Foto: Walter de Carvalho | Ag. A Tarde
O grupo inglês Pink Floyd acaba de voltar à ativa com um álbum intitulado “The Endless River” (“O Rio Sem Fim”, em inglês). Poderíamos recorrer a uma metáfora semelhante – porém, mudando do elemento água para o elemento terra – para definir o panorama atual da música baiana mais popular, especialmente aquela que ficou conhecida como axé music: Um Deserto Sem Fim. Sim, porque a julgar pelo que foi produzido em 2014, nos depararemos inevitavelmente com o vazio criativo e a falta de perspectiva.
Não é de hoje que vem-se notando o desgaste de uma fórmula que parecia se renovar miraculosamente ano após ano, e sempre de forma criativa e surpreendente. Mas hoje o que se percebe é o esfacelamento inexorável do império axé.
Na verdade a axé music não morreu, ela foi esmagada por outras sementes do mal que se plantaram no mesmo jardim. Se hoje o que se ouve pelas ruas, em alto e ensurdecedor volume, é a batida monocórdia do pagode, com suas “letras” lascivas, é porque as massas se embruteceram ainda mais culturalmente. O outro extremo disso é o lamento sentimental do arrocha, versão atualizada e baiana do velho romantismo latino, que já ensaia uma expansão nacional.
Mas o fato mais emblemático que aconteceu na música baiana em 2014 foi o divórcio entre o cantor Bell Marques e a banda Chiclete Com Banana. Neste dia a terra tremeu – não como tremia nos antigos carnavais. No anúncio lacrimoso do cantor em rede televisiva via-se despencar com as lágrimas o próprio futuro da axé music – se é que ainda havia algum. E a resposta da banda, em “Vida Que Segue”, já trazia em si mesma o germe da desesperança.
Ali o Chiclete estava descendo a última pá de cal sobre uma era que ele próprio, mais do que qualquer outro artista, ajudou a implantar. O Chiclete é como uma artéria, o elo que liga o frevo trieletrizado dos anos 60/70 à música baiana de hoje, depois de atirar no caldeirão carnavalesco ritmos como o galope e o merengue. E se Luiz Caldas, com sua irreverente e criativa contribuição, conseguiu redimensionar o axé e levá-lo, junto com Sarajane, à degustação nacional, não se pode esquecer o pioneirismo do Chiclete Com Banana.
Depois de Luiz Caldas um turbilhão musical se abriu na Bahia, que absorvia ainda o samba-reggae de blocos afro, como Olodum, Muzenza e Ilê Aiyê, e ritmos da então chamada conexão África-Bahia-Caribe, que revelou nomes como Margareth Menezes, Gerônimo, Lazzo, Banda Reflexu’s, Carlinhos Brown, Timbalada e Ara Ketu. Mas nada se compara em termos midiáticos ao estouro de Daniela Mercury no início dos anos 90, seguido do reinado mais equilibrado e duradouro de Ivete Sangalo.
De lá para cá, o time de artistas baianos virou um clube reduzido e seleto onde ninguém entra e ninguém sai – salvo uma ou outra estrela solitária, como Cláudia Leitte ou Saulo. E os que lá permanecem, nada de novo oferecem.
Hoje o cenário é este: uma Asa de Águia que já não voa tão alto; um Cheiro de Amor que, se ainda exala alguma fragrância, vem de sua formosa nova vocalista Vina Calmon; um Carlinhos Brown dividido entre a Rede Globo e a indústria cinematográfica de Hollywood; e um Olodum que só aparece quando Galvão Bueno transmite jogos do Brasil em Copa do Mundo.
A outrora rainha do axé Daniela Mercury voltou com força às manchetes - infelizmente não por causa da música, mas graças ao seu reposicionamento no terreno afetivo. E Ivete, depois de jogar todas as fichas no Madison Square Garden, parece agora ecoar o nome daquele hilário movimento de ricos paulistas: “Cansei!”.
Quem cansou fomos nós, e é bom que se busque alternativas justamente neste cenário: o alternativo. É de lá que parecem soprar os ventos da renovação, com gente jovem experimentando novos/velhos intercâmbios sonoros, como BaianaSystem, Neto Lobo e a Cacimba, Irmão Carlos e o Catado, Velotroz, Ordep, Ministereo Público, Russo Passapusso e muitos outros. Espera-se também que a nova encarnação do Troféu Caymmi, com sua velha vocação de revelar talentos, venha trazer mais estímulo à cena.