Resumo: Foi verificado que não há legislação específica sobre concursos públicos. A omissão legislativa faz com que a fase da tão sonhada nomeação se torne uma etapa de incerteza para os milhares de candidatos que são aprovados em concursos públicos. Diante desse quadro, os Tribunais tem regulado a matéria com decisões que vem alterando substancialmente os direitos de quem logra aprovação nesses processos de seleção. O trabalho, dessa forma, busca analisar os direitos subjetivos que os candidatos aprovados em concursos públicos tem nos dias atuais, baseando-se, sobretudo, no entendimento atual da jurisprudência sobre a matéria.
Palavras-chave: Concurso Público; Aprovação ; Nomeação; Direitos subjetivos.
Abstract: It was found that there is no specific legislation on public procurement. The omission makes the legislative phase of the long-sought nomination to become a stage of uncertainty for the thousands of applicants who are approved in open. Given this situation, the courts have set the matter comes to decisions that substantially altering the rights of those who manages the approval process of selection. The work thus seeks to analyze the legal rights that suitable candidates have public today, based mainly on the current understanding of jurisprudence on the matter.
Keywords: Public Procurement; Approval; Appointment; Rights Subjectives.
1. LINHAS GERAIS SOBRE CONCURSO PÚBLICO
O concurso público é uma das formas mais legítimas de ingresso do cidadão na Administração. Inserto no artigo 37, II
[1], da Constituição Federal, tal forma de provimento de cargo público privilegia 03 princípios fundamentais, segundo CARVALHO FILHO (2007, pág. 563):
“O primeiro é o princípio da igualdade, pelo qual se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos. Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público.”
Com efeito, o concurso público é, por excelência, um exemplo de prestígio à meritocracia, uma vez que apenas aqueles candidatos que se apresentarem mais preparados terão direito de ingressar na administração pública. Como leciona BRANDÃO DE OLIVEIRA (2006. Pág. 136)
“O concurso é um procedimento administrativo, caracterizado pela prática de uma série de atos ordenados na forma prevista em lei e no edital, através do qual se proporciona à Administração Pública a oportunidade de escolha dos melhores candidatos para cargos de provimento efetivo e empregos públicos. Trata-se de instrumento que viabiliza igualdade de tratamento para os postulantes, não sendo admitidas regras que limitem o caráter competitivo do concurso”.
E, além disso, o ingresso por meio desta modalidade concede ao aprovado diversas garantias não verificadas na iniciativa privada, como, por exemplo, a estabilidade.
Não por outra razão, tal certame atrai uma grande quantidade de candidatos interessados. A conseqüência disso é uma seleção natural (por meio de provas e títulos) dos mais aptos a ocuparem cargos públicos.
Não há – e essa é uma omissão legislativa que precisa ser sanada – uma lei específica sobre concursos públicos. Isso faz com que as seleções variem de cargo para cargo sem padronização específica, de forma, por exemplo, que um concurso para Analista Judiciário de um determinado Tribunal tenha matérias e fases diferentes do mesmo cargo, de idêntica função, em outro Tribunal.
Nada obstante, em linhas gerais e via de regra, pode-se dizer que todos os concursos públicos possuem as seguintes fases: a) inscrição (por meio da qual o candidato aceita as condições do certame estabelecidas em edital); b) realização das provas (e aí se inserem as mais diversas fases que variam de cargo pra cargo – prova objetiva, prova dissertativa, prova oral, exame psicotécnico, exame de saúde, prova prática, prova de tribuna, prova de sentença, prova de títulos, levando o candidato, se obtiver êxito, a ser aprovado); e, por fim, c) nomeação (fase em que a Administração convoca o candidato aprovado para ingressar no serviço público, dando-lhe posse e exercício).
O estudo apresentado se insere exatamente entre a fase em que o candidato logra aprovação e aguarda pela nomeação.
2. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS – HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA:
2.1- 1º Momento – Mera expectativa de direito
Predominava o entendimento de que a aprovação em concurso público não geraria para o candidato direito subjetivo à nomeação, uma vez que haveria apenas mera expectativa de direito. O raciocínio, que sempre foi utilizado como argumento de defesa da Administração pública, partia do princípio de que o ato de nomeação seria discricionário e, portanto, somente praticado quando houvesse conveniência e oportunidade.
Por longo tempo tal entendimento prevaleceu, inclusive na jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “a aprovação em concurso não gera direito a nomeação, constituindo mera expectativa de direito.” (STF no MS 21870/DF). A ressalva que a própria jurisprudência fazia era o caso de haver inobservância do disposto na Súmula nº 15 do STF: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.”.
Em outras palavras, num primeiro momento os Tribunais entendiam que a aprovação em concurso público gerava mera expectativa de direito, que se transformava em direito subjetivo à nomeação caso houvesse preterição na ordem de classificação do concurso.
Esse, portanto, era o entendimento da jurisprudência neste momento histórico.
2.2 - 2º Momento – Nomeação de candidatos aprovados em novo concurso aberto com prazo de validade do concurso anterior.
Conforme preceitua o artigo 37, IV, da Constituição Federal, “durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira.” Além disso, também prevê o artigo 12, parágrafo segundo, da lei 8.112/90, que “não se abrirá novo concurso enquanto houver candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não expirado”.
Com base nisso, além da preterição clássica, a jurisprudência também passou a perceber que não há somente mera expectativa de direito à nomeação do candidato preterido caso haja nomeação de candidatos de novo concurso público quando ainda há um certame, com validade, em vigor.
Dessa forma, também passou a ser entendimento que há direito subjetivo à nomeação nesses casos. O STJ nesse sentido assim decidiu:
“(...) essa expectativa só se transforma em direito subjetivo do candidato, quando, durante o prazo de validade do concurso, são contratados outros servidores, a título precário, ou quando a Administração Pública, na vigência do concurso anterior, abre novo concurso público, demonstrando, de forma inequívoca, nas duas hipóteses, a necessidade de contratação, o que não correspondem ao caso dos autos. Ausência de direito líquido e certo.” (RMS 19768/MS – Rel. Min. Paulo Medina – 6ª Turma – Julg. 06/10/2005 – DJ 21/11/2005)
2.3 - 3º Momento - Candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital é preterido pela contratação de mão de obra precária para exercer as mesmas funções do cargo em que fora aprovado o candidato.”
Em um determinado momento, os Tribunais também passaram a perceber que há preterição daquele candidato que, apesar de aprovado dentro do número de vagas oferecidas no edital, não é nomeado, embora haja contratação de mão de obra precária (comissionado/temporário/terceirizado) para exercer as mesmas funções para as quais o aprovado estaria habilitado. Foi este o sentido da decisão proferida pelo STF no RE 273605/SP e no Agravo de Instrumento nº 44.0895, onde se entendeu que “(...) uma vez comprovada a existência da vaga, sendo esta preenchida, ainda que precariamente, fica caracterizada a preterição do candidato aprovado em concurso.”
Perceba-se que, neste momento histórico, ainda não estavam discutindo se há ou não direito à nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas. O que se levou em conta foi que o candidato, embora aprovado (inclusive na posição dentre as vagas oferecidas no concurso), teve a sua nomeação preterida por terceiro que não se submeteu ao concurso público (mão de obra precária).
Há, já neste momento, considerável evolução da jurisprudência, uma vez que aquele entendimento prefacial de que haveria mera expectativa de direito em caso de aprovação em concurso público foi dando lugar à visão de que há direito subjetivo à nomeação em várias hipóteses, como nas narradas acima.
Mas ainda haveria maiores evoluções.
2.4 - 4º momento – Direito subjetivo à nomeação de candidato aprovado dentro do número de vagas oferecidas no concurso
Atualmente, um dos temas em maior discussão e evidência na jurisprudência é se há ou não direito subjetivo à nomeação do candidato que é aprovado em concurso público dentro do número de vagas ofertadas no edital.
