O deputado federal Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) está no PMDB há 51 anos. Um dos fundadores da agremiação, Vasconcelos foi deputado estadual, prefeito, governador e senador antes de ir para a Câmara dos Deputados em 2014.
Em 2009, o político pernambucano parecia ter chegado ao seu limite com o partido. Diferentemente dos seus colegas, Jarbas havia defendido a cassação de Renan Calheiros, dois anos antes, por seu envolvimento com a construtora Mendes Júnior. A eleição de José Sarney (PMDB-MA) à presidência do Senado, quando congressistas afirmavam ansiar por “moralização e inovação”, foi a gota d’água para o então senador disparar: “boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção“.
É difícil encontrar alguém que discorde da afirmação. O próprio Jarbas Vasconcelos foi acusado de receber R$ 2 milhões da Odebrecht!
Apesar de ter sido fundado aglutinando forças que faziam oposição à ditadura, o PMDB se tornou o único partido a ter estado no primeiro-escalão de todos os governos desde a redemocratização; nem sempre por motivos republicanos.
Em seus diários, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) diz que a pressão do partido para emplacar o então deputado federal e hoje investigado pela Lava Jato Eliseu Padilha (PMDB-RS) no Ministério dos Transportes cheirava mal. Foi sob pressão da ala do partido abrigada no Senado que o então senador e hoje investigado pela Lava Jato Edison Lobão (PMDB-MA) se tornou Ministro de Minas e Energia no governo Lula, mesmo sem entender patavinas da área. Sem cargos após perder a disputa pelo governo do Rio Grande do Norte, o ex-deputado e hoje investigado pela Lava Jato Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) pôde contar com a ajuda do partido para virar Ministro do Turismo no governo Dilma.
Os membros da legenda sabem que o gigantesco Estado brasileiro abre muitas oportunidades para qualquer um que se torne ministro, presidente de uma agência reguladora ou chefe de uma simples autarquia. Além do orçamento administrado, estar sentado em uma dessas posições pode ser a chave para angariar apoio político e criar dificuldades para vender facilidades.
Tão íntimo do poder, não é surpresa alguma descobrir que algum nome do partido esteja envolvido em um escândalo de corrupção. Como os seis casos abaixo demonstram, independentemente de onde e como esteja ocorrendo, boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.
1. Anões do Orçamento
Instalado na Comissão de Orçamento do Congresso desde 1972, o então deputado João Alves (PFL-BA) dominava como ninguém o assunto. Ainda naquela época, conseguiu fazer o governo militar destinar recursos para suas bases eleitorais. Em troca, o deputado baiano barrava mudanças propostas pelos outros congressistas.
Com a Constituição de 88, o poder do Congresso para alterar o orçamento foi ampliado e, com isso, as oportunidades de “negócios”.
Liderados por Alves, um grupo de parlamentares passou a utilizar suas emendas orçamentárias como moeda de troca para propinas e desvios de dinheiro. A gangue cobrava um pedágio de prefeitos e construtoras que desejavam ver suas obras incluídas no orçamento. Além disso, o esquema destinava recursos para entidades sociais “fantasmas”, que eram utilizadas para financiar as campanhas dos envolvidos.
Afora o deputado pefelista, o ex-assessor da Comissão de Orçamento do Congresso Carlos Alves dos Santos afirmou em entrevista à VEJA que sete deputados e um senador estavam envolvidos no esquema.
O PMDB estava dentro do arranjo. Para desviar dinheiro público, valia à pena compactuar até com quem tinha apoiado a ditadura. Manoel Moreira (PMDB-SP), o então vice-líder do partido Cid Carvalho (PMDB-MA), o ex-líder Genebaldo Correia (PMDB-BA), José Geraldo Ribeiro (PMDB-MG) e Ronaldo Aragão (PMDB-RO) tiveram seus nomes citados. Os investigados não compartilhavam apenas a legenda, mas também a baixa estatura, recebendo o apelido de “anões do orçamento”.
