Rangel Alves da Costa*
Há um filme com nome quase idêntico ao acima consignado. De 1998, o filme “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”, dirigido por Jim Gillespie, é um misto de terror e suspense. Conta a história de quatro adolescentes que atropelam um desconhecido e se desfazem do corpo jogando-o ao mar, porém sem a certeza de que o mesmo estava morto. No verão seguinte, quando os jovens se reencontram, um bilhete assustador chega às mãos de um deles: “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”. E então mortes estranhas começam a acontecer.
Na política, o misto de terror e suspense não acontece a cada verão, mas geralmente de quatro em quatro anos, ou de dois em dois anos, considerando que os pleitos para prefeitos e vereadores ocorrem dois anos após as eleições para governadores, senadores e deputados. Contudo, as consequências sinistras de tais pleitos começam a ocorrer desde o dia seguinte à posse, mas não para os eleitos, e sim para os eleitores e a população em geral.
Desse modo, seria de grande utilidade se cada eleitor, diante de um candidato que chega sorridente, apertando-lhe a mão, com afagos e palavras bonitas e prometendo mundos e fundos, olhasse fixamente nos seus olhos e dissesse: Eu sei o que vocês fizeram na eleição passada! E encontrasse ainda mais encorajamento para indagar: Você lembra o que fez na eleição passada, quando veio aqui com essa mesma santidade de agora, dizendo que sua luta seria incessante para combater as mazelas que afligem o povo e até se colocando à disposição para cobranças a qualquer momento? Você também recorda quantas vezes retornou aqui após a eleição passada? Claro que não recorda, pois político esquece o que diz agora quanto mais quatro anos depois.
E que o eleitor fosse mais adiante, decidido a jogar pra fora suas revoltas: Mas logicamente que vocês candidatos não recordam nada da eleição passada. Talvez vivam mesmo do esquecimento, sempre achando que o humilde eleitor sequer lembra mais em quem votou na última eleição. Mas engana-se ao pensar assim. Não apenas sei o que vocês fizeram na eleição passada como nas eleições anteriores, chegando aqui e encenando a mesma peça de agora, que na verdade é mais um circo que um teatro do voto. Só que vocês invertem a situação e acham que os palhaços somos nós. Mas chega um dia que há revolta no circo, o enjaulado submete o domador e o atirador de facas vê a lâmina contra si lançada. E não esqueça que pisado até o menor se revira.
Diante do inesperado, imediatamente algum espanto seria provocado no candidato. Porém nada que lhe afetasse o ânimo eleitoral ou o caráter já moldado ao fingimento, à encenação e à desfaçatez, e simplesmente porque nunca espera ouvir nada desse tipo de um eleitor. E então talvez lhe surgisse o medo. E terrível medo da conscientização do povo, de sua possibilidade de refletir sobre os meandros da política e seus lamaçais, do encorajamento para dizer aquelas verdades.
Nada mais temeroso ao político profissional, aquele onde a cada pleito se reveste daquilo que procurou ausentar nos últimos três anos e meio, que repentinamente descobrir que o eleitor não é mais “o seu eleitor”, o votante cativo, o encabrestado, comprado por qualquer moeda ou de fácil ludibriamento. Seria realmente assustador se ao invés de negociar seu voto o eleitor exigisse uma prestação de contas do que foi feito depois da última eleição e principalmente acerca das promessas, de canto a canto, de porta em porta.
Nada mais assustador ao candidato que encontrar à sua frente quem lhe negue o voto e diga em prosa em verso porque não o merece. Um verdadeiro deus nos acuda. Mas também uma forçosa reflexão para concluir que a população não suporta mais viver na contínua enganação. Toda eleição e as mesmas promessas, os mesmos compromissos mirabolantes assumidos, as mesmas mentiras, a mesma bandeira de tapeações. Ora, chega um dia que basta, chega um momento de dizer não e não a essa palhaçada.
No filme, os jovens - que foram desatentos diante do acontecido e depois se fizeram esquecidos e não pensaram em quaisquer consequências - são surpreendidos depois e passam a ter de acertar as contas com as culpas do passado. A vingança sem rosto, os ataques inesperadamente surgidos, o medo envolto em sombras, tudo para dizer e mostrar que quem foi vítima jamais esquece daquilo que lhe fora dolorosamente impingido.
Bem assim nas realidades da vida, onde os erros cometidos jamais são totalmente apagados e de repente passam a exigir as devidas reparações. E isso não se dá sempre na mesma moeda, pagando com o mesmo mal cometido, mas implicando em outras perdas que a pessoa sequer imagina que tenha relação com aqueles desacertos. E não raramente ocorre que a pessoa, reconhecendo os deslizes praticados e tentando se redimir a todo custo, diga que deu a volta por cima e até comece a praticar atos de dignidade. Contudo, ainda assim o erro, agora mantido em disfarce, continuará fazendo suas cobranças. E não se imagine que seja de preço barato.
Confiar no esquecimento dos outros é perigoso demais. E mais perigoso ainda praticar o mesmo mal porque acha que já estão esquecidos. E infinitamente mais arriscado imaginar que pode apagar as lembranças ruins de suas vítimas com aviltantes esmolas ou mesmo buquês de falsas bondades. Os tempos podem ser outros, mas muitos continuam recordando o que aconteceu no verão passado e o que jamais aconteceu desde a eleição passada. E no passado de toda eleição.
Poeta e cronista
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