por André Spigariol
No Brasil, mais de 20,5 milhões de trabalhadores recebem de seus patrões algum tipo de subsídio para a alimentação. Em troca, empresários recebem do governo o direito a reduções de impostos e outros encargos, graças ao Programa de Alimentação do Trabalhador, instituído em 1976, e que hoje conta com mais de 250 mil empresas cadastradas.
Na maioria dos casos, o popular tíquete-refeição recebido por muitos brasileiros é destinado às despesas em dias de trabalho. No entanto, os nobres membros do Congresso Nacional formam a casta superior, agraciada com a generosa Cota Para Exercício da Atividade Parlamentar, já abordada pelo Spotinks neste vídeo. Legalmente, a verba deveria ser usada apenas para gastos diretamente relacionados ao mandato do congressista, mas, na prática, acaba bancando gastos que vão muito além disso. Recentemente, revelamos como o deputado Silvio Costa (Avante-PE) usou o “cotão” para financiar gastos com telefones durante sua campanha em 2014.
Mas os abusos não param por aí. Por meio dos dados abertos da Câmara, investigamos como os ilustres parlamentares têm gastado o cotão aos finais de semana. Para esta análise, nos concentramos apenas em despesas de alimentação, combustível, hospedagem, táxi, pedágio e estacionamento. Retiramos da conta, também, os fornecedores de passes automáticos de pedágio. O filtro se dá porque a data de emissão dos cupons e notas fiscais destes serviços é referente exatamente ao momento do gasto, o que pode não acontecer com outros prestadores. Somente em 2017 já foram mais de R$ 2,6 milhões gastos com o reembolso de 19,4 mil notas emitidas ao sábados e domingos por deputados federais.
Confira abaixo tudo que você precisa saber sobre como os políticos estão torrando seu dinheiro.
Os campeões dos gastos aos finais de semana.
Ao todo, encontramos registros de 471 deputados utilizando a Cota Parlamentar aos finais de semana. No entanto, a prática não parece ser comum a todos. Do total de gastos, quase metade (46%) se concentra nos 20% mais gastões: um grupo de 94 parlamentares que já deixou uma conta de R$1,2 milhão para o pagador de impostos, com o reembolso de quase 9 mil notas fiscais. Na média, um membro desse clube custou R$ 13 mil em 2017, até a última atualização dos dados da Câmara.
O PT é o líder dos gastos, tanto em números absolutos quanto proporcionais: foram R$ 464,4 mil, com uma média de R$ 8,2 mil por parlamentar. Entre os três primeiros, dois são do PT e um representa o Podemos. E não é um mero acaso que dois deles sejam do Rio Grande do Sul e um de Santa Catarina: os dois estados possuem a maior média de gastos por parlamentar em finais de semana da Câmara. Veja os dados do painel a seguir:
A farra é liderada por Marcon (PT-RS), que já foi reembolsado em R$ 22,3 mil por conta de 166 gastos “para exercício da atividade parlamentar” em sábados e domingos. Foram R$ 14,5 mil somente com paradas para reabastecimento de veículos, como o dessa nota fiscal, que detalha a compra de 160,67 litros de óleo diesel em Ronda Alta, no interior do Rio Grande do Sul. Com essa quantidade de combustível, daria para viajar para Porto Alegre três vezes usando a picape Ford F-250 que o parlamentar declarou ao TSE em sua relação de bens de 2014.
Marcon é seguido de perto por seu colega gaúcho, Cajar Nardes (Podemos), que já consumiu R$ 21,8 mil em 220 notas fiscais. Só com alimentação, foram R$ 5,7 mil. Na tarde do dia 15 de julho, um sábado, Nardes visitou uma conhecida churrascaria porto-alegrense, o “Costela no Roletche”, onde deixou uma fatura de R$ 140,00 para o pagador de impostos. A nota fiscal não ajuda a desvendar o consumo do parlamentar nesse dia, visto que traz apenas uma descrição genérica – “almoço” – o que não é permitido pelo próprio regulamento da Câmara sobre o cotão.
No entanto, a página do restaurante no iFood traz mais informações sobre os preços do estabelecimento. Por lá, um “kit para uma pessoa” custa R$ 60,90, e serve uma farta refeição: costela de novilho ou suíno 500g de carne, salada de batata, salada verde (rúcula, agrião e alface), salada de cebola fatiada, tomate fatiado, farofa ou farinha.
Com os R$ 140, daria pra comprar dois pratos como esse e ainda sobraria dinheiro para uma sobremesa. Mas, nos finais de semana, Nardes não quer só comida. Ele quer combustível (R$ 8,9 mil), hospedagem (R$ 5,7 mil), táxis, pedágios e estacionamentos (R$ 1,4 mil) pagos pelo povo brasileiro.
O painel abaixo traz o ranking completo dos parlamentares que gastam a Cota Parlamentar aos finais de semana. Melhores visualizados no computador, os gráficos trazem o detalhamento das despesas totais, oferecendo a possibilidade de filtrar por deputado.
Deputados da Bancada Evangélica trabalham aos domingos.
As religiões da tradição cristã adotam como dogma que seus fiéis devem guardar o domingo para o descanso e a adoração a Deus. Algumas interpretações da Bíblia recomendam que o sábado deve ser preservado, assim como na tradição judaica. Seja como for a regra seguida pelas diferentes ramificações religiosas dos parlamentares evangélicos, a maioria dos deputados da Frente Parlamentar Evangélica utiliza a Cota Parlamentar aos sábados e domingos.
Dos 185 integrantes da bancada que aparecem nos registros da Cota Parlamentar, 148 solicitaram reembolsos aos domingos e 155 aos sábados. Nos domingos, foram mais de R$ 389 mil desembolsados em 3,3 mil notas fiscais dos evangélicos. Aos sábados, a quantia foi bem maior: R$ 551,9 mil diluídos em 4,1 mil notas.
Refeições que alimentariam um batalhão de crianças.
Os R$ 123,1 mil gastos pelos nobres parlamentares apenas com alimentação podem parecer pouca coisa, quando tomamos como referencial o montante do orçamento público. Mas não é bem assim: em vez de transferir renda para a classe política, essa verba poderia estar sendo utilizada, por exemplo, com alimentação escolar. Tomando como base o valor da merenda usado pelos cálculos da ferramenta “De Real para Realidade” do Estadão (R$ 2,22), o valor seria suficiente para servir 55.495 refeições a alunos da rede pública de ensino.
Por falar em Bancada Evangélica, a refeição mais cara registrada pela Câmara em finais de semana é do deputado Pastor Luciano Braga (PRB-BA), que resolveu almoçar no Hotel Morubixaba (Barreiras/BA) ao custo total de R$ 278,85, ou 125 merendas. O almoço aconteceu no dia 8 de outubro, um domingo. Para piorar: a nota fiscal não traz nenhum detalhamento do que foi consumido:
Um dia antes, em São Paulo, acontecia outra “refeição” salgada. Dessa vez, o Deputado Marcos Soares (DEM-RJ) colocou seu almoço de sábado, no valor de R$ 254,80, na conta do eleitor, sem dar maiores detalhes do que foi consumido. Mas há que se fazer justiça: o valor total da nota foi de R$ 255,64, o que significa que o parlamentar usou 0,002% de seu salário para cobrir a despesa.
Confira a seguir o ranking das refeições de fim de semana pagas pelo contribuinte brasileiro. Caso queira investigar outros gastos suspeitos de deputados, conheça também a Operação Serenata de Amor, que programou um robô para identificar desvios de dinheiro público da Cota Parlamentar.
*dados atualizados até a primeira semana de dezembro de 2017