A julgar pela imprensa alemã, além dos tradicionais protestos contra a globalização (que já começaram este domingo e irão intensificar-se), essa é a grande preocupação das autoridades germânicas em relação à cimeira do G20 que esta semana – dias 7 e 8 - irá decorrer em Hamburgo.
A revista Spiegel fala mesmo de um “possível fiasco” depois da chanceler Angela Merkel ter reconhecido há dias, no Bundestag, o parlamento alemão, que as discrepâncias entre Berlim e Washington sobre uma série de pontos cruciais – comércio externo, refugiados, meio ambiente... - “são óbvias” e que o diálogo “será difícil”.
Nas últimas semanas, de facto, a retórica de um e outro lado do Atlântico subiu de tom, numa espécie de ensaio geral preliminar do choque frontal a que poderemos assistir em Hamburgo.
Primeiro, o secretário americano para o comércio, Wilbur Ross, avançou com uma lista de três grandes pontos que resumem as exigências americanas face à Alemanha e em geral à Europa: 1) comprar menos petróleo e gás à Rússia e mais aos EUA; 2) baixar as tarifas de importação europeia de carros americanos e 3) garantir “maior fatia do mercado europeu” para as mercadorias “made in USA”. Caso contrário – disse Ross em ameaça velada – o governo dos EUA terá que “se auto-proteger” (sic)...
Para já, uma guerra comercial entre a Europa e os EUA ainda parece impensável. Mas os meios de negócios e políticos alemães reagiram com estupefação à sem cerimónia da administração Trump e a senhora Merkel voltou a enfatizar que Berlim e Bruxelas continuarão a defender a globalização contra o isolacionismo e a respeitar os acordos sobre o meio ambiente.
"Mais do que nunca, nos dias de hoje, aqueles que acreditam que podem resolver os problemas do mundo pelo protecionismo e isolacionismo cometem um grande erro", disse a chanceler alemã.
O chefe da diplomacia de Berlim, Sigmar Gabriel, foi mesmo mais longe, acusando Washington de querer sabotar todo o processo do G20, que representa 85% do PIB global e cujos acordos são cruciais para manter o livre comércio internacional e a defesa do clima.
“Não existe uma estratégia anti-americana, e certamente não da parte do governo alemão; mas há estrategos americanos que traçam uma política anti-Europa e anti-Alemanha” - afirmou o ministro.
Neste contexto, os grandes países em desenvolvimento como a China e a Índia são cruciais. Uma oscilação de Pequim ou Nova Deli nas políticas já acordadas, em vez de isolar Trump e reforçar a Europa, poderia levar ao impasse e até à divisão do G20.
Para já, uma coisa é certa – a insistência de Washington em medidas de índole protecionista e contra a proteção do meio ambiente tendem a abrir uma fissura no mundo ocidental, deixando em suspenso a liderança americana até agora dada como certa e obrigando os países mais importantes – do Canadá e da Alemanha à Austrália... - a reequacionarem as suas estratégias.
A senhora Merkel ainda parece acreditar nalgum entendimento: "Faremos tudo o que pudermos para alcançarmos um acordo o mais abrangente possível em Hamburgo", prometeu. "Isso não será fácil com a nova administração americana, mas ainda assim temos de fazer esse esforço." A esperança, como se sabe, é a última a morrer...
Veremos, no final da semana, se foi, de facto, possível salvar o encontro ou se estamos no início de um movimento tectónico de consequências imprevisíveis.
Para já, continua a valer aquela ideia de que as relações entre a Europa e América são como a música de Wagner – não é tão má como parece. Mas a verdade é que o desconforto com o ruído provocado por Trump é cada vez maior.
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos (Foto: Jonathan Ernst / Reuters)
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