Lula sempre encarou qualquer outra alternativa a lutar judicialmente contra sua pena como um atestado de culpa. Mas por que então ele cogitou resistir naqueles dias de Sindicato? E acerca disso não há dúvida. Lula, sim, cogitou resistir.
Foto: Ricardo Stuckert
Por Renato Rovai
Naquela quinta-feira, dia 5, a menos de 24 horas após ter seu pedido de habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal numa disputa por 6 a 5, que contou com um voto
cavalo de pau da ministra Rosa Weber, o ex-presidente Lula recebeu na sede do Instituto que leva o seu nome a notícia de que o juiz Sérgio Moro havia expedido seu mandado de prisão. Eram aproximadamente 18h.
A informação incendiou os grupos de whatsapp que foram sendo construídos na luta contra o impeachment de Dilma e na resistência à sua prisão . Foi neles que as pessoas tentavam saber o que isso significava, para onde Lula ia, se o xeque mate de Moro, que lhe dava até às 18h de sexta para se entregar, seria obedecido e coisas do gênero.
Num primeiro momento alguns falavam que quem quisesse estar com Lula deveria ir para o Instituto, mas rapidamente a informação foi corrigida e ficou claro que a sede da resistência seria o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que já havia sido escolhido anteriormente pelo próprio Lula. “Isso já havia sido definido bem antes. Chegou-se até a discutir a hipótese de ir pra Garanhuns, mas decidiu-se pelo ABC que foi onde ele nasceu como Lula”, revela João Paulo Rodrigues, da direção do MST.
Depois da votação no STF, entre os que grupos que se colocaram à frente na defesa do ex-presidente era sabido que o mandado de prisão poderia acontecer a qualquer momento, mas ninguém esperava que ele seria tão rápido. “A gente saiu da sede do Instituto naquela quinta-feira e disse para o Lula que não haveria prisão naquele momento porque não havíamos exaurido a segunda instância ainda”, contou em debate com este repórter à rádio do MST a advogada Valeska Zanin. “Mas quando estávamos (ela e o marido Cristiano) no carro saindo do Instituto recebemos a notícia que o Moro tinha decretado a prisão e tivemos que voltar pra dizer isso ao presidente”, acrescentou.
Quando o STF negou o habeas corpus a Lula na noite anterior, quarta-feira (4/4), decidiu-se que não se deveria discutir o que fazer naquele clima. E uma reunião foi agendada para o Instituto no dia seguinte. O ex-prefeito de Osasco e atual tesoureiro do PT, Emídio de Souza, junto com o vice-presidente da sigla, Márcio Macedo, foram os responsáveis por convidar tanto pessoas mais próximas a Lula quanto dirigentes nacionais. Entre outros participaram Fernando Haddad, José Genoíno, Rui Falcão e a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, que adiou uma ida sua ao Ceará que estava agendada.
Lula não participou dessa conversa onde se definiu um ato para sexta-feira no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e um evento com intelectuais em São Paulo, que deveria acontecer ou no Largo São Francisco ou na Casa de Portugal. Depois, numa reunião no PT, este ato seria transferido também para São Bernardo. E acabou não acontecendo por conta da decretação da prisão.
Nesta mesma reunião, em que os advogados de Lula informaram que até o dia 10 não haveria a expedição do mandado de prisão, o senador Lindbergh trouxe a informação de que havia conversado com o penalista Celso Vilardi e que ele dissera que havia precedentes. E que, sim, Moro podia decretar a prisão de Lula a qualquer momento. Eram aproximadamente 14h quando isso ocorreu. A informação trouxe apreensão, mas o que havia sido definido foi mantido.
Anúncio pela imprensa
Moro foi coerente em todos os momentos do julgamento que levou Lula à prisão. O juiz de Curitiba sempre dificultou o trabalho dos advogados, autorizando até a instalação de grampos nos telefones do escritório, o que lhe permitiu saber cada passo que a defesa iria dar, segundo Valeska Zanin. Na expedição do mandado de prisão não foi diferente, a imprensa foi informada antes da defesa.
Quando soube da notícia, porque o Brasil já sabia, Lula decidiu tomar a decisão que havia sido definida antes. Foi de carro para o Sindicato dos Metalúrgicos, onde rapidamente começaram a chegar lideranças e militantes. Aquela noite de quinta-feira foi longa.