Como se viu nos tópicos anteriores, há vários casos em que a ‘mera expectativa de direito’ se transforma em verdadeiro ‘direito subjetivo à nomeação’ (preterição da ordem de classificação, convocação dos aprovados de novo concurso com outro em validade em aberto e preterição de candidato aprovado no número de vagas por terceirizado).
O que há de mais interessante, hoje, se refere ao momento atual da jurisprudência, que caminha a passos rápidos para a pacificação no que se refere ao caso em análise.
O entendimento agora manifestado pelos Tribunais representa verdadeira quebra de paradigma no que se refere ao direito dos candidatos.
As decisões partem do pressuposto de que se a Administração oferta edital de concurso público, indicando que há vagas disponíveis para aquele cargo oferecido, não mais existe a discricionariedade no que se refere ao provimento, sendo a nomeação um ato vinculado (e, portanto, sem escolha do administrador), transformando-se num direito do candidato, caso preencha o requisito legal (no caso, a aprovação no concurso público dentro das vagas oferecidas).
É exatamente isso, aliás, que pontua o Ministro do STJ relator do acórdão proferido no RESP nº 1232930/AM quando destaca, em seu voto, que “
a necessidade de prover certo número de cargos exposta no edital torna a nomeação ato administrativo vinculado, de modo que é ilegal o ato omissivo da Administração que não assegura a nomeação de candidato aprovado e classificado até o limite de vagas previstas no edital.”[2]
As razões de decidir deste entendimento já causaram desdobramentos. Há questionamento, já apreciado pelo STJ, por exemplo, quanto ao candidato aprovado fora do número de vagas que obtém o direito em razão da desistência daquele candidato.
Se vingasse o entendimento histórico de que o candidato aprovado fora do número de vagas tem mera expectativa de direito, a desistência do candidato não iria gerar nenhum efeito ao aprovado seguinte na ordem de classificação, a não ser a angústia pela espera da ‘conveniência e oportunidade’ da Administração em convocá-lo.
Ocorre que, com base nos precedentes, o Superior Tribunal de Justiça assim analisou a questão no RMS 32105/DF:
“A aprovação do candidato, ainda que fora do número de vagas disponíveis no edital do concurso, lhe confere direito subjetivo à nomeação para o respectivo cargo, se a Administração Pública manifesta, por ato inequívoco, a necessidade do preenchimento de novas vagas.A desistência dos candidatos convocados, ou mesmo a sua desclassificação em razão do não preenchimento de determinados requisitos, gera para os seguintes na ordem de classificação direito subjetivo à nomeação, observada a quantidade das novas vagas disponibilizadas.”
Não há dúvidas, portanto, que a jurisprudência vive um momento bem diferente – e moderno – em relação ao direito à nomeação dos candidatos aprovados em concursos públicos.
O argumento de que existe mera expectativa de direito à nomeação (diga-se, de passagem, que servia muito mais aos interesses da Administração do que ao interesse público) não mais se sustenta diante das mais diversas formas de preterição a que são submetidos os aprovados.
Como dito anteriormente, o concurso público é forma de prestígio à meritocracia
[3]. Isso implica dizer que os melhores, que mereçam, devem ter direito à convocação se vagas existirem para o seu provimento. Não devem, por ser contraproducente ao princípio da eficiência administrativa, ficar à mercê da vontade administrativa de convocá-los ou não.
Por isso, vem andando muito bem a jurisprudência na defesa das pessoas que, com muita luta, logram aprovação nos concursos públicos.
E, coroando tal fase, o Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2011, julgou o aguardado Recurso Extraordinário nº 598.099, no qual havia sido reconhecida a Repercussão Geral do assunto. O acórdão é uma verdadeira aula de defesa da segurança jurídica dos candidatos aprovados em concursos públicos e chama a atenção da Administração Pública para a observância da boa fé no trato com os concursos públicos. Extrai-se do acórdão:
“FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público.”
