Em São Paulo, Zizao era o único jogador chinês do futebol brasileiro. Em meio a um dos elencos mais vitoriosos da história do Corinthians, virou folclore, caiu no gosto popular mesmo tendo sido uma assistência no Campeonato Paulista a sua máxima contribuição. Em Pequim, Chen zhi zhao, na grafia correta de seu nome, é apenas mais um entre os mais de 1,3 bilhão de pessoas que vivem no país. Parece um estudante enquanto transita sem ser incomodado pelas largas avenidas.
Mas não é. É um jogador de futebol capaz de atitudes rebeldes, como tirar o calção na comemoração de um gol, e que morre de saudade do Brasil: da torcida corintiana, de açaí, churrasco e feijoada, dos amigos, do Guarujá (cidade do litoral paulista) e de ouvir os famosos versos “Ai, se eu te pego”, sucesso do cantor Michel Teló.
Zhi zhao virou Zizao no Brasil para facilitar sua popularização, na tentativa frustrada do Corinthians de estreitar relações com a China e transformá-lo num fenômeno de marketing. Com desempenho muito aquém dos companheiros, o atacante participou só de cinco partidas. A parte técnica travou a estratégia armada para fora dos campos. De volta ao seu país desde o início deste ano, ele não desistiu de vingar em território pentacampeão.
- Eu quero jogar futebol no Brasil. É muito diferente do meu país. Aqui está melhorando porque nosso presidente gosta futebol e incentiva as crianças, mas no Brasil é diferente. Eu aprendi muito porque há muita gente praticando. Gostaria de voltar, e seria ótimo se pudesse ser no Corinthians - afirmou.
Zizao interrompe entrevista para dar autógrafo perto do estádio do seu time na China (Foto: Alexandre Lozetti)
Tratado quase como uma peça de exposição no clube paulista, Zizao fala português com desenvoltura surpreendente. O vocabulário é limitado, evidentemente, mas parece até ter melhorado. O jovem de 26 anos treina com o parceiro de time, o argentino Batalla, e conversa muito por aplicativos de celular com amigos brasileiros. Entre eles, ex-companheiros mais próximos como Alexandre Pato, Emerson Sheik e Paulo André, todos já fora do Timão.
O chinês marcou encontro com a reportagem do GloboEsporte.com na manhã do último domingo, em frente a um café, na região onde mora e também próximo ao estádio Workers, que tem capacidade para 60 mil pessoas e recebe as partidas de sua equipe, o Beijing Guoan.
Gostaria de voltar (ao Brasil), e seria ótimo se pudesse ser no Corinthians"
Zizao
À noite, os vice-líderes da liga local enfrentariam o Shanghai Shenxin, clube de Zizao antes de sua ida para o Corinthians. Por uma cláusula contratual, ele não pôde atuar. De folga só até à noite – porque todos do plantel são obrigados pela diretoria a irem ao estádio –, ele contou sua vida na volta à China, onde mora com o pai num apartamento alugado e não é titular habitual do técnico espanhol Gregorio Manzano Ballesteros.
Essa condição, aliás, já causou reações absolutamente inesperadas no aparentemente pacato Zizao. Ele fez quatro gols em 18 partidas pelo Guoan, e recebeu três cartões amarelos. Dois deles por ter abusado nas comemorações.
- Fiz dois gols em jogos seguidos. No primeiro, tirei a camisa. No segundo, tirei o calção (risos). Acho que foi porque quero jogar mais - relatou, meio sem jeito, para explicar o “protesto” contra o banco de reservas.
Zizao diz que seu time é verde, mas nada a ver com Palmeiras: "O tom é diferente. Sou corintiano" (Foto: Alexandre Lozetti)
Se no Corinthians o jogador era motivo de curiosidade por onde passava, em Pequim ele protagoniza cenas quase surreais para quem encara os boleiros como seres inalcançáveis. Em frente ao estádio onde seu clube jogaria horas depois, enquanto fazia comparações entre as torcidas chinesa e brasileira, recebeu um aceno de um rapaz que andava de bicicleta.
- É o nosso goleiro! - exclamou.
A concentração fica no mesmo complexo esportivo. Pela manhã, os atletas têm permissão para breves passeios. Na mesma calçada, numa barraca de produtos piratas do Guoan, foi assediado pelos vendedores e somente dois torcedores. O uniforme, aliás, é verde. Mas...
- Não é do Palmeiras, é outro tom (risos). Eu sou corintiano, e quando estou em campo, só penso em jogar futebol, não dou atenção a esses detalhes.
Fiz dois gols em jogos seguidos. No primeiro, tirei a camisa. No segundo, tirei o calção (risos). Acho que foi porque quero jogar mais"
Zizao
O leque de opções de diversão não é tão amplo. Até mesmo o entretenimento eletrônico é restrito, já que famosas redes sociais como o Facebook têm acesso bloqueado à população chinesa. Natural da província de Guangdong, onde ainda vivem a mãe e a irmã, grávida de oito meses, Zizao gosta de sair com os amigos para comer e cantar no karaokê.
O programa musical esconde frustrações. Além de ter que admitir não ser dos mais talentosos com o microfone, ele lamenta a falta de canções brasileiras no repertório. Qual ele gostaria de cantar?
- Nossa, nossa, assim você me mata... - responde, citando “Ai, se eu te pego”, de Michel Teló.
Enquanto o sonho de retornar ao Brasil para jogar futebol não se materializa, Zizao toma as medidas para passar férias. Já iniciou o processo de emissão do visto de entrada no país. Depois de novembro, quando terminar a liga chinesa, pretende embarcar para rever a praia e conhecer muitos outros lugares.
Fã da culinária brasileira, ele lamenta não encontrar açaí e feijoada em sua terra natal. Deliciar-se com essas iguarias faz parte do roteiro das férias de Zizao, que também poderá incluir paqueras, já que ele terminou o namoro com a mesatenista Gui Lin, atleta do Palmeiras, e reencontros, até mesmo com o agora são-paulino Pato.
- Eu fico feliz com os gols que ele marca porque torço pelo sucesso dele - salientou o atacante, ainda de sorriso aberto por saber que o Corinthians havia vencido o Sport por 3 a 0, horas antes.