Vinte e cinco anos depois do massacre do Carandiru — com a execução de 111 presos em outubro de 1992 pela Polícia Militar (PM) de São Paulo —, o Brasil ainda não resolveu o problema da superlotação dos presídios.
Enquanto na Casa de Detenção paulista mais de 7 mil encarcerados se dividiam em 3.250 vagas (média de 2,2 presos por vaga), hoje ao menos seis estados superam a capacidade de confinados prevista em suas unidades prisionais.
Os dados foram atualizados no site da Secretaria de Administração Penitenciária na última quinta-feira (24).
Em Salvador, a Penitenciária Lemos Brito, no bairro da Mata Escura, que possui capacidade para 771 detentos, abriga 1.351 — um excedente de 760 pessoas, o que resulta em uma média de dois presos por vaga.
Entre os nove presídios da capital baiana, apenas três possuem mais lugares do que detentos: o Conjunto Penal Feminino, na Mata Escura, com 32 espaços remanescentes; a Unidade Especial Disciplinar, no mesmo bairro, que goza de 194 vagas não ocupadas; e a Casa do Albergado e Egressos, com cinco lugares desocupados.
Duas das prisões soteropolitanas optaram por abrir anexos para tentar conter o número remanescente. A primeira delas é o Presídio de Salvador, que, com 232 excedentes, recebeu um suplemento em junho deste ano, após investimento de R$ 33 milhões do governo estadual, mas ainda possuiu 23 homens a mais do que o projetado.
A segunda é a Cadeia Pública de Salvador, que possui um supérfluo de 388 aprisionados e implementou um anexo provisório que dispõe de 171 vagas. Isto é, apesar das novas construções, ainda há superlotação em ambos os espaços.
Cárceres baianos
A situação não é diferente no interior do estado. Das 16 unidades prisionais analisadas pelo bahia.ba, apenas o Conjunto Penal de Serrinha, no nordeste baiano, o de Barreiras, no oeste, e o Presídio Regional Advogado Ruy Penalva, em Esplanada, também na região nordeste, possuem mais vagas do que presos (veja o gráfico abaixo).
Ao todo, a Bahia possui 14.573 detentos ante os 11.410 ideais — um excedente de 3.163, equivalente a 28%. Juntas, as prisões da capital e do interior da Bahia ultrapassam em 76% o número de vagas disponíveis.
A campeã do interior
Com capacidade para 670 detentos, o Conjunto Penal de Itabuna acomoda quase o dobro. Ao todo, 1.277 homens e mulheres precisam se amontoar nas celas superlotadas da prisão, 607 a mais do que o suportado. Do contingente, 600 estão confinados em regime fechado, 453 provisoriamente, e 242 cumprem semiaberto.
Em 2012, a situação foi debatida por magistrados no Fórum Ruy Barbosa, na capital do cacau. Durante o encontro, foi cobrada a necessidade de construção de uma nova cadeia, que contivesse o excedente do Conjunto Penal.
Cinco anos depois, sem que a solicitação fosse atendida, o número de encarcerados continua a crescer.
Cadeias Fechadas
As rebeliões prisionais que aconteceram em todo o país no início do ano, e que abriram os olhos das autoridades à superlotação dos presídios brasileiros, parecem não ter assustado os governantes baianos.
Há quatro unidades penais previstas para serem inauguradas: o Conjunto Penal de Barreiras, no extremo oeste baiano; o Conjunto Penal de Brumado, no sudoeste; o Conjunto Penal de Irecê, no centro-norte; e o Conjunto Penal de Salvador.
O edital de licitação para a contratação das empresas responsáveis pela gestão das unidades foi publicado em janeiro de 2016 e, segundo declaração do chefe de gabinete da Seap, Carlos Sodré, à época, a previsão de entrega dos novos complexos era o mês de abril.
Ao todo, 2.269 vagas serão acrescidas com o início da operação dos novos complexos prisionais, que serão administrados por meio da modalidade de cogestão.
Para o juiz e professor de Processo Penal da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Moacyr Pitta, a construção de novas unidades é necessária, sobretudo para que o ambiente seja favorável à ressocialização dos condenados.
“Dentro de ambientes onde se têm uma superpopulação, é difícil fazer separação de presos. Acaba tendo uma separação por facção criminosa, o que é pior do ponto de vista de ressocialização. Às vezes vai ressocializar e piora o indivíduo”, declarou o magistrado, em entrevista ao bahia.ba.
Embora reconheça a imprescindibilidade de novas estruturas, o educador “teme” que, com “mais vagas, se prenderá mais”. “Eu não acho que a solução é prender mais, eu acho que a gente precisa prender melhor. O que eu acho é que a gente precisa de algo diferente da prisão, que é ‘um mal necessário’. E, se for para ter prisões, que sejam prisões diferentes, com modelos e lógicas diferentes”, disse.
Contatada, a Seap não atendeu à solicitação do portal até o fechamento da reportagem.
Presos Provisórios
Entre os 14.573 detentos na Bahia, 7.627 cumprem pena sob regime provisório, quando o acusado responde em cárcere por seus crimes. A vagareza do julgamento no Brasil dificulta a rotatividade nas prisões, o que alarga a estimativa do índice de encarcerados no país.
Na avaliação de Pitta, o índice de presos provisórios é problemático, mas não deve ser apropriado em “uma análise simplista”. “É preciso que a gente estude os motivos, mas é difícil afirmar: ‘ah, é um absurdo o número de presos provisórios no Brasil’. Eu não considero a quantidade de presos provisórios tão excessiva no nosso estado. Vão ter processos que correm rápido, outros que correm devagar e outros que correm mais rápido”, defendeu.
Ele afirmou ainda que, “como a execução penal é muito efetiva no que diz respeito à legislação, o indivíduo pode nunca ser preso, um condenado definitivo”. “Outra questão é que, primeiro, eu não sei o que estão sendo chamado de presos provisórios. O preso que, ainda não teve todos os recursos julgados, ainda é um preso provisório, tecnicamente”, continuou.
A Seap também não esclareceu os critérios que diferenciam o preso provisório dos demais.
Clara Rellstab / Fernanda Lima
bahia.ba
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