Acuado pelas denúncias, Alves chegou a afirmar que o seu enriquecimento e o dos envolvidos no esquema era uma obra divina. De acordo com o próprio, apenas ele já tinha sido sorteado 200 vezes na loteria.
Revelado pouco após o impeachment de Collor, o escândalo dos anões já envolvia todas as empreiteiras hoje investigadas na Lava Jato, e suscitou movimentações nas Forças Armadas sobre um novo golpe. Ironicamente, por roubar demais, o PMDB quase foi um dos responsáveis pelo fim da jovem democracia brasileira.
2. Escândalo da construção do TRT-SP
Em 1992, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP) iniciou a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. Seis anos depois, apesar de 98% dos recursos reservados para a obra terem sido gastos, apenas 64% da edificação tinha sido erguida.
O caso foi investigado na CPI do Judiciário e demonstrou que o PMDB também pode superfaturar obras de outro poder.
A comissão apontou a criação de um esquema engendrado pelo então presidente do tribunal, Nicolau dos Santos Neto, e o então senador e dono do Grupo OK, Luiz Estevão (PMDB-DF), para fraudar o erário. Estima-se que R$ 169 milhões, em valores da época, foram desviados.
Estevão se defendeu afirmando que não conhecia nenhum dos envolvidos e que tinha perdido a licitação para as empresas Incal Incorporações e Ikal Construções, do empresário Fabio Monteiro de Barros Filho. Sua tese começou a desmoronar quando a quebra do sigilo telefônico dos investigados no caso revelou 68 telefonemas de Santos Neto e 2.651 de Monteiro de Barros para o senador. Enquanto isso, mesmo tendo sido eleito para representar o Distrito Federal, Luiz Estevão destinou recursos na Comissão de Orçamento para a construção do tribunal em São Paulo.
Complicando ainda mais a situação do congressista, a quebra do sigilo fiscal das empresas ganhadoras da licitação demonstrou que tais companhias realizaram transferências no valor total de US$ 39,6 milhões nos anos de construção do tribunal para empresas do Grupo OK. Em um primeiro momento, os acusados afirmaram que os valores se referiam ao pagamento de empréstimos feitos pelo Banco OK em favor de Monteiro de Barros. Todavia, a maior parte dos valores não foi transacionada para o banco, mas sim para outras empresas do grupo.
Sua posição ficou ainda mais delicada quando funcionários do Senado que trabalhavam na CPI do Judiciário se disseram ameaçados pelo então senador. De acordo com a Folha de S. Paulo, Estevão teria invadido uma reunião e afirmado que, por serem o lado mais fraco da relação, iria “sobrar para eles”.
O acúmulo de denúncias, evidências, e o fato do então senador ser amigo pessoal de Fernando Collor – tendo sido avalista do falso empréstimo bancário que o ex-presidente fez para tentar explicar a origem dos seus recursos – tornaram a situação de Luiz Estevão insustentável. Mesmo assim, ele não perdeu o apoio do PMDB.
Na época presidente do partido e líder da agremiação no Senado, Jader Barbalho (PMDB-PA) tentou ajudar Estevão no seu processo de cassação. O hoje notório Renan Calheiros (PMDB-AL) afirmava em entrevistas que a união do PMDB poderia salvar o mandato do colega.
Apesar das articulações, Estevão acabou se tornando o primeiro senador da história a ser cassado e o único em que a votação do seu processo de cassação gerou outro escândalo.
A violação do segredo do voto pelos senadores José Roberto Arruda (PSDB-DF) e ACM (PFL-BA) causou a renúncia de ambos e revelou que dos 15 votos pela absolvição de Luiz Estevão, 11 vieram do PMDB.
3. Fraude nas merendas do estado de São Paulo (Operação Alba Branca)
Na manhã do dia 19 de janeiro de 2016, a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) prenderam dirigentes da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf). Os órgãos identificaram um esquema de pagamento de propinas em troca de contratos superfaturados para o fornecimento de suco à Secretaria de Educação Estadual e outras 22 prefeituras paulistas.
