Ser empreendedor está na moda. Programas, reportagens e até mesmo uma série de documentários prometem te ensinar como empreender.
O empreendedorismo também é apontado como a solução de boa parte dos desafios que nós temos. A chave para sair da crise? Empreendedorismo. Resolver os problemas sociais? Empreendedorismo. Quer ficar rico? Seja um empreendedor.
O fenômeno é tão grande que criou até um subtipo: o empreendedorismo de palco. Misturando autoajuda e dicas de administração, os empreendedores de palco vendem palestras, livros, e cursos prometendo ensinar o segredo para abrir seu próprio negócio e ficar rico.
Apesar do momentum ser novo, o ato de empreender definitivamente não o é. Na pré-história, índios que viviam no litoral do atual território brasileiro trocavam sambaquis por cerâmicas com as populações que viviam no interior. Os habitantes da Ilha de Marajó, por sua vez, construíram entre 400 e 1400 uma complexa rede comercial, trocandoartefatos até com moradores das ilhas do Caribe. De fato, há evidências de que uma das principais vantagens do ser humano sobre o neandertal foi sua capacidade de fazer comércio.
A despeito de ter sido uma das primeiras atividades humanas a gerar ganhos mútuospara os envolvidos, poucas profissões se tornaram tão odiadas como a do empreendedor. Inimigos de classe, exploradores, gananciosos, abusadores e às vezes simplesmente “malvados” são os adjetivos mais comuns para descrevê-los.
O Partido da Causa Operária (PCO) usa como slogan a frase “quem bate cartão, não vota em patrão”. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) afirma que os empreendedores são inimigos dos empregados. Gleisi Hoffman, senadora pelo PT do Paraná, acreditaque a crise foi causada pelos empresários. Para o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, os donos de negócios são os responsáveis pela caótica situação do país.
Para o bem ou para o mal, empreendedores não têm uma vida tão fácil e poderosa, como os seis fatos abaixo demonstram.
1. A maior parte dos empreendedores são negros donos de microempresas.
Não é incomum que nas charges publicadas por sindicatos o empreendedor seja um indivíduo branco, gordo, adornado com uma cartola, segurando um charuto fumado compulsivamente em uma mão e com a outra erguendo um chicote para castigar seus múltiplos funcionários.
É difícil encontrar algo mais distante da realidade do que essa representação. Ao contrário da visão propagada por partidos políticos e sindicatos, o empreendedor médio do Brasil é negro, dono de uma microempresa e começou seus negócios mais por necessidade do que por ter uma ideia inovadora.
44% dos empreendedores estudou no máximo sete anos, um tempo inferior ao necessário para terminar o Ensino Fundamental. Com pouca qualificação, se torna quase impossível produzir o suficiente para pagar o próprio salário e os 57% de impostos que incidem sobre a remuneração, restando apenas o trabalho informal.
Em alguns casos, como na crise gerada pelas políticas do Partido dos Trabalhadores, até os empregos sem carteira assinada desaparecem. Nestas situações, o até então empregado se torna empreendedor apenas para continuar tendo alguma renda. Entre 2014 e 2015, o chamado “empreendedorismo por necessidade” subiu de 29% para 44%do número total de empreendedores.
Você já deve ter visto vários deles por aí, vendendo balas no sinal, pipoca no ônibus, oferecendo pequenos serviços de reparo, cortando cabelos e realizando sozinhos uma miríade de atividades. Afinal, 85% dos empreendedores trabalham por conta própria, e não têm funcionários para “chicotear”.
2. Empreendedores não têm direitos trabalhistas.
Férias, jornada de trabalho de 8 horas por dia, FGTS, 13º salário e tantas outras coisas comuns na vida do empregado celetista são completamente estranhas ao empreendedor médio. 43% deles trabalham dez horas por dia. 51% simplesmente não tiram férias e, dentre os que tiram, apenas 3% o fazem por quatro semanas seguidas, como o trabalhador comum.
É verdade que os números vêm melhorando um pouco para o lado dos empreendedores. Entre 2003 e 2016, a jornada de trabalho média saiu de 49,98 para 45,48 horas semanais. Um número ainda maior que o limite imposto a quem é contratado pela CLT e distante da jornada média de 40,2 horas dos empregados.
Não é difícil entender esses dados. Para muitos empreendedores, deixar de trabalhar significa deixar de ter seu “sustento”. Não é incomum que alguns permanecem nos seus postos de trabalho até conseguirem renda suficiente para comprarem o alimento do dia. Outros simplesmente não têm alguém capaz de substituí-los temporariamente no seu posto para que possam tirar férias.
Como se isso não fosse o suficiente, um empreendedor que vai à falência não apenas pode sair de mãos abanando, tendo gasto a poupança de uma vida, como pode fechar sua empresa devendo. No início de 2016, quase 60% dos microempreendedores individuais atrasaram os boletos de pagamento à Receita Federal.
3. Empreendedores não fazem parte da classe alta, ao contrário dos funcionários públicos.
Com pouca escolaridade, trabalhando muito e empreendendo por necessidade, a maior parte dos empreendedores brasileiros definitivamente não está entre as pessoas mais ricas do Brasil. De acordo com o Sebrae, 58% se enquadram na categoria de “baixa renda”, vivendo com menos de dois salários mínimos. Situação inversa ao dos funcionários públicos federais, que têm 58% da sua população vivendo na classe alta, recebendo acima de R$ 9.920.
