arruinam com as coisas para todos os outros. Então, isso é muito, muito desapontador - disse o irlandês Robbie Keane, em entrevista coletiva.
SOMBRA TERRORISTA
Como uma sombra que paira sobre os estádios, o terrorismo também se faz presente, ainda que sem qualquer confirmação das ameaças. Nos jogos em Paris, mais de uma vez houve suspeita de bomba. O centro de imprensa do Stade de France teve que ser evacuado horas antes do jogo de abertura entre França e Romênia para uma inspeção - de rotina, segundo as autoridades -, assim como um setor do estádio foi vasculhado previamente ao jogo Suécia x Irlanda. No Parc des Princes, um artefato explosivo estourou perto do gol croata. Mas a pouca fumaça e o barulho deixaram claro que se tratava de algo levado pela torcida turca.
Fumaça de bomba atirada pela torcida turca atrás de gol croata: uma das falhas da segurança (Foto: Reuters)
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