Segundo os investigadores, a cooperativa se aproveitou da legislação federal que prevê incentivos para que até 30% da merenda escolar seja comprada a partir de pequenos produtores rurais. A entidade vendia o suco com sobrepreço afirmando que ele era proveniente da agricultura familiar, mesmo o comprando mais barato de indústrias. Para garantir os contratos, acertos envolvendo “comissões” eram feitos.
Presos, os funcionários da Coaf colaboraram com as investigações e revelaram a presença de políticos no esquema. De acordo com eles, até um quarto dos valores dos contratos eram destinados ao pagamento de propinas.
Os interrogados pela polícia apontaram o deputado estadual e então presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) Fernando Capez (PSDB-SP) como um dos receptores do dinheiro ilícito. Na versão dos membros da cooperativa, Capez foi o responsável por conseguir a celebração do contrato com a Secretaria de Educação e dirimir quaisquer problemas futuros.
No plano municipal, o vice-presidente da Coaf, Carlos Alberto Santana da Silva, apontou o deputado federal Baleia Rossi (PMDB-SP) como beneficiário do esquema.
Em seu depoimento, Carlos Alberto afirmou “que em relação às vendas para as prefeituras de Campinas e Ribeirão Preto, valores eram repassados ao deputado Baleia Rossi”. Nos grampos que embasaram a operação, os investigados mencionam até entrega de dinheiro em seu escritório político em Ribeirão Preto.
O vendedor da Coaf Carlos Luciano Lopes afirmou em seu depoimento que Baleia era influente na prefeitura de Ribeirão Preto, sendo sempre requisitado pelo ex-presidente da cooperativa Cássio Chebabi quando os pagamentos vindos daquele município atrasavam.
O vendedor Adriano Miler contou que teria ido até onde Baleia Rossi estava junto com Chebabi. Ainda de acordo com o vendedor, o então presidente da cooperativa carregava consigo um envelope com R$ 200 mil. Ao se reunir com o deputado, Chebabi teria sido orientado a guardar o dinheiro e entregá-lo a Gustavo Spido (PMDB-SP), candidato a deputado estadual e aliado de Baleia.
4. Mensalão
Conhecido por ser um partido fragmentado, o PMDB não embarcou por inteiro no governo Lula. No início de 2003, uma minoria expressiva da agremiação fazia oposição à administração petista e cerrava fileiras junto aos partidos que haviam saído derrotados nas eleições de 2002 e a militantes radicais do PT.
O apoio do partido não saiu barato. Utilizando a estrutura montada pelo PT para irrigar o Valerioduto, o PMDB foi acusado de ter mais de 50 dos seus 81 deputados envolvidos no esquema que angariava recursos oriundos de caixa dois e de desvios do Banco do Brasil para comprar parlamentares.
José Borba (PMDB-PR), então líder do PMDB na Câmara, teria sacado pessoalmente R$ 2,1 milhões da agência SMPB de propriedade do publicitário Marcos Valério. Cuidadoso, Borba se recusou a assinar recibos do saque na agência do Banco Rural em Brasília, fazendo a diretora administrativa-financeira da SMPB, Simone Vasconcelos, ir ao banco receber o dinheiro e em seguida entregá-lo.
Esta não foi a única vez que Borba recebeu dinheiro. A secretária de Valério, Fernanda Karina, relatou ter visto o seu então chefe se dirigir a um encontro com Borba carregando uma mala de dinheiro. Ao lançar uma nota se defendendo, o deputado paranaense não apenas confirmou conhecer o publicitário mineiro, como afirmou que ele [Valério] indicava nomes para a administração federal.
Esse dinheiro, todavia, não era destinado aos membros do partido. Estes recebiam através do assessor de Borba, Roberto Bertholdo, que já havia sido indicado pelo deputado para um assento no conselho da Usina de Itaipu.
