Estupidez. Se eu pudesse resumir tudo aquilo que penso sobre o embargo cubano usando apenas uma palavra seria essa. Há mais de 50 anos, um bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba pelos yankees atrapalha o desenvolvimento da ilha, causando perdas que, em 2010, segundo cálculos de Havana, já superavam os US$ 104 bilhões. É definitivamente muita grana – mais que o triplo do PIB cubano – jogada no lixo em nome de uma luta que seguramente não deu certo.
O bloqueio, não por acaso, é condenado por 188 países, que no ano passado, na Assembleia Geral das Nações Unidas, assinaram uma resolução pelo término do impedimento. Felizmente, o establishment político americano caminha para o fim da medida.
Mas tudo isso é apenas parte da história que você provavelmente já conhecia. O cenário em relação ao embargo cubano é muito mais complexo do que você imagina. E aqui, tenho cinco motivos que irão ajudá-lo a entender por quê.
1) OS AMERICANOS ESTÃO ENTRE OS PRINCIPAIS PARCEIROS ECONÔMICOS DA ILHA.
Ao contrário do que muita gente imagina, o embargo americano não impediu os cubanos de comercializarem com o resto do mundo. Ainda que a ameaça de sanções aos países aliados que comercializem com a ilha esteja presente nas leis que mantém o bloqueio, isso de fato nunca ocorreu. Diversos países negociam livremente com os cubanos. Entre eles, os Estados Unidos.
Atualmente, cerca de 80% da comida distribuída pelo governo na ilha é importada, já que a agricultura cubana não dá conta de atender seus onze milhões de habitantes. Desde 2000, o governo americano permite que fazendeiros comercializem com a ilha. Desde então, o comércio entre os dois países cresce ano a ano.
Abaixo, os países de origem das importações cubanas. Os Estados Unidos são responsáveis por 7,78% delas – os yankees já são os principais fornecedores de alimentos em Cuba.
E o governo cubano não vem facilitando essa relação. No fim do ano passado, enquanto os americanos flexibilizavam consideravelmente as restrições às importações de bens e serviços de empresas privadas cubanas como parte da reaproximação, o governo cubano aumentou as taxas e restringiu as importações de bens de consumo levados ao país, sobrecarregando o pequeno setor privado em ebulição nos últimos anos, dificultando a atividade do mercado negro e revoltando as pessoas que buscam alternativas à escassez crônica.
“Ninguém gosta disso, as pessoas estão revoltadas”, disse Silvio Madero à Reuters. Madero, que é cubano-americano e reside na Flórida, nos Estados Unidos, visitou sua família cubana 6 vezes nos últimos quatro anos levando produtos em todas as ocasiões. “Este país precisa de dinheiro entrando, e com estas regras isso não vai acontecer. Eles deveriam deixar os bens de consumo entrarem para podermos ajudar nossos familiares e amigos”.
Nunca é demais lembrar que, além da evidente relação comercial, os yankees também têm um histórico de envio de ajuda humanitária à ilha como nenhum outro país. Durante a década de 90, enquanto Cuba passava por um período econômico turbulento após a queda da União Soviética, com crises de fome e de fuga em massa, os americanos enviaram mais ajuda humanitária à ilha que todos os então 15 membros da União Europeia e os países da América Latina.
2) APESAR DO EMBARGO, CUBA TEM UM COMÉRCIO EXTERIOR PROPORCIONALMENTE MAIOR QUE O DO BRASIL.
Sim, isso mesmo. Cuba não apenas comercializa com a maior parte do mundo, como tem um comércio exterior proporcionalmente maior que o do Brasil. Como informa o Banco Mundial, esse é o comparativo entre os dois países quando o assunto é importação de bens e serviços em proporção ao PIB.
Aos brasileiros que condenam o embargo americano à ilha é chegada a hora de levantar outra bandeira: pelo fim do embargo brasileiro imposto pelo próprio governo brasileiro.
3) A MAIORIA DOS CUBANO-AMERICANOS AINDA APOIAM O EMBARGO.
A maioria dos mais de 2 milhões de cubano-americanos que vivem nos Estados Unidos – boa parte de familiares que fugiram da ilha nas últimas décadas – ainda é a favor do embargo, embora o cenário esteja mudando.
Em 1991, quando o Institute for Public Opinion Research, da Florida International University, iniciou a FIU Cuba Poll, uma pesquisa de opinião sobre a aceitação do bloqueio, 87% dos cubano-americanos apoiavam o embargo. Na última pesquisa, em 2011, ainda 53% declaravam apoio à medida – embora 80% acreditasse que ela seja pouco eficiente.
