"Vamos vencer! Não tem ninguém melhor do que a gente!" A frase dita pelo capitão, o volante Emerson, no túnel de acesso ao estádio Ademir Cunha, em Paulista, Região Metropolitana do Recife, soaria como clichê em qualquer equipe de futebol. Menos no Íbis. Fundado em 1938, o Pássaro Preto fez da derrota o seu principal chamariz. Conhecido mundialmente como o pior time do mundo, slogan estampado até mesmo em seu uniforme, o Rubro-Negro habituou-se a fazer do insucesso uma espécie de sucesso. Mas isso começa a mudar. Este ano o Íbis parece não ser mais o mesmo.
Impulsionado pelo sonho de 34 atletas, escolhidos após seleção feita através da internet, que contou com nada menos do que 356 participantes, o clube vem surpreendendo no Campeonato Pernambucano Sub-23, a atual divisão de acesso do estadual. Em oito jogos, foram quatro vitórias, três empates e apenas uma derrota – justamente nesta quinta-feira, por 2 a 1 para Jaguar. O revés, no entanto, não abalou o Pássaro Preto, que segue na zona de classificação do torneio. Feito histórico para um clube que conquistou o último acesso à Série A1 em 1999.
Jogadores comemoram gol na derrota para o Jaguar (Foto: Aldo Carneiro / Pernambuco Press)
A média de idade do Íbis surpreende até mesmo os adversários. Embora seja autorizado utilizar até três atletas com idade superior aos 23 anos, o técnico Ney Elói preferiu apostar em jogadores mais jovens. Escolha motivada muito mais pela necessidade do que pela vontade. Afinal de contas, para jogar no clube ninguém recebe salário ou qualquer tipo de ajuda de custo.
Médicos, estrutura para treinar e materiais esportivos também são elementos raros. Dificuldades que, segundo o treinador, aumentam o senso de coletividade do elenco.
– Esse grupo é muito unido e determinado. Aqui, todos trabalham todos os dias, sem receber e com vontade de vencer. Todo mundo faz tudo, e cada um ajuda um ao outro. Começamos esse trabalho há seis meses e até hoje, apesar de trabalhar com um grupo de meninos, temos uma entrega e um empenho fora do normal. É o sonho desta garotada que tem nos levado às vitórias.
Macaé, o goleio e massagista não vê problemas em ajudar a comissão (Foto: Elton de Castro)
A ideia de coletividade poderia ficar evidenciada na artilharia da equipe. Com nove gols na competição, o Íbis tem um volante como artilheiro: sim, ele mesmo, o capitão Emerson. Até aí, tudo bem, mas o fato de ele ter feito apenas dois gols surpreende. E é observando o banco de reservas que a entrega dos jovens ficam mais latente. Terceiro goleiro da equipe, Macaé, de apenas 17 anos, exerce também a função de massagista do time. Papel que não o minimiza ou traz qualquer tipo de insatisfação.
– Minha regularização ainda não saiu, aí fico ajudando. Vou ficar fazendo o que em casa? Prefiro ajudar. Estamos fazendo um bom campeonato, e todo mundo tem que estar junto.
Se dentro de campo a qualidade do grupo não deixa dúvidas de que o Íbis está no caminho certo, o mesmo não se pode falar da situação do Pássaro Preto longe dos gramados. Sem a menor estrutura, o time é obrigado a jogar com portões fechados, pois a Federação Pernambucana de Futebol não viu no estádio Ademir Cunha as condições necessárias para receber torcedores.
A falta de local para treino e a dificuldade para montar o elenco também prejudicam a trajetória. Problemas que, de acordo com o auxiliar técnico Sergio Ferreira, o Serjão, são superados pelo sonho dos jogadores.
– Se você observar, o Íbis não seria um time que alguém procuraria parar iniciar a carreira. Mas esses meninos acreditaram em nós. Sabem que, mesmo com poucas condições, eles podem despontar aqui. Não podemos prometer nada, apenas dar uma chance. É nesta chance que eles se apegam. Seria muito importante que tivéssemos uma ajuda, um apoio. Temos um trabalho de base, queremos ajudar esse pessoal a crescer e fazer com que o Íbis tenha dias melhores. Mas precisamos de mais apoio. Enquanto isso não vem, vamos na vontade.
Técnico Ney Elói e auxiliar Serjão tentam motivar elenco, que não recebe para jogar (Foto: Elton de Castro)
O cenário poderia fazer do Íbis o clube com um elenco abatido, mas o panorama é mesmo outro. Nos vestiários, o canto embala a subida da equipe para o gramado. Entusiasmo que encontra explicação nas palavras de Emerson, o capitão e artilheiro do Pássaro Preto.
– Não tem por que olhar para dificuldades. Sabíamos que elas existiam e estamos aqui para superar todas. Todo mundo tem o sonho de vencer, e vamos vencer na carreira.
Aos 21 anos, Emerson reconhece que iniciar a carreira no Íbis não pode ser considerado algo ideal. No entanto, ele acredita que o estigma de pior time do mundo acaba sendo um atrativo para possíveis olheiros.
– Não tem como fugir desse negócio de pior time do mundo, mas isso acaba ajudando. Todo mundo pensa que não fazemos nada, mas chamamos a atenção quando vencemos. Isso tem funcionado. Quem sabe não serve para o pessoal olhar mais para nós?