O Brasil é uma nação pacífica.
Talvez você se lembre das aulas de história do Brasil, em que nossa longa tradição diplomática e a ausência de conflitos por longos períodos era sempre exaltada como uma virtude brasileira, não é? Mas se você já está crescido, deve ter sacado que de pacíficos nós não temos nada. Sejamos honestos: não precisamos de nenhuma outra nação para criar conflitos que terminam em milhares de vidas perdidas. Fazemos, e muito bem, tudo isso sozinhos.
Por aqui, a violência tornou-se uma verdadeira epidemia. Batemos recorde atrás de recorde quando o assunto é número de homicídios. No último dado disponível, de 2014, foram 59.627 vítimas fatais, número suficiente para nos colocar como o país que mais mata no mundo!
Em uma semana, mais pessoas serão assassinadas em território brasileiro do que no Japão e no Reino unido em um ano inteiro. Também no período de um ano, menos assassinatos são cometidos em Portugal do que em 12 horas por aqui.
O custo de tudo isso vai além do mais evidente – os milhares de jovens que perdemos todos os anos para o crime e que são boa parte do total de vítimas. Nosso problema em lidar com a segurança do país é também responsável por nos deixar mais pobres e vulneráveis. Por ano, a violência custa ao Brasil um valor superior à renda dos 30% mais pobres da população.
Gastamos com segurança o mesmo que gastamos com educação, 5,4% do PIB. O resultado é que, ao renegar a prevenção e apostar no mero controle de danos, terminamos sem um nem outro.
Para piorar, nosso gasto ainda é feito de maneira errada. Por não termos resolvido antes nossos problemas de gestão ou de estrutura dos estados, atualmente, em alguns casos, mais da metade do gasto em segurança pública é destinado a pagar aposentadorias e pensões. Tendo de pagar duas pessoas pelo serviço de uma, acabamos com policiais extremamente mal remunerados.
Além de todos os problemas evidentes, encaramos ainda alguns mais discretos, mas tão assustadores quanto. Nossa média de assaltos é duas vezes a média mundial. Por aqui, 8% das pessoas dizem ter sido assaltadas nos últimos 12 meses. Destas, sequer metade registrou o ocorrido, ajudando a criar graves problemas nas nossas estatísticas.
Se os dados disponíveis são confusos, a disposição dos governos em resolver o problema é ainda pior. A criação de um registro nacional de pessoas procuradas pela polícia, por exemplo, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça apenas em janeiro de 2017.
Seja pelas soluções ruins apresentadas ou pelo tanto que desconhecemos, os números são alarmantes e o resultado você pode ver mais diretamente nestes 12 itens que selecionamos abaixo:
1. Por ano mais pessoas são assassinadas no Brasil do que na China, Estados Unidos e Europa… somados.
Poucos aspectos da sociedade brasileira podem ser considerados tão deslocados da realidade mundial como nossa propensão à violência. Nossa taxa de homicídios hoje – em torno de 24,6 mortes para cada 100 mil habitantes – é similar à da Inglaterra no século XV, onde sequer havia polícia constituída.
Nossas pouco mais de 59 mil vítimas de assassinato por ano superam em larga vantagem os 12.253 americanos, 11.286 chineses e 22 mil europeus assassinados todos os anos. Na diferença, seria possível incluir ainda Indonésia (1.277), Bangladesh (4.514), a Oceania (1.100) e outras dezenas de países.
Na prática, estes países são responsáveis por aproximadamente metade da população mundial, o que significa dizer que, com 3% da população mundial, o Brasil mata o mesmo que países que compõem 50% desta população.
2. Nossa taxa de homicídios é oito vezes maior que a da Índia, um país tão pobre e desigual quanto o nosso.
Segundo a ONU, o Brasil concentra 10% dos homicídios do mundo. O número é de fato assustador, mas devemos ressaltar que, como estamos falando do Brasil, as estatísticas podem ser consideradas imprecisas.
Tome-se o exemplo de alguns estados campeões em redução de taxa de homicídio. Nestes, as ocorrências de chacinas ou de assassinatos costumam ser reclassificados como “lesão corporal seguida de morte”, por exemplo. Com a mudança de nomenclatura, o problema torna-se menor.
Ainda assim, mesmo com todos os casos conhecidos de subnotificação, nossa taxa de homicídios permanece em 24,6 por 100 mil habitantes, nada menos do que oito vezes maior que a taxa indiana, ou 30 vezes maior que a taxa na China.