O precedente do STF revela o caminho sem volta em que se encontra a jurisprudência na defesa dos interesses dos candidatos. Mas ainda há outros casos, estes bem mais recentes e que ainda estão sendo analisados pelos Tribunais.
“2.5 - 5º Momento - Candidato aprovado, ainda que fora das vagas previstas em edital, preterido pela contratação de mão-de-obra precária, dentro do prazo de validade do concurso, para exercer as mesmas funções do cargo em que fora aprovado o candidato.”
Como vimos, o entendimento pretoriano de hoje é no sentido de haver direito subjetivo do candidato que seja aprovado dentro do número de vagas. A mudança de paradigma na jurisprudência, no entanto, vem trazendo algumas conseqüências negativas para os candidatos.
É que a Administração, sabendo que, caso oferte vagas no edital, irá gerar direito aos aprovados de serem nomeados para aqueles cargos oferecidos, tem lançado mão, cada vez com mais freqüência, de concursos públicos nos quais não há vagas previstas no Edital, mas apenas cadastro de reserva (também chamado de ‘reserva técnica’).
A prática, de constitucionalidade duvidosa (moralidade administrativa afetada?), tem se tornado cada vez mais comum na Administração, que, assim agindo, volta a ter a ‘conveniência e oportunidade’ para nomear aqueles que logrem aprovação no certame, uma vez que, se não há vagas previstas, haveria mera expectativa de direito.
Não bastasse isso, tem se verificado, também, que, além de não convocar os candidatos aprovados, alguns órgãos, em verdadeira afronta à ordem constitucional, tem delegado a terceiros (comissionados/terceirizados/temporários) as mesmas funções que os concursados exerceriam.
Essa é uma questão séria que o Judiciário, atualmente, está analisando. Portanto, no estágio atual da jurisprudência encontramos o seguinte problema: O candidato aprovado em concurso público que ofereça apenas cadastro de reserva tem direito subjetivo à nomeação, caso seja preterido por mão de obra precária?
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram a respeito. No Agravo de Instrumento nº 777644/GO, o STF entendeu que “(...) uma vez comprovada a existência da vaga, sendo esta preenchida, ainda que precariamente, fica caracterizada a preterição do candidato aprovado em concurso.”. Igual entendimento foi firmado pelo STJ no MS 13575/DF.
Com efeito, se a Administração oferece um concurso público para cadastro de reserva há presunção relativa de que não existem vagas a serem preenchidas. Ocorre que, caso haja a contratação de mão de obra precária para exercer a mesma função do concursado, tal presunção é afastada e cai por terra aquela afirmação administrativa de inexistência de vagas. Há, na verdade, uma preterição disfarçada. E, havendo preterição, nasce para o aprovado o direito subjetivo à nomeação.
Aliás, convenhamos, a bem da moralidade pública, é ilegal – e a jurisprudência vem observando isso - a contratação precária de mão de obra temporária e/ou terceirizada, preterindo-se aprovados em concurso público. Ora, se a Administração promove um concurso público visando à formação de um “cadastro de reserva”, a fim de que, “quando precisar”, venha nomear/contratar os aprovados no certame, nada justifica a contratação de trabalhadores temporários e/ou terceirizados a título precário, ficando mais que evidente, nesses casos, a preterição dos candidatos aprovados.
Essa, aliás, também é a opinião de CARVALHO FILHO (2007, Pág. 568):
“Não obstante, se o candidato é aprovado no concurso e há omissão ou recusa para a nomeação, apesar de ficar comprovado que a Administração, certamente por incompetência ou improbidade, providenciou recrutamento através de contratação precária para exercer as mesmas funções do cargo para o qual o candidato foi aprovado, passa este a ter direito subjetivo ao ato de nomeação. Tal direito subjetivo tem fundamento na constatação de que a Administração tem necessidade da função e, por conseguinte, do servidor para exercê-la, não podendo suprir essa necessidade por contratação precária se há aprovados em concurso para supri-la.”