Apesar da maior parte da comunidade cubana nos Estados Unidos defender o bloqueio, 75% dos entrevistados declararam apoiar as empresas americanas que vendem remédios para Cuba (esse número era de 50% em 1993), 65% declararam ser a favor da venda de alimentos (eram 23% em 1993) e mais de 60% são contrários a quaisquer restrições legais ao número de viagens ou quantidade de remessas que cubano-americanos podem enviar a parentes na ilha.
4) CUBA AUTORIZOU A IMPORTAÇÃO DE VEÍCULOS NO ANO PASSADO. EM 6 MESES, APENAS 54 FORAM COMERCIALIZADOS.
No primeiro dia útil do ano passado, o governo cubano autorizou a importação de veículos a preços de mercado, algo proibido durante meio século. A medida, aprovada apenas dois anos depois de Raúl Castro permitir a compra e venda de carros usados, também autorizou a compra e venda de motores e carrocerias entre particulares e a venda de carrocerias resultantes da desmontagem de veículos. Seis meses após a abertura, porém, pouca coisa pareceu ter mudado: apenas 50 carros e 4 motocicletas foram emplacados no período.
E o pífio resultado não aconteceu por acaso. Com o baixo poder aquisitivo da população (que ganha, em média, US$ 20 por mês) e os altíssimos preços pedidos pelos veículos nas onze lojas da Corporação Cimex, uma gigante estatal dirigida por militares que impõe um custo adicional de 8% sobre o valor do veículo e uma taxa de 10% para cobrir os custos da operação dentro do país, a abertura foi insignificante.
O SUV Peugeot 4008 novo, por exemplo, há um ano era vendido por US$ 239 mil na concessionária estatal SASA de Havana, enquanto a fabricante francesa cobrava a partir de € 34 mil (cerca de US$ 46 mil) em catálogos europeus. O sedã 508 chegava a custar inacreditáveis US$ 262 mil (R$ 585 mil) – valor cinco vezes acima do cobrado pela concessionária no Brasil, que está longe de ser um bom exemplo de veículos baratos.
E tudo isso, por uma simples razão…
5) É PRECISO, ANTES DE QUALQUER COISA, ACABAR COM O EMBARGO IMPOSTO PELO PRÓPRIO GOVERNO CUBANO.
Está vendo a propaganda do governo cubano acima? Ela está correta. A liberdade não deveria ser bloqueada. O embargo econômico é um grave equívoco porque restrições à liberdade econômica são equivocadas. E essa é exatamente a natureza da revolução cubana. É disso, afinal, que se trata o socialismo, não é mesmo?
No ranking global de liberdade econômica da Heritage Foundation, Cuba aparece na penúltima posição, acima apenas da Coreia do Norte. Em outros, como o do Fraser Institute, ou ainda no índice de facilidade para fazer negócios, do Banco Mundial, o país sequer aparece listado, de tão fechado. O governo cubano impõe um duro embargo à própria população, que gera efeitos econômicos e sociais muito mais graves do que o embargo americano – embora o primeiro seja pouco citado pelos críticos do segundo.
Ainda hoje, boa parte dos defensores do regime, por entenderem a catástrofe que restrições econômicas geram, condenam o embargo americano como o principal responsável pelas penúrias passadas pelo país. Mas essa é uma visão equivocada. Se há um vilão aqui, ele atende pelo nome e sobrenome de governo cubano. É ele quem repreende, impede, burocratiza, proíbe e cria barreiras para o comércio entre seus cidadãos. Os efeitos negativos que isso acarreta gera perdas tão agudas que são difíceis de medir.
Nesse momento, há cerca de 20 mil categorias profissionais nos Estados Unidos. Na ilha, com o embargo imposto pelo regime, a situação é completamente diferente. Há cinco anos, o governo cubano permitiu a prática privada de míseras 178 profissões. Recentemente, outras dezoito modalidades foram permitidas. Tudo isso gera atraso e pobreza.
Ainda assim, durante todos esses anos, e não por acaso, o embargo americano serviu como propaganda para o regime – algo alardeado pelos quatro cantos por seus defensores. Mas se o bloqueio deve ser condenado, não há outro caminho para o governo cubano.
Quem condena o embargo americano, condena por tabela a natureza do próprio socialismo.