A pinguela caiu. Michel Temer deve sair da Presidência da República. Se não por vontade própria, deve ser apeado pelos poderes constituídos. Se estes falharem, o povo fará o serviço. Não há cenário em que um presidente gravado avalizando subornos mensais pelo silêncio de políticos presos e recomendando emissários para a discussão de propinas semanais de R$ 500 mil nos próximos 20 anos possa permanecer em seu posto.
Temer quis passar para a história como um presidente promotor de reformas essenciais para o país. Pretendia reescrever sua biografia. Do político bom de bastidores, mas ruim de palanque, só eleito para o seu último mandato na Câmara Federal graças aos votos da coligação, o futuro ex-presidente queria posar como o homem que fez as coisas andarem novamente.
A Presidência da República não foi sua primeira manobra neste sentido. Em 2004 disputou sem sucesso a prefeitura municipal de São Paulo como vice na chapa liderada por Luiza Erundina, hoje no PSOL. Dois anos mais tarde, tentou fazer o PMDB ter candidato próprio à presidência.
Cercado de expectativas, Michel Temer iniciou seu governo sendo comparado a Itamar Franco. Henrique Meirelles, seu Ministro da Fazenda e ex-banqueiro central de Lula, era jocosamente chamado de “presidente” por amigos e colegas, uma referência ao caminho de Fernando Henrique Cardoso após o Plano Real. A expectativa era que a economia tivesse uma retomada – algo que está ocorrendo – e Meirelles se tornasse popular junto à população.
Mas havia um Cunha no meio do caminho. O notório deputado sempre foi habitué do grupo político de Michel Temer. Ao ter seu mandato cassado, ser preso e condenado a uma longa pena, o congressista fluminense não cansou de mandar recados ao governo. Afirmou que ficaria conhecido por “derrubar dois presidentes do Brasil”. Deu a entender que o grupo formado pelo presidente e três ministros, todos um dia deputados, havia o abandonado e isso “não ficaria assim”.
Acuado, Temer fez demonstrações explícitas de lealdade ao seu aliado preso. Conduziu o inexpressivo André Moura (PSC-SE), próximo a Cunha, ao posto de líder do governo. Gustavo do Vale Rocha, que já foi advogado de Eduardo Cunha, foi indicado para o Conselho Nacional do Ministério Público.
Assim como Richard Nixon, a bala de prata contra o seu mandato veio na forma de uma fita. Tal qual o ex-presidente americano, seu mundo caiu ao tentar proteger os seus e obstruir a justiça, como se as investigações em curso fossem um acidente pavoroso.
Temer terminará sua breve passagem pela presidência fazendo sombra a políticos como Alberto Fujimori e Bettino Craxi. Ambos lideraram o seu país, e, acossados por investigações e gravações comprometedoras, fugiram às pressas. Fujimori saiu do Peru para o Japão. Craxi procurou asilo da Operação Mãos Limpas na Tunísia. Descendente de libaneses, não é difícil de imaginar onde o marido de Marcela Temer buscará refúgio.
Não há outra opção para este governo, ele deve cair, e aqui vão quatro motivos para isso:
1. Império da Lei
O Império da Lei é o princípio jurídico que prega que as decisões de uma nação devem ser tomadas em respeito às leis. Se contrapõe ao “Arbítrio dos Homens” que prega decisões seguidoras da interpretação unilateral dos membros do estado sobre o que seria adequado a cada momento.
Um país com Império da Lei não permite que sua legislação crie diferenciações entre governantes e governados. A lei deve ser aplicada a todos, sobretudo a quem as escreve.
Ao assentir com uma mesada a fim de comprar o silêncio de Eduardo Cunha, Michel Temer cometeu o crime de obstrução de justiça. Mais do que isso, Temer também teria sido gravado na prática de corrupção passiva. Quando Joesley Batista o procurou para resolver um problema em um órgão do governo, o presidente o pediu para procurar um dos seus emissários, que negociou propinas semanais de R$ 500 mil!
Diante das evidências, Temer deve ser julgado de acordo com o que a lei estabelece no Art. 86 da Constituição Federal. A denúncia deve ser aceita por 2/3 da Câmara dos Deputados e enviada para apreciação do Supremo Tribunal Federal, responsável por julgar os crimes comuns do presidente.
2. Ou há reformas, ou há o governo Temer
Em reservado, técnicos da equipe econômica comentam que as reformas estão comprometidas. A consultoria de risco político Eurasia Group compartilha a mesma visão. Os investidores na bolsa de valores pensam o mesmo e o circuit breaker – mecanismo que interrompe o pregão na bolsa após baixas acentuadas – já foi ativado.
Não há meio possível do governo Michel Temer aprovar estas reformas. Se ainda lutar para permanecer em pé, todo o seu capital político será gasto ambicionando sua própria salvação, piorando ainda mais o estado das contas públicas. Não é difícil imaginar que a política de porteira aberta seja adotada em troca de votos e proteção.
Além disso, é impossível mensurar quanto tempo e energia foram gastos costurando acordos escusos a fim de golpear a Lava-Jato, deixando de lado o essencial. Um governo que a todo momento deve se explicar à polícia não será capaz de explicar ao público como está mudando tanta coisa em tão pouco tempo.
Será impossível para o cidadão médio aceitar que Temer capitaneie uma reforma da Previdência, enquanto sua aposentadoria seria garantida com 500 mil reais semanais pagos pela JBS.
De fato, este governo maculou uma competente equipe econômica com seus desvios para proteger a classe política. Boas propostas podem ser para sempre associadas aos desmandos e desvios de Michel Temer e sua trupe. Insistir neste modelo será pior para o Brasil.
Reformas desse calibre não nascem da noite para o dia. Apesar de serem alvo de gritaria e esperneio, no final, emergem em algum nível de consenso sobre o que precisa ser feito. Não é à toa que, antes do impeachment, o governo do PT prometia um teto de gastos e uma reforma da Previdência. E foi por esse mesmo motivo que Lula fez o maior superávit primário da história quando sentou no governo.
3. O Brasil precisa de uma transição, não de um acordão
Ao final do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e seu companheiro de chapa estavam brigados. Sem influência dentro do governo, Itamar já havia se desligado do PRN, o partido de Collor, antes do processo aprovado pela Câmara dos Deputados.
Mineiro de Juiz de Fora, Itamar nunca foi próximo à República de Alagoas, que dominou a máquina estatal no mandato de Collor. Tal distância foi vital para que sua condução do governo não fosse comprometida pelos atos pretéritos do seu antecessor.
Ao nomear Fernando Henrique Cardoso ministro da Fazenda e bancar o Plano Real, Itamar não parou a máquina do governo para tentar tirar PC Farias da prisão. Muito menos maculou o bom nome da equipe que montou o Real erigindo um governo formado por cleptocratas.
O Brasil não pode ter uma administração que tenha como principal missão colocar em prática um grande acordo, protegendo o Lula, protegendo todo mundo. Ainda mais neste momento, quando precisamos de um governo que entenda seu papel e seja capaz de realizar uma transição no mar revolto que nos espera até 2018.
4. Temos que deixar de ser uma República de Bananas
O Brasil tem que se tornar um país sério e fazer suas instituições funcionarem. Algo assim só ocorrerá quando a estrutura erguida com base no aumento do Estado a fim de garantir privilégios, favores e subsídios e os que a protegem caírem.
Retirar Michel Temer do seu cargo é uma condição necessária para que o Brasil deixe de ser uma República de Bananas.
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