Ora, a partir do momento em que o órgão público contrata ou pretende contratar terceirizados para a prática de atividades típicas dos cargos para os quais abriu concurso público, a “necessidade de mão-de-obra” e a “intenção de contratar” estão demonstradas, não havendo mais discricionariedade em chamar ou não os concursados. Destarte, é obrigatória a convocação dos aprovados, jamais de terceiros que não passaram pelo crivo do certame.
Tal determinação via judicial não implica, absolutamente, em qualquer “ingerência” do Judiciário na Administração, tampouco qualquer interferência na discricionariedade administrativa. Trata-se única e tão somente de controle de legalidade da contratação operada pelo administrador de forma ilícita. Ora, se, uma vez formado cadastro de reserva (pretendido pela própria Administração) com candidatos regularmente aprovados em concurso público, passa o administrador a promover a contratação precária de mão-de-obra temporária/terceirizada, exaurida se fez, neste ato, a discricionariedade administrativa. Com efeito, tanto a conveniência (manifestação inequívoca de demanda por mão-de-obra) quanto a oportunidade (manifestação inequívoca da viabilidade de efetiva contratação naquele momento) restam inescusáveis.
Logo, quando a Administração manifesta o interesse em promover a contratação indevida de mão-de-obra (licitação), o Judiciário não está a fazer nada mais do que corrigindo vício de legalidade, ao determinar a adequação da contratação operada pelo administrador (discricionariedade), mediante substituição da indevida terceirização de serviços pela convocação de concursados. Uma vez que tal preenchimento precário se mostra ilegítimo, em preterição a candidato regularmente aprovado em concurso público vigente, evidente o direito deste à nomeação em substituição à contratação ilícita.
O singelo apanhado histórico da evolução jurisprudencial sobre o tema ‘direito à nomeação em concurso público’ nos faz perceber o quão avançados estão, hoje, os direitos dos aprovados.
Perceba-se que os tribunais, que antes enxergavam apenas uma mera expectativa de direito do candidato, passaram a ver que a Administração tem lançado mão de várias formas para preterir aqueles aprovados em concursos públicos. Isso fez com que hoje a jurisprudência caminhe para a consolidação de entendimento de que o candidato tem direito subjetivo à nomeação, tenha ele logrado êxito dentro ou fora do número de vagas, caso fique comprovado que há vaga correspondente para o seu exercício.
3. POSITIVAÇÃO DO DIREITO À NOMEAÇÃO – PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO
Não há uma lei que trate especificamente sobre concursos públicos. O que temos, atualmente, são as regras gerais impostas pela Constituição Federal, além de poucos e espalhados dispositivos legais que prevêem algumas regras sobre a matéria (como, por exemplo, a lei 8.112/90, citada neste trabalho, que impede a realização de novo concurso enquanto ainda estiver outro em vigor).
O que se vê de concreto sobre o assunto, por ora, são as decisões judiciais. A jurisprudência tem regulado o tema das nomeações, como mostramos no tópico anterior. Trata-se de verdadeiro preenchimento da lacuna que ocorre pela omissão legislativa.
Porém, apesar de os Tribunais assumirem esse papel de regulação dos direitos dos aprovados, há o problema, sempre inerente à atividade judicante, das decisões conflitantes que atentam contra a segurança jurídica. O risco da divergência jurisprudencial, aliás, já foi bem observado por RODRIGUES LEITE e JOSINO NETO (2011, pág. 38.):
“O direito, sabe-se, não é um jogo exotérico de palavras, mas uma disciplina realística da vida. É uma ciência social que se ocupa de relações intersubjetivas. É comum haver – e às vezes isso é muito salutar – num órgão ou num Tribunal opiniões conflitantes acerca de um tema, de um assunto ou de um fato. Não há nada de errado nisso. Mas é preciso um mínimo de consenso em favor da segurança jurídica.”
O fato é que urge a necessidade de criação de uma lei que trate sobre os concursos públicos. O tema abordado aqui abordado (direito à nomeação) é apenas um dos vários problemas que envolvem esses certames. É preciso uma padronização para evitar que a via judicial seja a única para se discutir os contratempos advindos de uma seleção pública.
