Xavantes vieram de Mato Grosso e ficaram com medo da quantidade de água.
Apenas um teve coragem de molhar o pé e descobrir que o mar é salgado.
Um grupo de índios xavantes, de Mato Grosso, tiveram contato com o mar pela primeira vez neste sábado (16), na praia do Aterro do Flamengo, onde está instalada a Cúpula dos Povos, no Rio.
O grupo se preparava para participar de um evento onde expuseram os problemas com a terra indígena Marãiwatsédé, de onde foram expulsos em 1966 pelo governo federal, em uma mobilização que teve apoio da FAB. (leia mais abaixo)
"Estamos pintados para a cerimônia que iremos participar, por isso não vou entrar", disse o xavante Arimatéia Paradzané. Passados alguns minutos de contemplação, ele não resistiu e andou em direção ao mar e parou onde a água deixava marca na areia, como se fosse uma delimitação para que ele não avançasse.
Os índios ficaram impressionados com a quantidade de água e apontavam para o horizonte, indicando que a o mar "não tinha fim". Eles ficaram perfilados olhando para a água, para o movimento das ondas e como algumas pessoas se banhavam no mar.
Ele se juntou aos demais, mas logo retornou ao mar quando soube que a água do mar era diferente da dos rios da região onde vive, no Mato Grosso.
Arimatéia fez uma concha com a mão direita e esperou a água chegar até ele. Assim que percebeu que havia alguns grãos na água rasa do mar, ele chacoalhou as mãos e lambeu os dedos. "É salgada", disse ele em idioma xavante.
Assim que a primeira onda rasa se aproximou de onde estava, Arimatéia deu um desajeitado passo para frente e deixou seus pés serem molhados pelo mar. Ele disse algumas palavras em seus idioma xavante e olhou para os demais índios, que haviam ficado para trás, na parte mais alta da faixa de areia.
Arimatéia voltou para onde estavam os demais xavantes e falou sobre a descoberta, informando a salinidade da água. "É diferente", resumiu ele ao G1.
Terras MarãiwatsédéÍndios xavantes cobraram a devolução efetiva das terras Marãiwatsédé em um encontro na Cúpula dos Povos, no sábado. O território seria devolvido para eles depois de um compromisso público assumido por uma petroleira italiana na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) na
Rio 92. Mas a promessa não foi cumprida.
Passados 20 anos, o legado negativo da Rio 92 marcou a vida dos xavantes. “Enquanto um representante da empresa italiana dizia, no Rio de Janeiro, que iria devolver nossas terras, um grupo apoiado por essa empresa invadia nossas terras”, disse o cacique Damião Paradzané.
Este não foi o primeiro confronto entre o “homem branco” e os xavantes. Eles já tinham sido expulsos do local, em 1966, em uma ação do governo federal e que contou com apoio logístico da Força Aérea Brasileira (FAB). A corporação transportou os indígenas em aviões para a Missão Salesiana São Marcos, que fica cerca de 400 quilômetros de distância de onde viviam.
"Tiraram a gente da nossa terra. Depois prometeram durante a Rio 92 que iriam devolver, mas não fizeram isso. Não quero mais esperar outros 20 anos. Não vou desistir, já me ameaçaram de morte, nos deram comida e água envenenada, mas nós estamos aqui e queremos um novo compromisso, dessa vez de verdade", disse o cacique. (Xavante fala, em seu idioma, sobre o caso no vídeo ao lado)
Os xavantes tiveram o primeiro contato com o “homem branco” em 1950. Dezesseis anos depois, eles foram obrigados a deixar a aldeia. A mudança brusca de local fez com que 150 xavantes morressem após contraírem sarampo. A terra antes ocupada por eles, passou a ser chamada de Suiá-Missu, em 1961, quando o colonizador Ariosto Riva ocupou o local. Em seguida, o território foi vendido para família Ometto e para a Agip do Brasil S/A, filial brasileira da Agip Petroli, da Itália.
Identificação antropológicaEntre fevereiro e junho de 1992, a antropóloga Iara Ferraz participou do grupo de trabalho de identificação da terra indígena Marãiwatsédé e presenciou a invasão das terras dos xavantes enquanto os empresários e índios participavam da Rio92.
Em 1998, mais de 165 mil hectares de terra foram homologados em um decreto presidencial. Hoje, os xavantes ocupam cerca de 10% de seu território.
Devolução em 20 diasSegundo a procuradora da República Marcia Brandão Zollinger, as terras indígenas terão de ser devolvidas aos xavantes em até 20 dias, conforme a revogação de uma decisão anterior da Justiça, que suspendeu a retirada de fazendeiros, posseiros e grileiros da terra indígena Marãiwatsédé.
"Não há mais diálogos entre as partes. É uma questão judicial e depende apenas dos recursos das partes. Essa devolução pode ser uma coisa rápida ou demorar mais tempo.", disse Marcia.
Ainda de acordo com ela, a nova decisão do desembargador federal Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região revogou, em 18 de maio deste ano, a decisão anterior do mesmo tribunal, que suspendia a retirada de todos os não índios da terra Marãiwatsédé. "Isso significa que a desintrusão está autorizada e todos os que ocupam a área deverão sair", disse Marcia.
Permuta ilegalO desembargador federal Fagundes de Deus suspendeu, em junho de 2011, a retirada dos invasores da terra indígena diante da proposta feita pelo governo de Mato Grosso de permutar a área demarcada e homologada como terra indígena por uma área dentro do Parque Nacional do Araguaia.
A procuradora Marcia Zollinger disse que vai acompanhar a elaboração de um plano de desintrusão da terra indígena, que deverá ser feita em uma ação conjunta com o governo federal, Funai, Ibama, Incra e Polícia Federal.