*Rangel Alves da Costa
Era uma vez uma governante tão má, mas tão má, que a madrasta da Branca de Neve seria um anjinho perto dela e todas as bruxas malvadas dos contos de fada seriam verdadeiras doçuras se a ela comparadas.
Era uma vez uma governante que reinava num reino tão corrupto, mas tão corrupto, que o reinado mais lamacento que pudesse existir parecia um poço de honradez perante o dela. E o pior é que ela jurava ser a mais honesta, a mais ilibada, a mais perfeita das criaturas.
Era uma vez uma governante que reinava num reino tão submisso, tão escravizado e sofrido pelas suas perseguições, pelo seu abandono e sua incoerência nas palavras e nas ações, que nem o Reino da Rataria perdia para aquele do atraso e da ruína.
A governante era tão má, tão sórdida e arrogante, que os serviçais, mesmo reconhecendo o barril de pólvora em que viviam, quando todo o feitiço de repente poderia virar contra a feiticeira, temiam dizer qualquer coisa que enfurecesse a prepotente. Todos temiam pelas suas cabeças.
Tão ruim era essa governante que sua feição rude, sempre áspera e aterradora, parecia petrificada. Negava-se sempre a sorrir, jamais mostrou um gesto de bondade aos seus súditos, tratava com desprezo a todos aqueles que lhes deviam submissão. Mas também a todos do reino, fossem da burguesia ou desempregado.
Dizem que a governante má possuía um espelho, barbudo e levado a gostar de tomar pinga e falar besteira, onde procurava aconselhamento antes de tomar qualquer decisão. Um dia, quando perguntou ao espelho se ela tinha vida longa no seu reinado, ele respondeu: Tão longa quanto a minha. E a minha...
A governante má enfureceu-se ante tais palavras, pegou uma daquelas pedras que jogava no povo e fez menção em arremessá-la perante o seu confessor e protetor. Então o espelho falou: Tanto faz que atire ou não. Todos já estamos estilhaçados e não vai demorar muito para que a botina do povo e da justiça pise sobre nós.
A governante má chorou três dias e três noites depois disso. E por isso aparecia em público com olheiras, com olhar ainda mais malévolo, mas na boca as palavras de sempre: Nada temo porque sou a melhor, a mais honesta, a mais íntegra entre todas as governantas. Nada temo porque daqui não saio, daqui ninguém me tira...
Não sabia a má governante que o seu destino já estava sendo traçado desde muito. Um dia, o Conselho do Povo se reuniu às escondidas para deliberar se desejavam continuar naquela situação de penúria, corrupção e sofrimento, ou se pretendiam lançar à sorte nas mãos de qualquer outro governante.
Após a votação, foi decidido que daquele momento em diante ninguém mais obedeceria às ordens da arrogante. E mais: que ela, sendo expulsa do palácio real, outro destino não teria senão o da Selva do Esquecimento, onde prazerosamente seria lançada.
Então, antes que o povo invadisse o palácio, a governante má se avistou mais uma vez com o seu quebradiço e amedrontado espelho, para ouvir: Já arrumou seus panos de bunda então trate logo de ir embora. Eu também já me vou, pois sei que a qualquer momento chegam aqui para derrubar a parede onde me sustento.
E assim a agora ex-governante má tomou o rumo da Selva do Esquecimento. Nenhum bajulador quis acompanhá-la na desdita de pagar o preço por toda a maldade feita contra o reino e contra o povo. Então, na moradia do esquecimento, como não tinha a quem maltratar, encontrou um meio de tirar o sossego e escravizar tudo o que houvesse ao redor.
Disse que era dona de tudo e quem mandava era ela, por isso começou a ser arrogante contra os animais da selva como fazia com os súditos e submissos do seu antigo reino. Então apareceu uma malandra e sórdida jararaca, que foi logo reconhecida, e falou baixinho: Cuidado. Você não manda mais em nada e de agora em diante é tudo diferente. E tem bicho grande querendo lhe pegar.
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