Haroldo Bauer é um apaixonado por cobras, que diz conversar com elas
Cuidado com a cobra! O perigo do ofidismo é grande no meio rural. Muitos dos que, embora vivendo na cidade, trabalham no campo podem ser inscritos entre os que estão ameaçados pelo perigo das serpentes. Várias são as espécies encontradas e grande é a quantidade de cobras, principalmente a terrível jaracuçu e a cascável.
Para a cura, às vezes, o fumo sobre a própria mordida ajuda, ou come-se toucinho, ou bebe-se gás (querosene) ou benzimentos, rezas e simpatias. Porém, há uma pessoa a quem recorrer na maioria das vezes, é o curador-de-cobras.
Entre as décadas de 60 e 80, o maior curador-de-cobras em Sergipe e adjacências era Batatinha. Nascido e criado em Itabaiana, ganhou cedo a simpatia pelas serpentes, fossem com o sem veneno. Dizia falar com elas e ganhava a vida carregando-as numa mala de couro. Expostas à curiosidade popular, as cobras ajudavam o show de Batatinha. Figura pequena, gordinha, pela clara, mas queimada pelo sol sertanejo, fala mansa e “amigo” das cobras. Elas, sabe-se lá por qual motivo, ajudavam o curador. Enquanto isso, a platéia comprava banha de cobra, indicada para “todos os males desse mundo”.
Mordido no rosto
Não há registro, mas é voz corrente entre os itabaianenses e, principalmente os fazendeiros do semiárido, que Batatinha morreu vítima da mordida que tomou no rosto, de uma jaracuçu, cobra que ele estava adestrando.
A presença do curador-de-cobras é reclamada nas feiras livres de diversas cidades. É ali que ele aparece para “curar”. Sua “arte” tem função preventiva como curativa. A primeira é executada por ele, nas feiras, ao ar livre, benzendo os “pacientes”, evitando-lhes o perigo do ofidismo. É comum a crença de que a pessoa benzida pelo curador pode ser ofendida por cobra que nada lhe acontecerá, já que de corpo fechado e “insensível ao veneno da cobra serpente”, fica curado-de-cobra. A “arte curativa” é feita sobre o paciente que tenha sido vitimado.
O curador-de-cobras aparece nas feiras trazendo uma caixa de madeira com uma ou duas cobras dentro. A roupa do curador chama a atenção por ser um terno de brim, de cor verde, como se fosse farda do exército nacional. Era paletó comum, chapéu de couro, vários anéis nos dedos, óculos escuros. Caboclo de estatura pequena, porém, retacado de corpo, bem falante, bons dentes.
Palrador, tirando da caixa uma das cobras, começou a falar. Sua voz é matraqueada e cantante. Logo ao seu redor muitas pessoas se achegaram. Uma pediu para ser curada. Não tinha sido “picada” por cobra. Outras mais foram se chegando para as curas. Da algibeira retira um crucifixo preto, coloca sobre a palma da mão do paciente.
Sem chapéu, começa a dizer palavras quase incompreensíveis entremeadas de um latim estropiado e com a mão direita traça o sinal da cruz sobre a mão do paciente. Este, finda a cura, apanha a cobra que o curador lhe entrega. Uns medrosos, outros corajosamente seguram a cobra. Há os que deixam, após o benzimento, que a cobra os morda. O curador recebe três cruzeiros pelo “benefício” feito.
O pesquisador submeteu-se à cura, porém, não teve nenhuma disposição para apanhar a cobra, ao que o curador disse que, sem fé, não poderia haver cura. Certamente o observador participante não ficou curado-de-cobra.
Se alguém queria pegar a cobra e ser por ela mordido, para verificar se ela mordia realmente, o curador-de-cobras o satisfazia, fazendo morder por uma salamanta. Um dos clientes informou-nos: “O curador cura tanto contra mordida de cachorro louco como de cobra”. O fazendeiro coronel Dionísio disse: “Eu já fui curado pelo Zé do Arvoredo lá da Cotinguiba, mas quis outra vez; é que eu queria ver se a cobra morde mesmo”.
E, naquele burburinho, outro replicou: “Abaixo de Jesus Cristo é só este mesmo, o Zé das Cobras. Cura tudo que é nação de cobra até jaracuçu e cascável, que dizem que depois que elas ofendem, vêm à noite para a sentinela (velório) porque é morte na certa”.
Outra opinião que ouvimos sobre o curador foi proferida por Otávio Mole: “O Zé das Cobras cura pastos também. Ele benze um pasto e a gente pode ficar esperando que dali a pouco começam a passar as cobras. Saem todas do pastos que ele benzeu. Não deixa que gente as mate. Eu vi ele benzê um pasto, dali à pouco vi passar duas cobras, eu quis matar, mas ele não deixou. Ele é o melhor curador-de-cobra que existe por aqui”.
Além dos benzimentos, das simpatias, das rezas para curar a “ofensa de serpente” é costume, enquanto se espera o curador-de-cobras ou benzedor, dar três colheres de “gás” (querosene) ao “ofendido”. Deve-se também esfregar no lugar das cicatrizes um pouco de “gás”. Outras vezes, dão ao doente pequenos pedaços de toucinho cru que ficou de molho alguns minutos numa tigela de querosene, onde desmancharam uns nacos de fumo de rolo.
Por Alceu Maynard Araújo/Medicina rústica
Opinião do Site: em caso de ser mordido por uma cobra, procure imediatamente um hospital ou um profissional de saúde e verifique se no local há soro antiofídico disponível. Como dizem, abaixo de Deus, é este soro que salva da morte certa.
(Crédito/www.tabiradetodos.blogspot.com.br)