E, ao contrário da maioria dos funcionários públicos, empreendedores não receberão aposentadoria integral, não podem parar suas atividades na espera que suas rendas aumentem miraculosamente e não terão aumentos concedidos no meio de uma das maiores crises da história do país.
Na verdade, eles sempre são os primeiros a sentirem os impactos dela. Em 2015, 1,8 milhão de empresas fecharam suas portas – o triplo do ano anterior -, por diversas vezes deixando seus donos com dívidas que demorarão anos para serem pagas.
4. O governo pega mais dinheiro das empresas que os próprios empresários.
Qual é a margem de lucro das maiores empresas do país? Os americanos responderam esta pergunta em uma pesquisa feita pela revista Reason e a média dos chutes foi surpreendente, incríveis 36%. Um número completamente fora da realidade.
Uma das companhias mais lucrativas do mundo, a Apple tem uma margem de lucro de apenas 23%. Uma das maiores redes de varejo do planeta, a Wal-Mart tem uma margem de apenas 3,1%. De acordo com o professor da Universidade de Michigan Mark J. Perry, é como se em um mês com 31 dias, a companhia tivesse que usar 30 para cobrir seus custos, e tivesse um único dia de lucro. Em média, as empresas americanas têm margens de 6,22%.
No Brasil, as coisas não são tão diferentes. Os famosos Supermercados Guanabara operam com uma margem líquida de 1,1%. Para a Moinho Dias Branco, maior produtora de biscoitos e massas do país, a margem fica em 13%. A fabricantes de cigarro Souza Cruz vive com seus 26% de margem líquida.
Enquanto isso, 32% dos donos de micro e pequenas empresas gastam mais de 30% do seu faturamento pagando tributos, mesmo optando pelo Simples Nacional. Um valor muito maior que o retirado pelos empreendedores dos seus próprios negócios.
5. Do ambulante ao dono da Google: eles têm que resolver os problemas dos consumidores para sobreviver.
Você já deve ter visto essa cena em uma grande cidade: bastam as primeiras gotas de chuva caírem no chão que uma multidão de ambulantes surge ofertando guarda-chuvas para os transeuntes pegos desprevenidos. Está com fome? Não é preciso procurar muito para achar alguém vendendo comida. A bateria do celular acabou? Ande alguns metros e verá alguém vendendo um powerbank.
São poucos os empreendedores que conseguem ter sucesso se aliando ao Estado e fomentando monopólios [veja o item abaixo]. Para a grande maioria deles, o único meio de receber dinheiro e crescer é agradando o consumidor, mesmo que isso signifique abandonar ideias às quais você está emocionalmente apegado. Quando a Microsoft sumiu com o botão “Iniciar” do Windows, os consumidores reclamaram tanto que a companhia recuou.
Alguns empreendedores levam isso muito a sério. Sam Walton, fundador do Wal-Mart, começou sua rede de lojas com um único estabelecimento no estado do Arkansas. Mesmo rico, continuou dormindo em motéis baratos e dividindo quartos com funcionários nas suas viagens de negócios. Para ele, cada centavo economizado era um centavo a menos que poderia se transformar em uma oferta na sua política de preços baixos todos os dias.
Do alto dos seus bilhões de dólares, Walton costumava repetir que o seu chefe era o consumidor. Ele era o único capaz de destruir sua rede de supermercados apenas trocando o lugar em que fazia compras.
6. Seu poder de lobby é menor que o dos sindicatos.
O sistema corporativista montado por Getúlio Vargas criou sindicatos, federações, e confederações para os empregados e para os patrões. Você provavelmente deve conhecer as poderosas Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), mas nunca deve ter ouvido falar da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Representando 54,6% dos empreendedores atuantes no Brasil, com participação ainda maior entre os de baixa renda, a CNC não tem assentos no conselho da Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (ApexBrasil), ao contrário da CNA e da CNI.
Quando Dilma Rousseff resolveu reativar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, a presidente prontamente convidou representantes da CNI, da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), das principais centrais sindicais e até o ator Wagner Moura, mas deixou a CNC de fora. De fato, no governo Dilma, fazer lobby funcionava. O Ministro da Indústria e Comércio era egresso da confederação da indústria e o do Trabalho vinha da CUT.
Não é uma surpresa que empreendedores tenham um poder de lobby tão fraco. Seus interesses são extremamente difusos e usualmente restritos a uma única cidade. Poucas pautas são capazes de unir todos os empreendedores do país, como a simplificação do pagamento de impostos. Por outro lado, centrais sindicais e as confederações da indústria e do agronegócio constantemente buscam os mesmos privilégios, como manipulação no câmbio e linhas de crédito subsidiadas.
No Congresso, não há registro de deputados ou senadores eleitos em defesa da facilitação do empreendedorismo. Já sindicatos e indústrias têm bancadas inteiras à sua disposição ou formadas por seus membros. Se existe uma força que move as decisões do governo, ela certamente não é o interesse dos empreendedores.
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