Apelidada nos Estados Unidos de Black Friday, a tradicional queima de estoque que prepara as lojas para o Natal não demorou mais do que uma década para consolidar-se como uma das datas mais importantes do comércio americano – movimentando em um único dia nada menos do que US$ 50 bilhões em vendas, ou 6 vezes o volume anual do comércio online brasileiro. No Brasil, onde a data completa hoje seu quinto ano, o evento ainda se concentra na maior parte ao comércio online, que enfrenta, além das recorrentes desconfianças com prazos de entrega, acusações de fraudes ou promoções duvidosas. Para alguns, entretanto, a maior desconfiança segue sendo as causas que levam o comércio a praticar preços tão distintos em uma determinada data e o restante do ano. Afinal, por que as lojas não cobram os preços da Black Friday todos os dias?
Antes de responder essa pergunta, no entanto, precisamos voltar um pouquinho no tempo.
A relação dos americanos com o comércio à distância data de muito tempo. Como relata o escritor Charles Morris, em 1870 era possível adquirir e mobiliar uma residência apenas por meio de catálogos de venda. O setor de vendas por catálogos desenvolveu-se velozmente, contando com a boa malha ferroviária americana (construída inicialmente para transportar grãos e petróleo), para garantir uma pontualidade e segurança na entrega. Some-se a isso o acesso facilitado ao crédito, que hoje mal passa dos 10% ao ano no cartão, e não é difícil compreender por que os americanos entraram na onda do comércio eletrônico com muito mais naturalidade que os brasileiros.
No Brasil, onde nem infraestrutura e sequer o crédito, que por aqui pode passar dos 400% ao ano, são realidades, o comércio eletrônico ainda engatinha, apesar do crescimento acelerado. O setor faturou, em 2014, R$ 32 bilhões – um número 15 vezes menor que o faturamento da gigante americana Amazon. Obrigadas a driblar os problemas estruturais do país, as companhias brasileiras, como a B2W (controladora do Submarino e Lojas Americanas), acabam investindo boa parte de seus recursos em torno da ideia de adquirir e criar uma rede logística própria, além de desenvolver cartões e meios de financiamento igualmente exclusivos.
Apesar das evidentes diferenças, o comércio eletrônico brasileiro e americano unem-se em uma característica comum: o lucro ainda é uma realidade distante do setor. Enquanto a americana Amazon reporta um lucro de US$ 328 milhões para um faturamento de US$ 100,5 bilhões, a brasileira B2W ostenta margens negativas de 2,6%, reportando um prejuízo de R$ 236 milhões para um faturamento de R$ 8,8 bilhões. Para os especialistas, o setor ainda vive de apostar no crescimento. O momento do lucro ainda encontra-se em um futuro incerto. Boa parte da margem bruta (preço de venda menos preço de custo) da B2W ainda é destinada a investimentos, como a abertura de centros de distribuição e aquisições de empresas de transporte. A companhia investe anualmente algumas centenas de milhões para fazer você não depender dos correios.
Na Amazon, a ausência de lucro e a priorização do crescimento se tornaram a filosofia padrão. Jeff Bezos, o fundador da empresa, costuma dizer que um investidor da companhia só possui lucro ao desfazer-se das suas ações. Como não distribui lucros, a empresa pode destinar estes recursos para ampliar a margem com a qual opera e oferecer maiores descontos aos clientes, expandindo sua participação no mercado em um ciclo de crescimento. A filosofia da Amazon possui alguns adeptos, mas sua realidade claramente ainda é distante do Brasil.
Mas, se as companhias não embolsam lucros astronômicos, por que então os preços não são baixos o ano inteiro? Aqui, há um fato a se destacar: se o setor de varejo pouco lucra (com margens que variam de 3% a 12% de lucro sobre faturamento, em supermercados e vestuário), a indústria – quem fabrica os produtos que você compra na Black Friday – apresenta números relativamente maiores. O lucro obtido na venda é retido pela indústria brasileira que goza de uma quase ausência de competição com a industria mundial – graças ao fato de que nenhum país no mundo possui um comércio exterior menor que o brasileiro. Sobra pro consumidor.
Todo este longo caminho entre o preço final e o lucro do vendedor pode ser expressado em uma única ideia, conhecida como “custo Brasil”, que reúne uma série de dificuldades enfrentadas para se empreender no país: a burocracia, os juros altos, a carga tributária mais complexa do mundo (gasta-se no Brasil, 2.600 horas apenas para pagar impostos), os custos trabalhistas (salários são metade do custo do varejo, e para cada R$ 1 pago ao trabalhador, estima-se o custo de R$ 1,03 em benefícios e impostos), a insegurança jurídica que dificulta a cobrança de um devedor e o alto custo da energia elétrica são alguns dos exemplos mais recorrentes. Ao contrário do que possa supor o senso comum, o custo de um bem ou serviço passa muito longe de se resumir a lucro e impostos.
Mas, é impossível não falar deles. Outro fator nesta conta de custos é mais conhecido e relativamente mais relevante: os impostos sobre o consumo costumam ser relativamente elevados no Brasil em relação à maior parte do mundo. No caso dos smartphones, os produtos mais vendidos na Black Friday, os impostos ficavam em média em 39% do valor final, valor consideravelmente baixo quando comparado aos 124% em que determinados jogos eletrônicos podem ser taxados.
Mas então, se os custos principais (aqueles da companhia com investimentos, impostos e manutenção) não variam, e a margem final é relativamente baixa, como então se explicam os preços muito menores na Black Friday? A resposta é mais simples do que parece. O enorme volume de vendas dilui boa parte dos custos, tornando possível às empresas negociarem preços menores junto à indústria e assim ganhar pelo volume, ou pela fidelização do cliente.
Apesar de ainda pequeno, o setor de comércio online tem se mostrado o mais próximo que atingimos de um modelo de concorrência perfeita – onde o preço menor do concorrente está sempre a um click de distância e o consumidor termina fisgado pelo custo/benefício e confiança. Todos os custos que imaginávamos serem inerentes ao comércio tornam-se com a internet menores ou inexistentes. Reduzimos gastos com propaganda, com lojas cada vez maiores em bairros movimentos, entre outras coisas.
Diante de tantos avanços dos lojistas, nosso eterno atraso em resolvermos os problemas de infraestrutura e os juros elevados parecem ser ainda os empecilhos irredutíveis na meta de atingirmos a ‘Black Friday’ nossa de cada dia, ou algo mais próximo disso, com preços mais atrativos. E aqui, vale notar que não apenas os impostos atrapalham essa possibilidade. Toda vez que o governo falha em promover a infraestrutura do país e aprova orçamentos deficitários, eles – os custos – acabam pesando no seu bolso. E acredite: de forma que você nem mesmo parecia imaginar.