De concreto, hoje, está em andamento na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 6582/2009 que, segundo sua ementa, “altera a Lei nº 8.112, de 11 de Dezembro de 1990, para estabelecer o direito à nomeação em concursos públicos”.
O projeto, de autoria do Senador Marconi Perillo, tramita em regime de urgência e tem apenas 02 artigos que prevê apenas que
“os candidatos aprovados em concurso público, no limite das vagas disponibilizadas no edital, têm direito à nomeação no período de validade do concurso, desde que existam cargos vagos suficientes, respeitadas a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, e a lei orçamentária de cada ano.”[4]
Ora, a lei a ser aprovada trata de algo que o STJ e o STF (como mostrado no tópico anterior) já pacificaram em sua jurisprudência: o candidato aprovado dentro do número de vagas oferecidas no edital tem direito à nomeação.
Não há, dessa forma, nenhuma alteração substancial no que se refere ao direito a nomeação a não ser a positivação de um entendimento jurisprudencial.
Ocorre que há, ainda, projetos de lei que foram apensados ao principal mencionado. É o caso, por exemplo, do PL 277/2011 que “dispõe sobre o aproveitamento de candidatos aprovados em concursos públicos realizados por órgãos e entidades integrantes da Administração Pública federal direta e indireta” (DEP. ROMERO RODRIGUES, 2011), do PL 6991/2010 o qual “dispõe que nomeação é ato vinculado da Administração Pública” (DEP. LUCIANA GENRO, 2011) e do PL 749/2011, que “veda a constituição de cadastros de reserva em concursos públicos levados a termo por órgãos e entidades integrantes da Administração Pública federal direta e indireta.” (DEP. BRUNA FURLAN, 2011).
O PL 277/2011 possui 5 artigos. Ganham destaque os artigos 1º, 2º e 3
º.[5]. Neles, o legislador proponente busca compelir à Administração informar, no edital, as vagas que existem (art. 1º). E vai além. O artigo 2º diz que “
será obrigatório o aproveitamento imediato dos candidatos aprovados até o número de cargos cujo provimento tenha sido autorizado pela Lei Orçamentária em vigor no exercício em que o concurso público seja realizado”.
A primeira impressão que se extrai do dispositivo é que o legislador quer acabar com aquela prática (denunciada aqui neste trabalho) da Administração de realizar um concurso para cadastro de reserva e não nomear os candidatos aprovados. Isso porque, como se pode ver, ainda que o edital não tenha previsto vagas, pode haver a nomeação dos candidatos se houver previsão na Lei Orçamentária em vigor para provimento daquele determinado cargo. E tal direito persiste, ainda, nos anos respectivos das leis orçamentárias subsequentes. (É o que prevê o art. 2º, parágrafo único).
O artigo 3º daquele projeto de lei prevê, ainda, aproveitamento imediato de, no mínimo, 25% dos aprovadosquando se tratar de concursos realizados pela Administração Pública indireta e estabelecimento de um cronograma para convocação dos demais candidatos.
No que se refere ao PL 6991/2010, de autoria da Deputada Luciana Genro, a sua previsão é de que “(...)
a nomeação de candidato aprovado em concurso público no limite das vagas fixadas em edital é ato vinculado da Administração Pública.”[6]
Há, como se vê, apenas uma mera positivação da explicação do direito que o aprovado dentro do número de vagas possui: Se a Administração dispõe as vagas, a nomeação se torna um ato vinculado e não mais se sujeita à conveniência ou oportunidade de nomear ou não. Deve fazê-lo.