Como mostra a ONU, a desigualdade no Brasil é sim alarmante. Estamos entre os 12 países mais desiguais do mundo. Na maior parte destes países, porém, a realidade é distinta da brasileira quando o assunto é violência. Temos mais mortes por aqui do que por lá.
3. Mais pessoas morrem assassinadas no Brasil do que na guerra da Síria.
O conflito sírio é atualmente o mais mortífero em andamento no mundo e se desenrola há pouco menos de seis anos.
Neste período, porém, conseguimos bater os sírios quando o assunto é mortalidade. Mesmo com todas as bombas caindo no país e a ameaça do Estado Islâmico, morreram entre março de 2011 e dezembro de 2015 256.124 pessoas na Síria, contra 278.839 no Brasil.
Por aqui, a cada nove minutos uma pessoa foi morta. O número, no entanto, revela um alívio para os brasileiros: em 2015, pela primeira vez em anos, a violência diminuiu, ainda que timidamente, caindo 1,2% em comparação a 2014.
4. Mais de 90% dos homicídios no Brasil não são solucionados.
Se você é destes que está acostumado a acompanhar seriados americanos com técnicas forenses incríveis, capazes de reconstruir com perfeição a cena do crime e identificar a pessoa responsável, talvez tenha uma grande decepção quando se deparar com a realidade.
É verdade que sequer nos EUA este seja um cenário comum, o que provoca problemas graves em um país acostumado a julgamentos por júri popular (por lá, advogados de acusação enfrentam problemas, já que a população acostumou-se a acreditar em provas cabais e super-cientistas desvendando o crime). Por aqui, o agravante é ainda maior.
Entre 5 e 8% dos homicídios brasileiros são de fato investigados.
Como relatou recentemente em uma reportagem o Jornal da Globo, casos em que cidadãos ou mesmo repórteres criminais entram e violam cenas do crime antes da atuação da polícia forense são comuns. O respeito à investigação inexiste e o material de trabalho dos policiais da área ainda enfrenta as velhas dificuldades licitatórias do Brasil. Comprar fita de isolamento, por exemplo, pode ser mais fácil se sair do bolso dos próprios policiais do que se precisar encarar meses de licitação.
5. Metade dos presos brasileiros ainda aguarda julgamento.
A crise no sistema carcerário brasileiro teve um estopim nos últimos meses, com rebeliões entre facções distintas que culminaram na morte de mais de uma centena de presos em ao menos três estados brasileiros.
De acordo com o Ministério da Justiça, faltam 231 mil vagas no sistema prisional do país. Para o mesmo relatório realizado pelo ministério, boa parte da explicação está na manutenção de presos que sequer foram julgados.
Casos de presos que estão há 90 dias ou mais na prisão e não tiveram o julgamento realizado são comuns e em mais de um terço dos presídios brasileiros este número chega a ser maioria.
No caso do Ceará, por exemplo, 99% dos presos estão há mais de três meses à espera de um encerramento para os seus processos.
O resultado de tanta superlotação é que, na maioria dos estados, a taxa de homicídios dentro de presídios chega a ser dez vezes maior do que nas ruas. Cadeias inseguras e onde o Estado não tem condições de assumir o controle, tornam-se por sua vez um território livre para as chamadas escolas do crime.
6. Por ano, o Congresso Nacional custa mais do que o gasto com segurança dos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo.
Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, nosso gasto em segurança pode ser considerado alto, chegando a quase R$ 284 bilhões anuais. Deste valor, cerca de metade é realizado por empresas privadas, que garantem a segurança dos que podem pagar. Ao restante da população, resta contar com o Estado.
Na hora de definir prioridades e estruturar o orçamento, os políticos brasileiros não deixam de ser generosos – consigo mesmos. Os 28 mil funcionários do congresso nacional custarão, em 2017, nada menos do que R$ 10 bilhões.
O valor pode parecer pequeno diante do nosso gasto com segurança, mas, ainda assim, é maior do que todo o gasto em segurança realizado pelo Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais. Em comum, todos os três estados enfrentam crises na segurança pública.
7. Em nenhum país do mundo tantos policiais matam e morrem como no Brasil.
Poucos sinais deixam tão clara a situação de guerra civil enfrentada no Brasil quanto os números de mortes de policiais e de pessoas mortas em ações da polícia.
