Rangel Alves da Costa*
Por não admitir a concretude e fim dos seres, a morte praticamente não existe para a filosofia. Ao menos na concepção de fim da existência humana, vez que o término da existência corporal é apenas uma etapa de outras existências.
Quer dizer, a existência humana não acaba com a morte para a filosofia. O que se tem por morte é um portal para outras encarnações, até mesmo porque a imortalidade é um de seus objetos centrais de indagação.
Verdade é que a morte sempre foi uma das principais preocupações filosóficas, mas não no sentido de afirmar ou não a sua existência. E sim na constante tentativa de compreender, através dela, a fragilidade humana e os motivos que tornaram os seres com aparências de reles poeira sob as constantes ameaças de ventanias.
A morte em si, o fato de fechar os olhos para o além, se constitui apenas num estágio da imortalidade humana. Eis que a morte concreta não existe; em seu lugar vão surgindo outras etapas, outras vidas no ser humano. Do vazio do corpo irrompe a verdadeira razão do ser: sua infinitude.
Não significa reencarnação ou renascimento em outro corpo, mas o mesmo espírito cumprindo com seus deveres noutros estágios da vida. Daí a importância do fazer terreno e do seu compromisso com a continuidade do espírito. A poeira se vai com o instante da partida; mas haverá de surgir um rochedo se a poeira alguma coisa significou.
Neste sentido, diante de um filósofo morto, outro filósofo certamente diria que ali um ser que fecha os olhos enquanto o seu espírito clareia em outra dimensão. Não sendo absolutamente nada a massa corpórea, então o que há de mais significativo num ser humano é o sopro de sua alma e a força de seu espírito. E a alma acompanha o espírito enquanto o corpo apenas servirá de sofrida recordação para os humanos que não compreendam a permanência do espírito.
Do mesmo modo, diante do leito de morte de um companheiro de igual filosofia, o sábio ancião certamente dirá: Pois os olhos se fecham em folha seca; pois o corpo se desfaz em grão de areia; pois o ser é o nada na sua exteriorização. Também não choremos qualquer partida; não diremos adeus nem enlutemos o que jamais morrerá. Eis o homem diante da morte. Eis a tradução da insignificância corpórea diante do aparato que d’agora em diante estará ao nosso redor. E nesta aura de luz e conhecimento, onde somente anjos avistam, estará ainda o verdadeiro homem, o grande sábio que se reconhece imortal e diz: Ainda estou aqui, eis a força do meu espírito!
Um dia, perguntaram a um velho sábio qual o significado da perda de um familiar. E ele respondeu que a aflição pela pétala caída e a tristeza da flor. Em seguida perguntaram qual o significado da perda de mais outro familiar. E o sábio respondeu que todo o jardim entristece e a flor quase não se sustenta mais no seu galho.
Mas em seguida perguntaram-lhe o que ocorre com perdas seguidas de familiares. Então o velho sábio mirou o horizonte e respondeu que mesmo a dor de toda natureza não compreenderia a ação de Deus diante da perda das pétalas mais vistosas da flor, que de tão fragilizada parece nada mais suportar.
Mas suporta, se revigora e se fortalece porque a perda de familiares, ao invés de ser um desfolhamento da árvore familiar, é o renascimento destes mesmos entes queridos ao lado de Deus. Eis que Deus não age como cruel ventania que simplesmente sai desfolhando jardins inteiros.
Eis que a natureza também sofre no seu outono; eis que a ventania testa a força das estruturas; eis que ainda resta a vida. E na vida o agora, o amanhã, a primavera, as flores que retomarão o seu brilho, e novos grãos de felicidade precisam ser semeados.
Eis, então, a lição do velho sábio: Por mais que a flor familiar de repente se veja sem suas vistosas pétalas, a estação da dor passará e primaveras floridas surgirão para alegrar os espíritos, encher a alma de luz e fazer renascer o sentido da felicidade no coração de cada um.
Porque a morte do corpo é apenas uma situação terrena. E jamais morrerá quem semeou seu próprio grão.
Poeta e cronista
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