No momento em que começava a escrever este artigo, a contagem dos votos em Aracaju já estava praticamente encerrada. Sem risco mínimo de reversibilidade do resultado, a cada nova parcial seguiam-se o espocar de fogos, a melodia de buzinas nas ruas e avenidas, o tremular de bandeiras com a imagem do candidato e o número da sigla partidária. Os alto-falantes, em potência máxima, ecoavam os jingles que marcaram a campanha eleitoral que chegava ao fim. Correspondendo às expectativas produzidas pela enxurrada de pesquisas divulgadas no correr da semana, João Alves Filho (DEM) sagrava-se prefeito eleito da capital em primeiro turno, obtendo exatos 159.668 votos, o equivalente a 52,72 % do total apurado.
Sem dúvida, uma bela vitória! Mais expressiva ainda levando-se em consideração o fato de ter disputado a eleição contra o deputado federal Valadares Filho (PSB), candidato apoiado pela tríade político-administrativa formada pelo prefeito atual, Edvaldo Nogueira (PC do B), pelo governador do Estado, Marcelo Déda (PT), e pela presidente da República, a petista Dilma Rousseff, sem falar, obviamente, do apoio do ex-presidente Lula e do seu pai, o senador Antônio Carlos Valadares, também filiado ao ascendente PSB.
Em 26 de agosto deste ano, publiquei aqui no Universo o artigo “Valadares Filho e a difícil missão de derrotar João Alves”, abrindo-o com a seguinte assertiva: “Muito embora o jogo ainda esteja no início, não é precipitado deduzir que, no atual contexto, dadas as circunstâncias, as sucessivas pesquisas de opinião e as estratégias de um e outro candidato, é mais factível termos um voto do ministro Ricardo Lewandowski condenando José Dirceu no julgamento do mensalão do uma que virada de Valadares Filho (PSB) sobre João Alves (DEM) na atual corrida sucessória”.
Como diria o cantor Flávio José na belíssima canção Filho do Dono, “não sou profeta nem tão pouco visionário”. Todavia, procuro fazer da lógica um fio condutor em minhas análises – sobretudo na área política, onde as paixões são mais acirradas e a racionalidade é espancada de tal maneira que uma avaliação mais criteriosa pode despertar instintos os mais primitivos, como se a fúria, a boçalidade e a avaliação puramente subjetiva tivessem o condão de mudar a realidade dos fatos. Não mudam e, nesse caso, como está posto, não mudaram! Nem João Alves foi derrotado por Valadares Filho, nem José Dirceu foi condenado por Lewandowski. Mas sigamos.
Desde 2006, quando João foi derrotado por Déda na eleição para o governo do estado, veio à tona um aspecto que não foi devidamente explorado pelos analistas políticos nem corretamente dimensionado pelo grupo vitorioso: as urnas mostraram que, embora vencido na sucessão estadual, João voltara a recuperar musculatura na capital, onde seu desprestígio, após sucessivas administrações dos grupos rivais comandados por Jackson Barreto e Déda, parecia irreversível. Tanto que a vitória de Déda, embora histórica e mesmo esperada, não foi algo assim acachapante, à guisa de um tiro de misericórdia. João sobreviveu. Não entregou os pontos. Havia muita munição para ser usada, no momento oportuno.
As razões para essa mudança no cenário, que viriam pavimentar a atual vitória de João, não foram fruto do acaso nem se fundam tão somente no desgaste do grupo ora hegemônico. Ainda que seja difícil para seus adversários reconhecer, o fator preponderante para essa retomada de terreno em Aracaju deve-se, de um lado, às obras estruturais que João realizou em seu terceiro governo estadual, a saber, a ponte Aracaju-Barra (Construtor João Alves), a nova Orla de Atalaia e o início da ponte Mosqueiro-Caueira (Jornalista Joel Silveira), finalizada por Déda, é bem verdade, mas projetada e iniciada por João. A imagem de um João empreendedor, tocador de obras, voltava a ser o seu cartão de visita.
Em 2010, essa tendência se consolidaria, antecipando o que de fato veio a se consumar na noite de 07 de outubro último. João, novamente, perderia a eleição para o governo estadual, mas não saiu do pleito abatido nem sem rumo, ao contrário, mostrou até uma certa leveza. E justo porque Aracaju e os municípios limítrofes deram-lhe uma vitória sobre Déda (em outras palavras, um recado ao grupo), ainda não digerida nas hostes governistas (as declarações do governador reeleito, à época, apontando falhas na administração da PMA e o despacho do então secretário da saúde, Rogério Carvalho, para as calendas gregas, com a promessa de que ele próprio, dali em diante, seria o primeiro secretário de saúde, resumem bem o clima de velório – e de certo desespero - que se abateu sobre o grupo desde então).
Não se pode negar, por outro lado, que João tirou partido de problemas graves enfrentados por Déda em suas duas administrações – alguns dos quais estão se avolumando como se fossem uma bola de neve -, bem como do estilo fleumático de Edvaldo Nogueira, que mesmo realizando uma administração aprovada pela população – superior, em certos aspectos, à de Déda na prefeitura - perdeu o debate político de uma maneira vexatória.
Contudo, além das intervenções esporádicas de João na imprensa explorando aspectos negativos da dupla Déda-Edvaldo, também pesou o trabalho feito pelos seus correligionários, sobretudo os deputados estaduais Venâncio Fonseca (PP), líder da oposição, e Augusto Bezerra (DEM), o deputado federal Mendonça Prado (DEM) e o ex-deputado federal e vice-prefeito eleito José Carlos Machado (PSDB), que não só pautaram a imprensa com denúncias fundadas diariamente trazidas a público, como emparedaram o governo de uma maneira poucas vezes vista, não se ouvindo uma viva voz, além da do líder do governo na Assembleia, deputado Francisco Gualberto (PT), saindo em defesa do líder maior do grupo e dos setores da administração colocados sob a alça de mira de uma oposição pequena – até bem pouco tempo - porém aguerrida, barulhenta e bem articulada.
Por fim, o racha no bloco governista provocado pela reeleição antecipada da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa foi, este sim, o golpe de misericórdia na candidatura oficial, na medida em que o apoio dos irmãos Amorim a João Alves era, indubitavelmente, o que ele precisava para liquidar a fatura no primeiro turno – apoio que, se tivesse sido dado a Valadares Filho, conforme estava decidido antes da explosiva ruptura, poderia conturbar o resultado das eleições, não exatamente impedindo a vitória de João, mas, ao menos, empurrando a disputa para um segundo turno, onde o placar seria zerado e um novo confronto se instalaria, desta feita com ataques ainda mais virulentos contra o candidato do DEM e seu vice, de acordo com o vale-tudo eleitoral que dominou boa parte da campanha levada a efeito pelo grupo derrotado. A prova disso pode ser percebida nas eleições de Itabaiana e Capela, cujos resultados, a título de exemplo, demonstram a força do grupo de Edvan e Eduardo de maneira irrespondível.
Ainda é cedo para fazer prognósticos. Mas a vingar o acordo celebrado entre os grupos de João e dos irmãos Amorins, o mesmo maremoto que acabou de varrer o pelotão da prefeitura de Aracaju poderá tragar, em 2014, o batalhão empoleirado no governo estadual. Sendo assim, não soa desarrazoado alguém instalar no Palácio Adélia Franco um Tsunami Alarm System. Edvaldo Nogueira que o diga.