Em entrevista à VEJA, Antônio Celso Garcia, empresário e sócio informal de Bertholdo, afirma que o seu então parceiro se reunia semanalmente em São Paulo com três dirigentes do PT à época – Delúbio Soares, Marcelo Sereno e Silvio Pereira – e depois o transportava a Brasília em jatos particulares ou alugados. A divisão do dinheiro era feita de acordo com a importância do deputado e se dava em uma sala ao lado da liderança do partido na Câmara ou em uma casa alugada no Lago Sul.
5. Petrolão
Com o fim do Mensalão, o Governo precisava de uma nova fonte de recursos capaz de manter a base aliada coesa e obediente. Em suas delações, o ex-deputado Pedro Côrrea (PP-PE) e o ex-senador Delcídio do Amaral (na época PT-MS) afirmam que o alvo foi direcionado então para a Petrobras. A estatal foi dividida entre PP, PT e PMDB. Cada um dos partidos recebeu uma diretoria da empresa e coube ao PMDB enquanto bancada indicar o Diretor da Área Internacional.
De acordo com Nestor Cerveró, devido ao enfraquecimento do PT no pós-Mensalão, a bancada do partido no Senado concordou em apoiá-lo a partir de 2006. Em troca, exigiram R$ 6 milhões de propina oriundos de contratos da Petrobras para a compra de navios-sonda.
Enciumada, a bancada do PMDB na Câmara também teria exigido espaço na Diretoria. Aproveitando a necessidade do governo em aprovar a prorrogação da CPMF em 2008, os deputados supostamente exigiram um pagamento mensal de US$ 700 mil de Cerveró para votar com o governo. Como este último teria negado o acerto, Jorge Zelada foi alçado ao posto.
O partido não se contentou apenas com a Diretoria Internacional. Sentindo que estava perdendo o apoio do PP para ficar na Diretoria de Abastecimento, Paulo Roberto Costa procurou ajuda na bancada do PMDB no Senado e encontrou. Teria apoio político para ficar no cargo. Em troca, teria que providenciar o pagamento de propinas.
Segundo o Ministério Público Federal, o esquema fez com que apenas dois operadores do partido fossem responsáveis por pagar 40 milhões de dólares em propinas.
6. Esquema PC Farias
Há 40 anos na política, o senador alagoano Renan Calheiros (PMDB) esteve durante toda a sua carreira filiado ao PMDB, exceto durante um breve período em que arregimentou as fileiras do Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Na época, Calheiros fez parte da “República de Alagoas” e se tornou líder do governo Collor no Congresso.
Mais tarde inimigos figadais graças às disputas pelo governo de Alagoas, Renan e Collor ajudaram-se mutuamente em seus tempos áureos. De acordo com o ex-deputado federal Pedro Corrêa, Renan teria sido eleito naquelas eleições com recursos oriundos do esquema montado por Paulo César Farias, o PC Farias, notório arrecadador de propinas para o grupo.
O ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) também é dono de uma trajetória que remonta ao governo Collor. Na época no PRN, Cunha foi convidado a assumir a direção da empresa estatal de telecomunicações no Rio de Janeiro, a TELERJ. Sua gestão foi marcada por suspeitas de tratamento privilegiado para fornecedores, irregularidades na contratação de servidores e incapacidade de fazer até mesmo catálogos telefônicos.
Com o impeachment de Collor, Cunha foi para o PPB e assumiu Companhia Estadual de Habitação do Rio (Cehab). Passou apenas seis meses no cargo, sendo afastado após denúncias de irregularidades em contratos sem licitação e favorecimento de empresas fantasmas.
Mostrando que não tem preconceito algum com a vida pregressa dos seus filiados, o PMDB abriu as portas para o deputado fluminense em 2003 e o permitiu montar uma máquina de extorsão e pagamento de propinas dentro do governo federal. Em dado momento, sua bancada era maior que as do governo e da oposição.