Apenas em 2013, a polícia brasileira foi responsável por matar 1.259 pessoas, um número similar ao total geral de homicídios ocorridos na Alemanha e na França, somados (considerando que juntos os dois países têm uma população apenas 30% menor que a brasileira). Do outro lado, foram 316 policiais mortos em serviço.
Segundo dados levantados pela BBC Brasil, a cada quatro homicídios ocorridos em São Paulo, um é provocado por policiais militares, sendo 87% deles cometidos por agentes em operação.
Na outra ponta, dos assassinatos de policiais, mais da metade, ou 57%, ocorrem durante períodos de folga dos agentes.
8. Gastamos mais com policiais aposentados do que com policiais na ativa. O resultado: salários menores para todos.
Que os salários dos nossos policiais e professores são baixos, não resta dúvida. Na câmara municipal de São Paulo, por exemplo, um engraxate recebe salário bruto de R$ 10,4 mil, contra R$ 3,9 mil de um policial que trabalha na mesma câmara, ou R$ 2,9 mil de um policial em início de carreira no Estado de São Paulo.
Nosso maior problema, entretanto, segue sendo uma questão estrutural do próprio governo: até pouco tempo atrás, em muitos estados, policiais sequer pagavam contribuição previdenciária, como é o caso do Rio Grande do Sul.
O resultado é que hoje, nestes mesmos estados, é preciso dividir os recursos existentes para a área entre aqueles que estão na ativa e os aposentados.
No mesmo Rio Grande do Sul, conhecido por seu problema previdenciário, os 19.257 PMs em atividade custam ao estado R$ 127,1 milhões por mês. Com os 24.123 aposentados, o custo é de R$ 209,2 milhões, mais R$ 70,2 milhões com 9.908 pensionistas.
No Espírito Santo – que enfrenta uma greve branca da Polícia Militar nos últimos dias, ocasionada por parentes que bloqueiam a entrada dos quartéis -, o gasto com inativos é equivalente a 40% do total.
Iniciativas como a criação de um fundo previdenciário que acumule recursos tentam reverter a situação. O resultado, porém, só começará a ser sentido em algumas décadas e pode não ser suficiente, uma vez que na Brigada Militar (a Polícia Militar do RS), por exemplo, a média de idade ao aposentar-se é de 48 anos.
9. No Rio Grande do Sul, os deputados gastam dez vezes mais com combustível do que a polícia.
Definir prioridades em um estado em crise é, teoricamente, uma tarefa árdua para parlamentares. Com um déficit que pode chegar a R$ 25 bilhões apenas nos quatro anos do atual governo do Rio Grande do Sul, os deputados estaduais foram chamados a ajudar a cortar gastos e garantir que os salários do funcionalismo sejam pagos, ainda que parcelados.
Nada disso impediu a chamada farra do combustível, promovida pelos mesmos. Em 2014, cada um dos 129 veículos dos parlamentares gaúchos gastou em média R$ 35 mil em combustível, contra R$ 3,5 mil de cada viatura policial.
Para o ex-presidente da assembléia gaúcha, Edson Brum, a diferença pode ser explicada por conta do uso urbano dado às viaturas da polícia, que teriam reduzido significativamente o consumo.
10. No Paraná, de cada 100 boletins de ocorrência, só 7% são de fato investigados. Em SP, não chega a 10%.
Nossa subnotificação de crimes é notória. Segundo a polícia, é uma das razões pelas quais o policiamento torna-se menos eficiente, uma vez que sem saber onde ocorrem os crimes, fica difícil combatê-los com inteligência e, nesta área, gastar com inteligência significa necessariamente salvar vidas.
Como mostrou um levantamento realizado pelo CNJ em 2013, estados que aumentaram gastos totais em segurança tiveram aumentos no número de homicídios, enquanto estados que elevaram gastos em inteligência, apresentaram uma queda.
Esta omissão pode parecer desleixo da população, mas há boas razões para acreditar que seja apenas um instinto, dada a ineficiência dos órgãos de polícia. Como mostrou a Gazeta do Povo, no Paraná, apenas 6,7% dos boletins de ocorrência tornam-se de fato inquéritos. Em São Paulo, os números são um pouco mais otimistas, chegam a 10%. Os outros 90%? Viram estatísticas.