Por fim, o PL 749/2011 pretende acabar de vez com o cadastro de reserva, propondo, que “
é vedada a realização, por órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta e indireta, de concursos públicos destinados à constituição de cadastros de reserva para aproveitamento posterior de candidatos neles incluídos.” (artigo 1º)
e que
“para efetivação do disposto no art. 1º desta Lei, os editais dos concursos públicos ali referidos identificarão, obrigatoriamente, o quantitativo de cargos ou empregos, fixado em percentual não inferior a dez por cento das vagas disponíveis, cujo provimento dar-se-á no prazo máximo de sessenta dias após a homologação do resultado, sem prejuízo do eventual aproveitamento de outros candidatos durante o prazo de validade do concurso.” (artigo 2º).
[7]
Essas, enfim, são as proposições legislativas que se apresentam para suprir a lacuna até então existente. É óbvio que não contemplam todos os problemas apresentados pelos concursos públicos, mas buscam evitar a angústia que existe na fase de mais ansiedade de um candidato que é a da nomeação.
Com efeito, iniciativas como proibir o ‘cadastro de reserva’, obrigar a Administração a nomear os candidatos aprovados, dentre outras, são louváveis e vem num momento oportuno em que há uma proliferação de concursos públicos e, consequentemente, uma demanda maior de candidatos.
O problema agora, porém, é político. A nomeação é ato que gera direito ao candidato de ingressar na Administração, o que, por conseqüência, ocasiona também mais gastos públicos. E, como se sabe, quando há matéria que verse sobre isso, o Executivo costuma proceder à análise desses projetos de lei com, digamos, uma maior atenção (para não dizer obstáculos e óbices que sempre colocam).
A expectativa é que os projetos que versem sobre direito à nomeação dentro do número de vagas, por que praticamente pacificado na jurisprudência, não tenham problemas na aprovação. Porém, quanto aos demais, que envolvem sensíveis interesses dos administradores, ficaremos com a sorte lançada do jogo político.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de tudo o que foi exposto, não se pode negar que hoje os tempos são outros para os candidatos aprovados. Se antes o que havia era apenas uma mera expectativa de direito de ser nomeado, sujeita aos caprichos e vontades do administrador, atualmente pode-se dizer que há uma forte tendência de que tal direito seja cada vez mais assegurado aos que merecem.
Não há nada mais justo. Só quem nunca passou pela via crucis de um concurso público é incapaz de entender o quão frustrante é não ter o direito de ingressar no tão sonhado cargo após se submeter a horas de estudos, exames, sacrifícios e renúncias para prestar um concurso público.
Felizmente já estão percebendo que o concurso público não tem como fim a formação de um mero banco e de recursos de informações que o Estado pode utilizar quando bem entender. O que se entende, hoje, é que se há abertura de um concurso público é por que a Administração percebe que há necessidade do serviço que justifica a contratação dos que se submeterem ao certame promovido e forem aprovados.
E nem poderia ser diferente. O concurso público, por excelência uma seleção de méritos, é democrático, porém, exigente. Todos podem participar dele, mas nem todos conseguem a aprovação. E os que conseguem aprovação devem ser contemplados com o ingresso na Administração, através da tão sonhada nomeação.
O tema do presente trabalho possui uma pergunta: Há direito à nomeação dos candidatos aprovados? A resposta é “sim, em alguns casos”. E a expectativa é que, no futuro, seja “sim, em todos os casos”.
Referências:
CARVALHO FILHO, José dos Santos. “Manual de Direito Administrativo”, 19ª edição, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, ano 2007.
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. “Manual de Direito Administrativo”. 3ª edição. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.
LEITE, Rodrigo Costa Rodrigues. NETO, Miguel Josino. Em “Análise das Divergências Jurisprudenciais no STF e no STJ”. 2ª edição. Editora JusPodivm: Salvador, ano 2011.
Notas:
[1] Art. 37 (...) II – A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
[2] Trecho do voto do Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, do STJ, no julgamento do RESP 1232930, citado.
[3] Segundo JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (Op. Cit. Página 563),
“o concurso público é o instrumento que melhor representa o sistema de mérito, porque traduz um certame de que todos podem participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos.”
[7] Projeto de lei nº 749/2011, de autoria da Deputada Bruna Furlan, disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=495031 acesso em 12/07/2011