“Enquanto ele está vivo, ainda existe uma certa reserva por parte dos membros de sua família, mas vocês vão ver quando ele morrer.”
No início do ano, um bom conhecedor do círculo de Nelson Mandela contou ao “Le Monde” que ele temia que a união que seria demonstrada durante o luto em torno dos restos mortais do mais ilustre dos sul-africanos logo fosse dar lugar às disputas pela lucrativa herança familiar.
Afinal, estas se revelaram antes mesmo da morte do ex-presidente, já no mês de abril. Os sul-africanos descobriram que duas filhas de Nelson Mandela, Makaziwe e Zenani, haviam entrado com uma ação na Justiça, apoiadas por 17 membros da família. A ação era contra os amigos do ex-chefe de Estado: seu ex-advogado, George Bizos, e o ex-ministro da Habitação, Tokyo Sexwale, que passou vários anos preso na ilha de Robben Island, na costa da Cidade do Cabo.
Makaziwe, filha de Evelyn, a primeira mulher de Nelson Mandela, e Zenani, filha de Winnie Mandela, sua segunda esposa, exigiam que os dois homens renunciassem, assim como o advogado de Nelson Mandela, Bally Chuene, de seus postos de administradores de dois fundos estimados em quase US$ 1,7 milhão (quase R$ 4 milhões). Essas sociedades haviam sido criadas para cuidar sobretudo da venda de aquarelas em que vinha reproduzida a marca da mão do herói.
Com o apoio de Ismail Ayob, o ex-advogado de Nelson Mandela, de quem este se separara em 2004, as herdeiras acusaram os amigos de seu pai de assumirem à força esses fundos e de hoje se negarem a ajudar financeiramente os membros da família. Mas o trio garante ter sido nomeado pelo próprio Mandela. Em uma declaração que foi entregue a um tribunal de Johannesburgo, o advogado Bally Chuene afirma que em abril de 2005 o ex-chefe de Estado convocou em sua casa em Johannesburgo sua mulher, Graça Machel, suas filhas, George Bizos e Tokyo Sexwale. “Durante essa reunião, Mandela disse claramente a Makaziwe e Zenani que ele não queria que elas se envolvessem em seus negócios”, escreveu Bally Chuene nesse texto publicado pela imprensa sul-africana.
Em seu depoimento à Justiça, George Bizos também contou sobre sua preocupação quando teve conhecimento, no final de 2011, de uma proposta vinda de membros da família, que pretendia distribuir aos filhos e aos netos de Mandela quase todo o capital desses fundos. Os amigos de Mandela temiam que membros da família tentassem monopolizar a fortuna para dilapidá-la. Os netos, na época, reagiram com veemência, afirmando que queriam retratá-los como muquiranas insensíveis sem nenhum respeito pelo avô.
No final de agosto, as duas filhas de Mandela decidiram por fim abandonar sua ação na Justiça. “Elas conheciam perfeitamente a vontade do pai delas, e acabaram se dando conta de que tínhamos os elementos necessários para provar isso”, contou então George Bizos ao “Le Monde”. O montante da fortuna de Nelson Mandela nunca foi divulgado. O nível de riqueza da família também é desconhecido, mas seus membros estariam presentes em mais de 110 empresas, segundo o jornal africâner “Beeld”.
Carregar o nome de Mandela é um trunfo. A maioria de seus três filhos, 17 netos e 14 bisnetos pretende fazer essa imagem render. “Eles fazem parte dos Mandela, têm direito de usar seu nome e hoje têm feito isso cada vez mais, pois sabem que Madiba –apelido de Mandela e nome de seu clã– não está mais em estado de se opor”, explica um diretor da Fundação Mandela. “Vocês podem ‘kennedyzar’ meu nome, mas não ‘disneyzá-lo’”, teria dito um dia Nelson Mandela.
“Madiba não queria que seu nome e sua imagem fossem explorados comercialmente, e se opor a esse abuso é necessariamente provocar tensões com a família”, afirma o diretor.
A Fundação tenta limitar as utilizações abusivas: “Quando filhos ou netos nos procuram para pedir nossa assinatura em um contrato (…), tentamos introduzir cláusulas e garantias.” No entanto, os projetos mais ecléticos continuam a prosperar. Makaziwe Mandela comercializou um vinho batizado de House of Mandela (“casa de Mandela”). Uma linha de roupas chamada de Long Walk to Freedom (“longo caminho para a liberdade”), referência à autobiografia do ex-prisioneiro, foi lançada. Duas netas participaram este ano de um reality show chamado “Ser um Mandela”. Os episódios só foram exibidos nos Estados Unidos.
Mas a Fundação Mandela não fica para trás. Em 2011, ela lançou a venda de camisas polo com a etiqueta “46.664″, o número designado a Nelson Mandela durante sua prisão em Robben Island. A instituição submeteu à Organização Mundial de Propriedade Intelectual cerca de 60 nomes de marcas como “Nelson Mandela” ou “Madiba” para garantir a exclusividade dos direitos de uso. Ainda que ela cace os usurpadores, é também para preservar o valor de uma marca.
Chefe tradicional de Mvezo, vilarejo natal de seu avô, Mandla Mandela seria quase uma exceção. Explicando ter recebido com honra a tocha passada por seu avô, ele conta incansavelmente como foi sua contribuição para o desenvolvimento da região. “Meu avô sempre disse que a educação era uma arma para mudar o mundo”, ele repetia ao “Le Monde” em fevereiro ao entrar no vilarejo. “Então lutei para conseguir a construção de um colégio aqui. Em 2014, ele poderá receber 700 alunos.” A Siemens se ofereceu para pagar 10 milhões de euros para financiar a construção do projeto.
Em julho passado, Mandla Mandela também se viu no centro de uma controvérsia. Membros de sua família descobriram que o neto havia exumado em Qunu, o vilarejo de infância de Nelson Mandela, os restos mortais de três filhos do ex-presidente para enterrá-los em Mvezo, o vilarejo natal do herói. O neto é suspeito de querer pressionar a família para que o corpo de Nelson Mandela seja levado para a nova cripta familiar, onde ele está construindo um amplo complexo turístico. Após uma violenta briga exibida na televisão, os corpos serão levados de volta para Qunu.
Mandla Mandela não reina somente nesse pequeno canto perdido da Cidade do Cabo oriental. O homem de 30 anos é também deputado no Parlamento sul-africano. O CNA, que vem testemunhando a desintegração de seu eleitorado, se esforça para manter laços com o nome Mandela. Em 2012, Zenani Mandela foi nomeada embaixadora da África do Sul na Argentina.
Em julho de 2012, Winnie Madikizela-Mandela, também deputada, havia acusado seu partido de “tratar a família de maneira indiferente” e só chamá-la para “usá-la com fins políticos”. Em abril, o CNA havia sido acusado de usar a imagem do próprio Nelson Mandela a um ano das eleições gerais. Um vídeo de 40 segundos mostrava o ex-presidente em sua casa, em Johannesburgo, sentado em um sofá, com o rosto impassível. Perto dele, o presidente Jacob Zuma e vários membros do CNA riam enquanto tiravam fotos com o velho homem doente.
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