Rangel Alves da Costa*
Durante muitos anos, os movimentos populares tiveram repreendidas suas lutas sociais. Almejava-se a democratização como forma de legalizar as justas reivindicações e garantir plena cidadania às camadas mais carentes ou excluídas da sociedade. A Constituição Federal de 88 veio em favor de tais pretensões e incorporou importantes demandas das classes menos favorecidas e dos movimentos sociais, e dentre estes os que já lutavam pela Reforma Agrária. Mas parece ter armado de ira, abusividade e violência aqueles que se diziam apenas necessitados de terra para trabalhar.
Ao invadir, na última quarta-feira dia 25, as instalações da Rádio Xodó FM, em Nossa Senhora da Glória, no sertão sergipano, os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, juntamente com outros movimentos sociais, deram prova dos desnorteamentos reivindicatórios e fizeram exsurgir alguns conceitos repudiados na sociedade moderna: democracia terrorista, fascismo camponês e vingança privada. Na ação, e em pleno Estado de Direito, ainda os resquícios da Lei do Talião: Olho por olho, dente por dente.
Não se deve olvidar que todos, indistintamente, devem obediência aos regramentos da lei. Ninguém está acima do Estado para arvorar para si o poder e o dever de agir somente em obediência às suas sanhas, revoltas ou indignações. O aparato judicial e o sistema legal não são substitutos secundários à ação humana, mas norteadores da própria ação. Daí ser totalmente incabível que no mundo moderno, de tantas conquistas sociais e no Direito, movimentos organizados pretendam se arvorar do poder de fazer justiça com as próprias mãos, de transgredir os preceitos legais e fazer do arbítrio, da intimidação e da violência, meios legais de ação. Não é dado, pois, a nenhum movimento social o direito de autotutela quando há previsão legal diante dos conflitos surgidos.
Além, logicamente, de chamarem em seu desfavor alguns proibitivos jurídicos, como os do exercício arbitrário das próprias razões (justiça pelas próprias mãos), justiçamento, ameaça à liberdade de manifestação e de imprensa, depredação de prédio particular e invasão de propriedade. A tudo isso se somem as ameaças de continuidade nas ações acaso as ofensas continuem. Quer dizer, não se fala em reivindicar direitos na esfera judicial, mas tão somente em reagir com violência e intimidação todas as vezes que algum radialista macule a honra e a imagem de algum de seus integrantes. Agora, diante do ultimato dado, as consequências já são mais que previsíveis. E neste aspecto não deixa de transparecer uma incitação ao crime por parte dos dirigentes do movimento.
Pelo que foi amplamente divulgado - e até pelos relatos de dirigente do movimento -, a ação violenta foi decidida e perpetrada como reação às provocações e xingamentos provenientes de um locutor da emissora. Mas ainda assim a defesa não foi legítima, pois extrapolou todos os limites legais colocados à disposição dos ofendidos. E a provocação do judiciário, seja para obter direito de resposta ou para reparação dos danos, não se fez como esperado em movimentos sociais juridicamente organizados como costumam ser.
Do mesmo modo, na ação e na violência dos invasores não há que se falar em excludentes de ilicitude como o estado de necessidade, o estrito cumprimento de dever legal, o exercício regular de direito e a já referida legítima defesa. Foi apenas ilícito penal, apenas ação premeditadamente criminosa, e esta perpetrada de maneira insidiosa, abusiva, violenta, com requintes de barbarismo. Ora, invadiram, destruíram portões, ameaçaram, tomaram para si os microfones, usurparam, enfim, as liberdades democráticas.
Mas invasão de propriedade, do alheio, com destruição e ameaça, são especialidades e know-how, verdadeiras patentes de tais movimentos, principalmente do MST. Mesmo que as políticas de Reforma Agrária tenham garantido o acesso a terra, ainda assim não haverá contentamento de seus integrantes sem que primeiro sejam promovidas invasões e destruições do que possam encontrar pela frente. Tais especialidades já eram conhecidas e corriqueiras, sem falar nas invasões a prédios públicos e outros abusos. Mas a incursão contra emissora de rádio, sob a alegação de que seus integrantes viviam sendo achincalhados e sem direito de resposta, inaugurou uma nova e perigosa prática nos movimentos campesinos.
Por mais que a direção estadual do movimento se esmere na busca de argumentos que justifiquem a ação contra a emissora sertaneja, a verdade é que nada, sob qualquer aspecto, justifica uma atitude como a tomada, principalmente partindo de pessoas que militam tendo como bandeira de luta a democracia e a liberdade de manifestação. Ademais, não condiz com o Estado Democrático de Direito que pessoas, sob a alegação de estarem sendo injustamente agredidas por uma emissora radiofônica, simplesmente abdiquem dos meios legais em nome de uma ação conduzida pelo ódio, pela violência e a ameaça.
Diante da magnitude das desonras alegadas pelos invasores, e acaso estas fossem comprovadas, certamente que o judiciário lhes garantiria não só o espaço de resposta à medida das ofensas como acataria a devida reparação pelos danos causados. Mas não há conhecimento que o judiciário tenha sido acionado para garantia dos direitos. A opção feita, contudo, foi pelo caminho mais deplorável diante de uma democracia que busca se consolidar pela luta dos próprios movimentos sociais.
Poeta e cronista
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