O MTST que tinha algumas centenas de pessoas acampadas nas proximidades agiu rápido. Eram aproximadamente 20h quando esses militantes chegaram em marcha e montaram acampamento na lateral do Sindicato. Ao mesmo tempo vereadores, deputados, dirigentes sindicais etc. iam aparecendo. Lula se instalou no segundo andar e assumiu uma das salas de um conjunto que ficou interditado e que tinha mais umas cinco ou seis salas por onde se espalharam os visitantes mais ilustres e seus amigos mais próximos e familiares.
O repórter conseguiu entrar e ficar no local. A movimentação era intensa e Lula saia a todo momento para abraçar os que chegavam e fazer selfies. Era ele quem consolava os visitantes. E não ao contrário. Muitos se debulhavam em choro quando o viam, principalmente as pessoas mais simples.
Entre os seus assessores, alguns também não conseguiam conter a emoção. Como disse uma importante liderança do PT ironizando a situação: “aqui o choro é livre, mas a segurança é zero”. Ou seja, era muito simples infiltrar agentes no prédio e mesmo nas salas onde Lula estava. E isso acabou acontecendo, como se soube depois.
Na quinta à noite,
Haddad e
Dilma estavam entre os que ficaram nesse conjunto de salas. Fórum entrevistou ambos. No momento em que se preparava para conversar com o repórter, Dilma atendeu a um telefonema do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. No dia seguinte ela mudaria o seu domicílio eleitoral para o estado e anunciaria a sua candidatura ao Senado por lá.
Na conversa, de forma rápida e discreta, informou Pimentel que a disposição de Lula naquele momento era a de resistir ao que Moro determinara. Dilma achava aquilo arriscado, confidenciou depois ao repórter. Principalmente pelos riscos que um enfrentamento implicava. E na entrevista defendeu que a opção do PT era “a radicalização da opção democrática”. E que os gestos e atos autoritários teriam de ser exclusividade dos adversários.
A prisão ia se naturalizando com o passar das horas. Poucos ou praticamente ninguém falava em radicalizar na resistência. O que se discutia era como Lula deveria se entregar. Discutia-se, fundamentalmente, a foto. A grande preocupação era a narrativa que circularia pelo mundo. Era a imagem que se teria de Lula naquele momento crucial de sua história política. Por outro lado, uma outra decisão se cristalizava, Lula não se entregaria em Curitiba. Não iria obedecer a determinação de Moro.
O presidente do Instituto Lula,
Paulo Okamoto, cravou: “Lula não vai se entregar em Curitiba porque não tem dinheiro pra ir pra lá”. Era uma forma irônica de avisar o juiz Sérgio Moro de que as coisas não se dariam do jeito que ele queria.
Até quando e como resistir
A militância pedia e de vez em quando Lula saia à janela para fazer acenos. Numa das vezes comentou para os que estavam mais próximos. “Vamos ver como vai estar amanhã.” Era a senha para discutir a resistência. Ele ia decidir o que fazer a partir da quantidade de pessoas que partissem para SBC naquela sexta-feira, 6/4. Como disse uma das fontes da matéria: “claro que seria diferente se tivéssemos 100 mil pessoas cercando o Sindicato”.
Mesmo assim é importante dizer que Lula, para os que conversaram com ele antes da decisão final de Moro, não aceitava nem que fossem discutidas outras opções que não a de cumprir a determinação judicial. Foram vários, incluindo gente graúda do PT e até um dos seus governadores, que lhe recomendaram que se asilasse numa embaixada ou fosse para fora do país e de lá liderasse a resistência. Como resposta, fazia piadas, do tipo: “você quer mesmo se ver livre de mim, né”. Ou ficava com a cara fechada.
Numa dessas ocasiões, disse para um interlocutor que ele ficasse tranquilo, porque se fosse preso iria virar Mandela. E ouviu uma resposta distinta das que estava acostumado. A de que seus algozes o tratariam na prisão como se fosse um Fernandinho Beira Mar e nunca um Mandela. E que por isso deveria discutir seriamente o asilo político.
Nem essa frase de impacto lhe fez debater o assunto. “Deixa eles fazerem comigo o que quiserem”, teria respondido. “A única defesa que eu tenho é a minha inocência. E quem foge não pode se dizer inocente”, repetia como um mantra.
Lula sempre encarou qualquer outra alternativa a lutar judicialmente contra sua pena como um atestado de culpa.
Mas por que então ele cogitou resistir naqueles dias de Sindicato? E acerca disso não há dúvida. Lula, sim, cogitou resistir. Chegou sim a pensar em “esticar a corda”, como alguns falavam pelos corredores. E pensou em manter o “braço de ferro” com Moro por um tempo maior. Pensava nisso, porque havia os que defendiam que isso forçaria o STF a tomar uma decisão sobre as ADCs. Mas acabou desistindo não por ter sido convencido por A ou por B. Mas por uma série de acontecimentos que foram se desenrolando naquelas horas de resistência.
