A manchete é clara: Michel Temer pretende gastar R$ 30 mil em um jantar no Palácio da Alvorada para alguns poucos senadores com intuito de convencê-los de que é preciso fazer o governo gastar menos.
Talvez você considere isso uma incoerência das grandes, o que de fato é. Mas espere mais um pouco e, assim que a indignação baixar, releia a manchete. Não é difícil perceber um fato novo nisso tudo. Pela primeira vez em muito tempo, cada gasto público abusivo, por menos impactante que seja no orçamento, parece ser plenamente passível de críticas.
Seja você contra ou a favor da aprovação da PEC 241/55, é inegável que sua simples proposição tenha colaborado para colocar em pauta o orçamento do governo e a forma como ele se distribui.
Durante anos, a única limitação do orçamento público foi a própria vontade política por parte do governo, ou as pressões políticas e sociais por parte da sociedade e de grupos de interesse.
Nunca coube ao governo lidar com dilemas, comuns a famílias e empresas, de alocação de recursos escassos. Não foi necessário, por exemplo, ter de escolher entre privilegiar o judiciário ou a educação, a saúde ou os parlamentares. Bastou aumentar os gastos em todas essas áreas e, ao final de tudo, jogar a conta para a população. O resultado disso tudo é evidente: entre 1991 e 2015, o gasto do governo federal saltou de 10,1% para 19,5% do PIB.
Nesta onda de aumento de despesas, nosso judiciário tornou-se o mais caro do planeta, custando 1,3% do PIB, contra 0,2% de países como Chile ou Argentina. Atingimos a nada honrosa posição de segundo congresso mais caro do planeta, perdendo apenas para os Estados Unidos. Nossos parlamentares custam por ano R$ 2 milhões cada um.
Ao criar uma regra sobre como o gasto deve crescer, porém, o governo passa a agir como qualquer família brasileira, onde cada centavo a mais gasto em determinada área é um centavo a menos para gastar em outro lugar.
Quer um exemplo? Por ano, o governo gasta R$ 4 milhões para manter os jardins do Palácio da Alvorada, a residência oficial do Presidente da República. Na ponta do lápis, este gasto poderia manter durante um mês, 22.727 famílias beneficiárias do Bolsa Família.
Daqui em diante, lutar por mais recursos para áreas prioritárias deve ser essencialmente lutar contra abusos, privilégios e gastos injustificáveis. Assim, listamos abaixo 15 exemplos destes abusos e deixamos claro como a tarefa que vem pela frente não será nada fácil.
1. O salário de R$ 22 mil mensais pagos ao gestor de xerox da Câmara.
A discussão entre o presidente do Senado e o Judiciário ganhou um novo capítulo há poucos dias, quando Renan Calheiros decidiu constituir uma comissão para investigar os supersalários da administração pública.
Renan, que é réu em 9 processos no STF, iniciou a adoção de uma série de medidas, após o Supremo Tribunal Federal ter autorizado uma ação da Polícia Federal para investigar membros da Polícia Legislativa. Além de investigar os supersalários, Renan prevê desengavetar uma alteração na lei de abuso de autoridade, além de combater salários acima do teto.
A resposta de autoridades do Judiciário porém, foi lembrar que a comissão precisa avaliar os casos de abusos em todos os poderes, e não apenas em um deles.
Para citar um exemplo, Roberto Veloso, o presidente da Associação Nacional de Juízes, relembrou o caso do operador de xerox da Câmara que receberia mensalmente R$ 22 mil, entre salários e indenizações.
2. R$ 1 bilhão em prejuízos causados pela má gestão de medicamentos no SUS.
A falta de medicamentos em postos de saúde foi pauta em diversas campanhas Brasil afora. Para onde quer que se olhe, as reclamações parecem as mesmas: faltam medicamentos.
No entanto, uma investigação do Conselho Federal de Farmácia descobriu que R$ 1 em cada R$ 5 gastos pelo poder público na compra de medicamentos são jogados na lata do lixo, uma vez que os medicamentos vencem antes de ser utilizados, ou muitas vezes ficam retidos em estoques do próprio Ministério da Saúde.
Na soma dos valores despendidos pelo SUS com medicamentos, a estimativa seria de um prejuízo anual em torno de R$ 1 bilhão. O valor corresponde, por exemplo, a 1/4 do que o país investe em novos hospitais, aquisições de equipamentos e outros investimentos em saúde.
3. Os R$ 198 mil que o Ministério da Educação pretendia gastar com lanches para o ministro em voos oficiais.
Os R$ 30,9 mil mensais recebidos como salário são suficientes para colocar o atual ministro da educação, Mendonça Filho, entre os 0,5% mais ricos do país. Isso não significa, porém, que o ministro possa arcar com certos custos cotidianos, como a própria alimentação.
Além do privilégio de utilizar aviões da Força Aérea para se locomover, o Ministério da Educação lançou um edital no começo da semana para garantir o conforto do ministro e de seus convidados a bordo das aeronaves. Segundo a revista Época, o contrato de licitação previa que o fornecedor deveria garantir serviço para até 10 pessoas.
Em muitos casos, o ministro ainda recebe as diárias do Ministério, destinadas a custear sua viagem. Desde junho, Mendonça Filho já recebeu R$ 10 mil em diárias.
Graças à repercussão do caso, o ministro ordenou que o edital fosse cancelado.
4. Os desembargadores de Minas Gerais que receberão R$ 1 bilhão em auxílio-moradia.
O parcelamento de salários de servidores ainda é uma realidade para os mais de 200 mil funcionários públicos de Minas Gerais. Em alguns meses, os salários demoram até 20 dias para cair por completo na conta.
Contando com um orçamento próprio, graças à independência dos três poderes, judiciário e legislativo acabam por escapar das medidas mais drásticas. A exemplo do que ocorre no Rio Grande do Sul, onde apenas os funcionários do executivo (sendo 2 em cada 3 deles professores ou policiais) estão sujeitos ao parcelamento, em Minas a realidade é bastante semelhante.
Em meio a esta crise sem precedentes nas finanças estaduais, o Ministério Público decidiu pagar os valores devidos aos desembargadores em auxílio-moradia de 1994 até 2000, exatamente em 2016. Valor total da conta para ser mais preciso: R$ 946.483.179,57.
5. O juiz que recebeu R$ 600 mil em um único mês.
A votação para reduzir em até 30% os salários do funcionalismo público carioca ainda deve passar pela assembléia legislativa, em um pacote de medidas que inclui ainda cortes de gastos como o fechamento de restaurantes populares, aumentos de impostos e cortes de investimentos.
Longe da realidade que aflige o executivo fluminense, que já necessitou de apoio federal da ordem de R$ 2,9 bilhões para manter as contas em dia, o judiciário segue sua rotina orçamentária própria. Segundo análise feita por O Globo, 894 – ou cerca de 90% – juízes e desembargadores do estado do Rio de Janeiro receberam acima do teto constitucional no início deste ano. Destes, 34 receberam mais de R$ 80 mil.
No início de 2010, o Rio ficou conhecido por um outro recorde ao remunerar um juiz em R$ 642.962,66 a título de salários e indenizações. Em valores atualizados, a quantia se aproxima de R$ 1 milhão, em um único mês.
6. Os R$ 40 milhões gastos em publicidade para explicar a necessidade de cortar gastos.
Os cortes e aumentos de impostos realizados ao longo do ano de 2015 ainda podem ser sentidos enquanto nos aproximamos do final de 2016. Em nenhum outro ano, por exemplo, a educação perdeu tantos recursos. Foram pouco mais de R$ 10,5 bilhões. Outros R$ 4,2 bilhões foram cortados na saúde.
Programas como o Minha Casa Minha Vida, o PAC do Saneamento, o Pronatec e até mesmo o Bolsa Família sofreram cortes.
Para anunciar tudo isso, porém, o governo decidiu lançar uma campanha explicando seus motivos para realizar um ajuste. Custo? R$ 40 milhões.
7. O Tribunal de Justiça do Paraná que gasta R$ 2,8 milhões por ano com garçons.
Não apenas de remunerações para juízes e desembargadores são feitos os gastos dos tribunais de justiça brasileiros. Manter a estrutura do judiciário como um todo custa por volta de 1,3% do PIB, ou R$ 68 bilhões. Quando incluído o Ministério Público, a quantia pode chegar aos 2,1%, ou pouco mais de R$ 100 bilhões.
Com um orçamento não limitado por qualquer regra, os tribunais de justiça se permitem algumas regalias. Apesar de bem mais modestos do que os salários concedidos aos garçons do Senado, que chegam a ganhar R$ 15 mil mensais, os 104 garçons contratados pelo TJ-PR somam uma folha de pagamento mensal de R$ 235.743,12 mensais. Ao longo de 3 anos, a expectativa é de que o custo chegue aos R$ 10 milhões.
8. A juíza ligada a traficantes e casos de corrupção que recebeu como punição uma aposentadoria compulsória de R$ 25.438,40.
Punir políticos envolvidos em caso de corrupção é uma atitude rara no Brasil. Dentre os mais de 500 deputados julgados pelo STF desde 1996, apenas 16 foram condenados e o primeiro a ser preso só foi parar na cadeia em 2013.
No judiciário, porém, sob o pretexto de impedir que falsas acusações possam reduzir a autonomia da justiça e colocar em risco o próprio exercício da profissão, as punições costumam ser consideravelmente mais brandas. Com raras exceções, a pena cabível a juízes flagrados praticando atos de corrupção resume-se à aposentadoria compulsória, como foi o caso de uma juíza no Estado da Bahia.
Em 2001, a juíza teria votado favoravelmente para soltar um traficante preso em flagrante em uma operação da PF. Segundo apurou o ministério público, a relação entre os dois evoluiu ao longo dos anos.
Após a investigação da PF, o caso foi a julgamento, e arrastou-se por anos, até chegar-se à conclusão de que a postura da juíza de fato não condizia com o que se espera de um magistrado. Punição: aposentadoria compulsória com salário integral.
9. Os 81 assessores a que Collor tem direito como Senador.
Um automóvel novo a cada dois anos, ternos, celulares, alimentação, moradia e gasolina à vontade. A lista de mimos aos quais os senadores têm direito, independentemente do seu salário, se estende até onde a imaginação dos próprios alcança.
Manter o Senado Federal, com seus 81 membros, custa anualmente R$ 2,7 bilhões, ou R$ 33 milhões para cada senador. O orçamento equivale ao gasto dos ministérios do Esporte e Cultura somados.
Dentre os gastos comuns, a remuneração de assessores encabeça a lista. Fernando Collor (PTB – AL), por exemplo, possui direito a 81 assessores. O senador Helio José (PMDB – DF) emprega 91. Na contramão, o senador Reguffe (Distrito Federal – sem partido), com 9 assessores.
Garantindo um plano de saúde integral a seus membros, o Senado Federal também chamou a atenção recentemente por gastar R$ 5 milhões com o Hospital Sírio-Libanês, um dos principais hospitais privados do país. O plano de saúde do Senado ainda é considerado o mais caro do país.
10. A bolsa alimentação de R$ 3.095,86 recebidos por cada um dos vereadores do Recife.
Ser vereador em uma grande capital brasileira é o suficiente para colocar-lhe entre o 1% de maior renda no país. Em Recife, por exemplo, o salário bruto é de R$ 15 mil. O valor, no entanto, não inclui certos gastos considerados essenciais aos vereadores. Em junho deste ano, cada um dos 39 membros da câmara municipal recifense deu a si mesmo um vale refeição superior a R$ 3 mil, valor correspondente a mais do que o dobro do salário médio dos recifenses.
11. Os R$ 500 milhões que o governo Temer gastará para excluir o software livre dos computadores do governo.
Deixar de utilizar softwares de livre acesso deve ser uma das estratégias do governo Temer para, segundo o próprio, reduzir o risco de que os dados do governo possam ser hackeados.
Na prática, adotar o pacote Office e outros programas da Microsoft em todos os computadores oficiais poderá ter um impacto de R$ 500 milhões em gastos com licenças e outros custos.
12. Os R$ 620 mil na compra de veículos de luxo para os ministros do Supremo.
Garantir o bom funcionamento da Suprema Corte brasileira tem seu custo. Em 2010, por exemplo, o STF comprou cerca 33 apoios para os pés ao singelo custo de R$ 10,2 mil. Em outras compras polêmicas, foram R$ 45 mil em copos descartáveis e R$ 4,9 mil por cada uma das poltronas usadas na corte.
Para exercerem seus cargos, cada um dos ministros deve ter à sua disposição um veículo Hyundai Azera, ao custo de R$ 155 mil cada.
13. Os R$ 100 milhões gastos com pensões e benefícios a ex-governadores nos últimos 3 anos.
A reforma da previdência ainda está parada no Congresso, mas a certeza de que o governo tentará impor uma mudança da idade mínima para 65 anos já preocupa as partes envolvidas. No entanto, nada disso afeta uma classe muito especial de cidadãos: os 104 ex-governadores e 53 viúvas que têm direito a receber salário integral – múltiplas vezes o teto do INSS – por terem passado 4 ou 8 anos no cargo, responsáveis por um gasto que alcançou R$ 100 milhões nos últimos 3 anos.
A exemplo da Presidência da República, que gasta R$ 3 milhões anuais com ex-presidentes, governos como o do Maranhão estendem aos seus ex-governadores direito à pensão, além de outros benefícios como um veículo oficial e assessores.
14. A primeira-dama de Goiás que se aposentou por trabalho voluntário.
Os trabalhos desenvolvidos por primeiras-damas voltaram à pauta após a decisão do governo federal de nomear Marcela Temer para um cargo no programa Criança Feliz.
Em Goiás, a ex-primeira dama Valéria Perillo, esposa do tucano Marconi Perillo, aposentou-se recentemente pelo Tribunal de Contas do Estado. Para garantir o tempo necessário para a aposentadoria, porém, os anos à frente da OVG (Organizações Voluntárias de Goiás) acabaram contando, ainda que pelo trabalho Valéria não tenha recebido remuneração alguma e, portanto, não tenha contribuído para a previdência.
15. Os R$ 24 milhões gastos no cartão corporativo da presidência.
Nem bem completou seus 6 primeiros meses à frente do governo, os primeiros números da administração Temer começam a sair e, com eles, a inevitável comparação com governos anteriores.
Conforme divulgou O Globo, em quatro meses de mandato, Temer havia gastado mais do que sua antecessora em um semestre.
Os gastos com cartão corporativo são velhos conhecidos dos brasileiros. Em 2008, Foi publicada uma série de denúncias sobre mau uso dos recursos, que em tese deveriam custear gastos essenciais aos ministros e à presidência, sem necessidade de licitação.