Depois de concluir o segundo grau em Cipó, a jogadora foi aprovada no vestibular para engenharia da Universidade Estadual da Bahia. Convocada para o Mundial Sub-20 da Alemanha, de 2010, conheceu a lateral-esquerda Leah Lynn, que se tornou famosa por tomar impulso para a cobrança de laterais dando cambalhotas. Filha de pais americanos, mas nascida em São Paulo, Leah mostrou a Rafaelle o caminho das pedras para poder obter uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. "Conversava muito com ela, e ela via o meu interesse por estudar. O pai dela me indicou para a Universidade do Mississipi"
Desde pequena, Rafaelle Leone Carvalho Souza, zagueira da seleção brasileira de futebol, soube que teria que dar exemplo. Filha da professora de matemática e sobrinha da diretora da escola onde estudava, em Cipó, na Bahia, tratava de tirar boas notas. As dificuldades financeiras também a pressionaram a dividir bem o seu tempo entre a paixão pela bola e os estudos. "Eu sempre quis ter uma vida menos difícil financeiramente, vendo o aperto em que meus pais viviam. E nunca achei que ia mudar de vida jogando bola. Jogava porque gostava, na rua, com os meninos, na escola".
Os dois interesses proporcionaram a união entre o útil e o agradável. Hoje, a defensora é engenheira civil, um nível de instrução raro no futebol. "Não conheço nenhuma outra jogadora-engenheira", diz Rafaelle, hoje mais exemplo do que nunca.
A mudança foi fundamental para Rafaelle conciliar estudos e bola. "No Brasil era difícil fazer as duas coisas, porque a faculdade era em tempo integral. Concluí o curso em um ano e meio nos Estados Unidos. Gostei muito da mentalidade deles. Sabem valorizar os atletas. Quando faltava a alguma aula para competir, escalavam professores particulares para completar o conteúdo. Os laboratórios também eram de primeira".
A engenheira é muito admirada por suas colegas. "As meninas acham o máximo. Dizem que sou fera e que vão me chamar para construir a casa delas", sorri. Quando pode, Rafaelle incentiva as amigas a estudar. "Sempre recomendo que estudem, para que não fiquem sem fonte de renda quando pararem com o futebol. Com a seleção permanente, não dá mesmo para elas fazerem faculdade agora. Ao menos algumas delas fazem um curso de inglês on line, para poderem se comunicar se forem jogar no exterior".
Rafaelle nota que tem mais facilidades para entender recomendações táticas e para se concentrar nos treinos. "Para fazer algumas movimentações, você tem que estar focado, memorizar instruções. O futebol exige bastante da parte psicológica e do intelecto. As meninas demoram mais para pegar alguma coisa que o técnico fala, talvez por causa da falta de instrução. Acho que a experiência que tive estudando me ajuda no campo, sim".
Depois de se formar, Rafaelle trocou o futebol universitário pelo profissional, assinando contrato com o Houston Dash. "O futebol feminino lá tem muito apoio. Meu time universitário tinha patrocínio. Voávamos com avião particular, ficávamos em ótimos hotéis, o estádio lotava".
No início do ano passado, a atleta tinha um pré-contrato com o Kansas City, mas abriu mão para aceitar a convocação da seleção brasileira, que está treinando em regime permanente, concentrada num resort em Itu. No final do ano, entretanto, não conseguiu resistir a uma polpuda proposta do Changchun, da China.
"O que pesou mesmo foi a proposta financeira. É cinco vezes mais do que se ganha no Brasil. Lá a gente consegue viver do futebol. No Brasil, é complicado". Antes de aceitar a oferta chinesa, Rafaelle viveu um dilema. Ela acha que corre o risco de não ir à Olimpíada por ficar "escondida" na China. "Vou estar jogando longe. Ninguém vai me ver. E vão chamar outra jogadora para a seleção permanente, que acho que vai ficar mais perto de uma convocação".
Uma conversa com Vadão, o técnico da seleção feminina brasileira, a tranquilizou. Ademais, cerca de 30% das convocadas estão jogando no exterior. A certeza da presença na Olimpíada, no entanto, ela só poderá ter no final de junho, quando o treinador vai divulgar a lista final.
A jogadora acredita que a opção pela seleção permanente está dando resultados. "Antes a seleção dependia mais de duas ou três jogadoras mais capazes e qualificadas para resolver", diz Rafaelle, citando Marta, Cristiane e Formiga. Hoje eu vejo nosso time mais como um grupo. Claro que essas três ainda são muito importantes e nos ajudam pra caramba, mas a dependência em relação a elas diminuiu".
Esse progresso leva Rafaelle a acreditar na possibilidade de conquista de mais uma medalha olímpica, apesar de uma relativa decadência da seleção, eliminada nas oitavas de final do Mundial do Canadá, no ano passado, pela Austrália. O Brasil conseguiu a medalha de prata em Atenas-2004 e Pequim-2008.
"Acho que temos condições de buscar uma medalha sim, não só pela história. Empatamos recentemente com as campeãs mundiais (Estados Unidos, em outubro, em Seattle), tendo mais posse de bola e finalização. Acho que o futebol é muito injusto e o resultado às vezes não demonstra o que se produz em campo. Fomos eliminadas pela Austrália por causa de uma única falha. Foi o único gol que tomamos no Mundial".
Depois dessa triste experiência e de meses de treinamento puxado na seleção permanente, Rafaelle, já aproveitando a saúde robustecida de sua conta bancária graças ao Changchun, deu uma de Mamãe Noel em Cipó, distribuindo brinquedos a crianças carentes na Escolinha de Futebol Feminino Cipoense. "Não há nada que possa me proporcionar uma alegria maior do que ver o sorriso de uma criança, que passaria o Natal em branco, recebendo um presente", diz a jogadora baiana, que pretende deixar o diploma repousando numa gaveta até pendurar as chuteiras. "Vou querer com certeza trabalhar na minha área. Gosto bastante e me dediquei muito para me formar".
Fonte Ig Esportes - Postagem: Flavinho Leone / Arildo Leone
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