Quem decidiu tudo foi Lula
“Para mim nunca houve terceira hipótese, era ou entrar numa embaixada ou cumprir o mandado judicial”, afirma o deputado federal Wadih Damus (PT-RJ). “Transformar o Sindicato numa fortaleza e enfrentar a PF para mim nunca foi uma hipótese”, acrescenta. “Mesmo que tivesse muita gente, se eles chegassem ali atirando bomba para tudo quando é lado, haveria dispersão, poderia morrer gente e Lula seria arrancado dali de um jeito muito pior. Eu considero aquele ato trágico da apresentação do Lula uma vitória política”, afirma Wadih Damus.
(Foto: Francisco Proner)
Foi Damus a quem Lula mandou chamar quando decidiu que iria negociar sua “apresentação” na PF. Ao invés de usar o termo se entregar, preferiu-se o “apresentar”.
“Eu nem estava nesta reunião da decisão. O Paulo Pimenta foi me chamar lá fora dizendo que o Lula queria que eu fosse na PF negociar os termos. E aí, por determinação de Lula, fomos eu, o Sigmaringa Seixas e Emídio de Souza”, explica Damus.
Por Lula participaram esses três e pela PF, além do superintendente de São Paulo, também se reuniu via teleconferência o superintendente do Paraná. Ali ficou estabelecido que não seria realizado nenhum ato que pudesse desmoralizar o ex-presidente. Que ele não teria o cabelo raspado ou barba cortada, que o carro que iria busca-lo estaria descaracterizado, que Lula participaria da missa pela dona Marisa no dia seguinte e ainda foi tentado que ele se apresentasse apenas na segunda-feira, mas neste caso, a PF foi irredutível. E topou que isso pudesse acontecer até às 17h do sábado. Ao final, isso acabou se dando apenas às 19h, porque um grupo pequeno mais entusiasmado não permitiu que o carro com Lula saísse da sede do Sindicato, como projetado. E a solução de sair daquela forma e por aquele local foi dos policiais federais. “A PF sabia de tudo que ocorria no Sindicato. Eles tinham o mapa de tudo”, confirma João Paulo Rodrigues.
Sem mocinhos e nem bandidos
Desde que o ex-ministro José Eduardo Cardoso relatou numa reunião na sexta-feira, às 14h, os riscos de uma prisão preventiva, tanto Lula como muitos dos que ainda pensavam em “esticar mais a corda” passaram a confluir para a decisão de não correr esse risco. A prisão preventiva deixava Lula nas mãos de Moro, porque ele ainda responde mais dois processos com o juiz de Curitiba. “Ali naquele momento iniciou-se um debate sobre até onde se podia ir na resistência”, relata um ex-dirigente nacional do PT muito próximo a Lula e a Zé Dirceu. “Sim, houve debate de posições, mas isso não significa que o resultado implicou em vencedores e perdedores. Quem decidiu tudo foi Lula”, confirma o ex-presidente do PT, Rui Falcão.
PSoL, o MTST e o senador Lindbergh ficaram de um lado. CUT, MST, advogados e quase toda a direção do PT do outro. João Paulo Rodrigues confirma que o MST foi um dos primeiros a se posicionar por negociar. Não havia condições de resistência na sua opinião. Em especial, porque Lula não havia aceitado uma proposta feita a ele pelos dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos e do MST, de organizar um acampamento com umas 10 mil pessoas para permanecer na frente do Sindicato por um longo período, se o mandado de prisão se concretizasse. “Foi ali que Lula se decidiu pelo que iria fazer no dia. Quando nós e os Metalúrgicos propusemos isso e ele não topou”, diz João Paulo. “Ele sabia dos riscos da resistência e não arriscaria um banho de sangue”, confirma Damus. “Nós também nos manifestamos por cumprir a ordem judicial, negociando-a ao máximo, porque sabemos que o Lula é um líder institucional”, disse Walter Sorrentino, que foi designado pela direção do PCdoB para acompanhar todo o processo do Sindicato. “Quando constatamos que havia controvérsia em relação a decisão de se entregar, nos posicionamos por respeitar a decisão que Lula tomasse. O que aliás, foi o que quase todo mundo fez. Lula decidiu por aquilo que achou ser melhor para ele”. “Em nenhum momento existiu aquela conversa que
o Lindbergh relatou ao Paulo Henrique Amorim”, afirma o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS).