Não apenas de criar subcelebridades vivem os reality shows da tv brasileira. Programas musicais que buscam revelar novos sucessos têm cada vez mais audiência, a despeito de quase nunca gerarem o resultado que prometem. Repletos de especialistas, produtores e cantores famosos, programas como Ídolos e The Voiceincansavelmente prometeram e falharam revelar estrelas da música nos últimos anos. Na política, onde a prática de escolher campeões possui longa tradição, os resultados não são muito diferentes – e entender o que leva alguém como Wesley Safadão a ter um sucesso genuíno e estrondoso pode ajudar a explicar por que privilegiados pelo governo, como Eike Batista, se tornam um fracasso retumbante.
O roteiro é quase sempre o mesmo. Surge um novo cantor com aquele que será o hit do verão – uma música viciante que o eleva instantaneamente ao sucesso – para então rodar por todos os programas de tv, passear entre celebridades, jogadores de futebol, realizar curtas parcerias com cantores famosos, emplacar uma música em alguma novela e então…. sumir, evaporar, desaparecer para sempre.
Com este roteiro em mente, produtores musicais e de televisão apostam piamente na possibilidade de levar qualquer um ao sucesso. Basta para isso deter os meios de colocar em evidência o cantor que se quer promover. A lógica parece simples. Artistas famosos aparecem constantemente na tv – logo, tornar qualquer um famoso através da exposição na tv parece uma tarefa simples. Ocorre que as coisas não funcionam exatamente desse jeito. Cantores de sucesso aparecem em programas por agregarem audiência, não apenas por conhecerem os produtores certos. Na política, a situação também é semelhante. Burocratas constantemente concedem financiamentos para empresários na esperança de que apenas isso seja suficiente pra torná-los bem sucedidos. Como mostram os constantes fracassos, porém, não basta ter dinheiro barato. É preciso saber usá-lo de forma eficiente.
As carreiras de Wesley Safadão e Eike Batista não poderiam ser mais opostas. Enquanto Eike escolheu prosperar em setores altamente regulados pelo governo, como petróleo e infraestrutura, Safadão fez sucesso em um dos setores com maior concorrência possível – a música. Filho de um renomado ex-presidente da Vale do Rio Doce, a carreira de Eike Batista sempre esteve ligada em maior ou menor grau à sua vasta rede de contatos. Apenas em duas oportunidades os negócios de Eike estiveram ligados diretamente ao consumidor final: uma montadora de veículos e uma empresa de cosméticos, criada por sua ex-esposa Luma de Oliveira. Ambas faliram.
Wesley Safadão, ao contrário, teve de prosperar literalmente agradando seu público consumidor todos os dias, a cada show durante mais de uma década, desde seus 15 anos de idade. Sob este julgamento constante, não é difícil imaginar que o cantor tenha respondido tão bem a um outro fator: a explosão das mídias sociais. Para a Folha, Safadão é o “rei da internet”, com seus 2,5 milhões de fãs no Facebook e 2,6 milhões no Instagram. Suas músicas e o próprio cantor tornaram-se um sucesso, sem que nenhum produtor de tv precisasse ser avisado previamente. Tampouco o governo.
E tudo isso surgiu de forma espontânea. O sucesso de Safadão nas redes está relacionado em boa parte à capacidade que a internet tem de agir de forma autônoma. Graças a páginas como a Vai Ter Copa Sim,
a Legado da Copa e
As Crônicas de Wesley Safadão, com seus memes sobre o cantor, a fama de Wesley nas redes cresceu exponencialmente. Sua irreverência e interação com as piadas e listas no melhor estilo Buzzfeed que surgem todas as semanas, colaboram para ampliar a boa receptividade do cantor na rede.
Assim como os cantores de funk ostentação, Safadão não precisou da tv para divulgar seu trabalho. Usando a internet, atingiu quase 200 milhões de views no Youtube com clipes como “Camarote” e “Sou ciumento mesmo”. Como você deve imaginar, as aparições em programas como o Domingão do Faustão não estão descartadas. Mas dependem de espaço na agenda no cantor, com mais de 25 shows por mês (e um cachê de R$ 500 mil por apresentação).
Como empreendedor, Safadão não se saiu diferente. Criou um bem sucedido evento em Fortaleza, com faturamento de quase R$ 2 milhões para uma única noite: o Garota White, equiparável ao retorno da apresentação do ex-beatle Paul McCartney. Em outro exemplo de empreendedorismo, o cantor superou o dilema que levou algumas das maiores gravadoras do mundo à falência – sua equipe distribui mensalmente 250 mil cd’s para ajudar sua divulgação, mostrando que seu negócio é “vender entretenimento”, não comercializar discos, como acreditavam as gravadoras até pouco tempo.
Mas e Eike Batista? Como ele pode sair de sétimo mais rico do mundo ao homem mais endividado do país? Como mostra a escritora Malu Gaspar, na biografia “Tudo ou Nada”, Eike sempre buscou ampliar suas relações com o governo, apesar de vender-se como um empreendedor. Eike foi o primeiro empresário, por exemplo, a contratar a consultoria de José Dirceu, ainda em 2006. Assim que seus negócios começaram a desandar, em 2010, decidiu que admitir os erros e redimensionar seus projetos (de criar uma mini-Petrobras e uma mini-Vale) estava fora de cogitação.
Mesmo não tendo cumprido prazos, Eike foi escolhido pelo governo para ser um campeão nacional. Nos últimos anos, recebeu mais de R$ 10 bilhões em empréstimos, tudo baseado em sua sempre alegada “intenção de levar o Brasil ao topo do pódio”. Os resultados foram previsíveis. O discurso nacionalista fez sucesso, levou o governo a apoia-lo, mas não foi suficiente para evitar sua ruína – afinal, nem o governo pode salvar uma empresa de petróleo que não produz petróleo.
Eike perdeu mais de R$ 60 bilhões em menos de 3 anos e seus projetos foram todos vendidos para empresas estrangeiras a preço de banana. Apesar de ser o mais conhecido, Eike infelizmente não foi o único dos escolhidos. Empresas como a operadora de telefonia Oi e a fabricante de lacticínios LBR também receberam bilhões com juros menores do que a inflação, para terem resultados decepcionantes e a quase falência.
A trajetória de Wesley Safadão, como a de diversos jovens na periferia e seu funk ostentação, segue mostrando como as escolhas que cada um de nós realiza cotidianamente resultam em melhor ordem do que aquelas realizadas por grupos de intelectuais ou burocratas do governo. Da cabeça de um prêmio Nobel de economia ao forró, a ordem espontânea como melhor meio de eleger campeões segue sempre atual. Pior para Eike Batista e o governo. Melhor para Wesley Safadão.